Lei que permite que inquilinos vivam de forma permanente e vitalícia numa habitação foi publicada em Diário da República dia 9 de janeiro de 2020.
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Guia do arrendamento vitalício: Direito Real de Habitação Duradoura à lupa (com um caso prático)
GTRES

De forma a responder aos estímulos e dificuldades do mercado imobiliário atual, o legislador procurou encontrar uma solução alternativa à aquisição de habitação própria e ao consequente endividamento das famílias e dos grupos etários mais vulneráveis. Foi neste sentido que surgiu a figura do Direito Real de Habitação Duradoura (DRHD), criado pelo Decreto-Lei n.º 1/2020, de 9 de janeiro, e que clarificamos com fundamento jurídico neste artigo, preparado pela Teixeira Advogados & Associados para o idealista/news.

O DRHD, também habitualmente designado de contrato de arrendamento vitalício, é um contrato celebrado entre o proprietário de uma habitação e uma ou mais pessoas singulares que adquirem a qualidade de moradores, e cria o direito permanente a residir numa habitação alheia durante toda a vida, mediante o pagamento de uma caução e de uma prestação mensal ao proprietário. 

Quanto ao conteúdo, o contrato deve indicar, entre outros: 

  1. o montante da caução;
  2. o valor das prestações mensais e anuais;
  3. a declaração do morador a aceitar o estado de conservação da habitação.

Quanto às formalidades do contrato: 

  1. deve ser celebrado por escrito;
  2. através de escritura pública ou por documento particular com reconhecimento presencial de assinaturas;
  3. ser inscrito no registo predial pelo morador no prazo de 30 dias a contar da celebração do mesmo.

Relativamente ao pagamento, no momento da celebração do contrato, o morador deverá pagar as quantias relativas à caução e à primeira prestação mensal.

Quanto à prestação mensal, esta é livremente estabelecida no contrato.

Quanto à caução, é livremente acordada entre o morador e o proprietário, tendo, no entanto, obrigatoriamente de fixar-se entre um mínimo de 10% e um máximo de 20% do valor médio da venda de mercado da habitação, de acordo com a sua localização e dimensão. Este valor mediano é calculado com base no indicador de preço de venda por metro quadrado (m2) divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Depois, o morador terá ainda a pagar uma prestação anual, por cada ano decorrido desde o 11.º ano até ao final do 30.º ano a contar do momento da celebração do contrato. Esta prestação anual corresponde a 5% da caução inicial e é paga através de dedução na caução. Assim, no final do 30.º ano a totalidade da caução terá sido paga ao proprietário.

Um caso prático

Com o objetivo de ilustrar o que se acabou de expor, a Teixeira Advogados & Associados apresenta a seguinte hipótese prática: o Fernando e a Maria viram no jornal que entrou em vigor o regime do DRHD e acharam que esta seria uma boa alternativa ao arrendamento ou à compra de uma casa para morarem.  

Foram ter com Telmo, que é proprietário de uma casa que se encontra desocupada e livre de hipotecas e outros ónus ou encargos, e propuseram-lhe a celebração de um contrato nesse sentido. Telmo aceita e pede a um arquiteto ou a um engenheiro que avalie o estado de conservação da habitação. Depois de confirmadas as condições médias de conservação da casa, Maria e Fernando concordaram em receber a casa nas condições em que esta se encontrava, bem como acordaram com o Telmo que a caução inicial teria um valor total de 10.000 euros e que as prestações mensais seriam de 100 euros. 

Dirigiram-se a um escritório de advogados e expuseram a sua vontade em realizar o acordo, tendo sido então o contrato elaborado e, no dia 4 de agosto de 2020, foi assinado e foram reconhecidas as assinaturas presencialmente. Nesse momento, o Fernando e Maria transferiram o montante de 10.100 euros para a conta do Telmo, referentes ao valor da caução e ao valor da primeira prestação mensal. Por fim, o Fernando e a Maria inscreveram o contrato no registo predial. 

Daqui para a frente e até 4 de agosto de 2030, Fernando e Maria apenas terão de pagar 100 euros por mês. A partir de 4 de agosto de 2031, Fernando e Maria, até 4 de agosto de 2050, terão de pagar 100 euros por mês e a prestação anual que corresponde a 5% da caução inicial. Tendo a caução inicial o valor de 10.000 euros, terão então de pagar, além dos 100 euros por mês que já estavam a pagar, mais 500 euros por ano.

Acontece que estes 500 euros por ano não saem efetivamente da conta do Fernando e da Maria. Eles são descontados da caução que estes prestaram inicialmente. O que significa que a 4 de agosto de 2050, o Telmo já nada terá de devolver a Fernando e a Maria a título de caução, porque foi descontando desta o valor da prestação anual (500 euros x 20 anos = 10.000 euros).

Perguntas e respostas

Imaginemos agora que o Fernando e a Maria querem a restituição da sua caução. Conseguirão? 

Sim. Se saírem do imóvel, têm direito a reavê-la integralmente nos primeiros 10 anos (até 4 de agosto de 2030). Caso o morador permaneça no imóvel a partir do 11.º ano, o proprietário passa a reter uma percentagem de 5% por ano, o que significa que ao fim dos 30 anos os moradores perdem todo o direito à caução: assim, se saírem do imóvel, por exemplo em 2031, ser-lhes-á restituído apenas o valor de 9.500 euros.

E em que caso poderá Telmo ficar com a quantia que lhe foi paga a título de caução? 

No caso de cessação do contrato, quando existam quantias em dívida devido ao não cumprimento pelo morador das suas obrigações, o proprietário pode deduzi-las do montante do saldo da caução a devolver ao morador. Por exemplo, se Fernando e Maria não tivessem pago a prestação mensal de 100 euros nos últimos três meses, e ainda estivéssemos nos primeiros 10 anos de contrato, Telmo apenas lhes devolveria 9.700 euros.

A que estão obrigados o morador e o proprietário?

É de salientar que deste contrato surgem obrigações para o morador e para o proprietário, que passamos a sintetizar. 

Ao proprietário cabe:

  1. assegurar o estado de conservação, pelo menos médio, da habitação no momento da sua entrega;
  2. suportar os custos das obras e de quaisquer outros encargos relativos às partes comuns do prédio; 
  3. caso haja condomínio, suportar o pagamento das contribuições periódicas; 
  4. realizar obras de conservação extraordinária (tais como em canalizações interiores e exteriores de águas e esgotos ou no sistema elétrico); 

Já o morador está obrigado a:

  1. utilizar a habitação apenas para sua residência permanente, contudo, caso haja autorização expressa do proprietário, este poderá utilizá-la para fins diferentes; 
  2. suportar o pagamento das taxas municipais que sejam eventualmente devidas; 
  3. realizar e suportar os custos de obras de conservação ordinária da habitação (por exemplo, reparação de janelas e portas com vidros partidos e a limpeza e reparação geral do imóvel).

O DRHD pode cessar? Como?

Sim, através de três formas: 

  1. por incumprimento definitivo do morador ou do proprietário; 
  2. por decisão do morador que não quer continuar a residir naquela habitação; 
  3. por morte do morador ou do último morador no caso de o contrato ter sido constituído a favor de mais do que uma pessoa – no nosso caso prático, ainda que Fernando viesse a morrer, o contrato subsistiria enquanto Maria fosse viva.
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