"O que falta em Portugal é uma política estruturada de imobiliário", diz ao idealista/news José Covas, presidente do RICS Portugal.
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Imobiliário em Portugal precisa de "medidas de longo prazo"
José Covas, presidente do RICS Portugal desde 2020 Créditos: José Covas | Freepik

Estabilidade é palavra de ordem no setor imobiliário. Só assim, com “medidas de longo prazo” e com “compromisso” por parte do(s) Governo(s), será possível dar resposta à crise que existe na habitação ao mesmo tempo que o país se mantém como destino atrativo para os investidores imobiliários. Nacionais e internacionais. Quem o diz é José Covas, presidente do RICS Portugal desde 2020 – renovou este ano o mandato por mais três anos, até 2027. “São quase 30 anos de experiência [na área do imobiliário] e falo com muitas pessoas. O que ouço dos investidores, o foco deles, está na necessidade de acreditarem naquilo que é dito: a história do novo aeroporto, por exemplo, já virou piada internacional”, diz o especialista em entrevista ao idealista/news.

“Comecei a trabalhar no imobiliário nos anos 1990”, conta José Covas, que colaborou em empresas como a Colliers International e a DTZ (atual Cushman & Wakefield) e, mais tarde, foi Managing Partner & Head of Portugal na Aura Real Estate Experts (Aura REE). “Fiz milhares de processos de crédito hipotecário. Participei em grandes projetos, como por exemplo o da Alta de Lisboa e praticamente em todos os grandes edifícios da Expo, e trabalhei com grandes fundos nacionais e internacionais”, acrescenta o também professor – dá aulas no ISEG, na UCP, no INDEG-ISCTE e na ESAI.

José Covas, que integra também o comité internacional do International Valuation Standards Council (IVSC), recebe-nos nos escritórios da recém-criada José Covas Real Estate. A empresa já existia, há cerca de dez anos, como Iniciativability, tendo sido agora rebatizada, conforme explica. “O objetivo é sair do que era a avaliação e consultoria imobiliária e entrar cada vez mais na área de investimento. Quero tirar partido do meu ‘background’ de ‘advisory’. [A empresa] tem o meu nome, a minha marca pessoal, porque é o que vende. Tenho uma forma distinta de olhar para o mercado imobiliário que gostava que se perpetuasse. Já se vai perpetuar, porque dou aulas há uma série de anos e tento perpetuar a minha visão do mercado. E acho que vou conseguindo”.

Falta em Portugal uma “política estruturada de imobiliário”

Durante a longa e animada conversa com o idealista/news, José Covas toca várias vezes no mesmo tema para pôr o dedo numa ferida que tarda em sarar: a falta de estabilidade no que diz respeito a medidas relacionadas com o setor imobiliário em Portugal. Um problema que tem consequências a vários níveis.  

“Já antes da pandemia, das guerras, da inflação etc. que andava a dizer que o que faltava em Portugal era uma política estruturada de imobiliário. Não só de habitação, mas de todos os segmentos. É algo que não existe e estamos muito dependentes do que possa acontecer do ponto de vista político”, comenta, insistindo na inexistência de estabilidade para os investidores e para os ‘business plans’ que traçam para o país. “Em vários promotores imobiliários que atuam em Portugal há capital estrangeiro envolvido, o que pode fazer com que essas pessoas deixem de investir. Isso é que me assusta”.

"[Tem de] haver um entendimento entre partidos, da esquerda e da direita, para haver medidas de longo prazo: montar pacotes legislativos em que mesmo que venha um novo Governo o tema está bloqueado, porque o que foi aprovado foi com [prazo de] dez anos, por exemplo, e não há forma de o destruir”

A solução para o problema, conta, está do lado do Executivo e nas mãos dos governantes. José Covas considera que é fundamental haver um “compromisso legislativo” em que as medidas anunciadas seriam “invioláveis” durante um largo período temporal. “Era dez anos de estabilidade, por exemplo. Faria isso aplicado a vários segmentos do setor imobiliário”. 

Crise habitacional em Portugal
Foto de Ninety Studio on Pexels

“Montar pacotes legislativos” duradouros 

Mais tarde durante a conversa, o especialista volta a abordar o tema, acrescentando que estaria em causa uma espécie de “pacto de nação” relativamente a alguns aspetos. “Sem isso não conseguimos crescer com sustentabilidade. [Tem de] haver um entendimento entre partidos, da esquerda e da direita, para haver as tais medidas de longo prazo: montar pacotes legislativos em que mesmo que venha um novo Governo o tema está bloqueado, porque o que foi aprovado foi com [prazo de] dez anos, por exemplo, e não há forma de o destruir”, sustenta.  

O líder do RICS Portugal, que assume ser uma espécie de bastonário do setor imobiliário a nível nacional – “Tenho um papel muito importante, faço a interligação com a CMVM, com o Banco de Portugal (BdP) e com o Governo” –, detalha depois as “medidas de longo prazo” que considera ser urgente adotar, apelando a que haja “coragem política” para as levar a bom porto.  

Antes, reitera uma ideia deixada várias vezes ao longo da entrevista: “Há coisas, e já disse isso na Assembleia da República, que são muito críticas para o país ser cada vez melhor, independentemente da orientação política de cada um. Não quero acreditar que todos não queiram um país melhor para todos. Essa devia ser a filosofia. Há três ou quatro coisas que todos têm de meter na cabeça que tem de haver, um compromisso, e que têm de ser pensadas a longo prazo para que o país cresça”. 

Quais são, então, estas “medidas de longo prazo” a implementar, na opinião de José Covas? “Ter um programa sério de investimento em infraestruturas. Um aeroporto e essencialmente boas linhas férreas. Haver um plano a dizer está aprovado, o aeroporto é aqui e a obra começa amanhã, e [paralelamente] damos ok para o TGV e a obra começa amanhã. Depois, se queremos promover o Build to Rent (Construir para Arrendar) e o mercado de arrendamento temos de dar benefícios, nomeadamente fiscais, a quem vai ter esse tipo de ativos, mas benefícios a sério, a dez anos. Por exemplo: fundos com mínimo de 10 milhões de euros a dez anos não pagarem mais-valias durante esse período, esse tipo de coisas. E por fim pensar numa política fiscal séria, fazer uma reforma dos impostos que estão ligados ao imobiliário e garantir que durante determinado tempo fica assim, sem alterações”. 

Turismo e negócios imobiliários em Portugal
Foto de emre kağızmanlı on Pexels

Novo aeroporto e TGV são cruciais

Destas, a medida mais prioritária é a que está relacionada com as infraestruturas, até porque haver uma boa e rápida ligação ferroviária ia beneficiar os vários segmentos do setor imobiliário, aumentando os negócios, assegura. 

O responsável dá ainda outro exemplo, neste caso relacionado com as políticas fiscais a adotar, lembrando que o nicho de mercado das residências de estudantes e seniores “pode ter escala” no país, não estando em causa apenas “facilitar o processo de licenciamento”. “Nenhum investidor vai querer menos de 100 quartos, o que já obriga a um investimento bastante alto. E é um projeto a longo prazo. Se há depois mudanças na Segurança Social e nas leis do arrendamento, por exemplo, acaba a viabilidade do projeto”, avisa. 

Voltando à importância do TGV e do novo aeroporto para o imobiliário, o especialista é perentório a afirmar que está em causa uma mudança de paradigma no setor, nomeadamente no segmento do turismo e da habitação. Isto porque o país conseguiria atrair ainda mais investimento. 

"Fazer [de comboio] Lisboa-Madrid no mesmo número de horas de Madrid-Barcelona, cerca de três… o nosso turismo aumentava exponencialmente. Devia ser capaz de chegar ao Porto e a Faro em hora e pouco e a Madrid em três horas” 

“Há muitos projetos grandes na Margem Sul de Lisboa que estão aprovados, mas a marinar na expetativa do que vai acontecer, e empregariam milhares de pessoas. Mas o ‘time line’ é grande, ainda nem há uma decisão concreta. E depois há o período de construção… Não vamos ter, no melhor cenário, algo que possa ser usufruído por hóspedes [no caso do turismo] dentro de sete, oito anos, e estou a ser otimista. O turismo beneficiaria muito mais com uma rede férrea mais simpática. Fazer Lisboa-Madrid no mesmo número de horas de Madrid-Barcelona, cerca de três… o nosso turismo aumentava exponencialmente. Devia ser capaz de chegar ao Porto e a Faro em hora e pouco e a Madrid em três horas”, desabafa. 

Há novos investidores no imobiliário em Portugal?

José Covas fala numa nova realidade de investimento imobiliário em Portugal, com o aparecimento, cada vez mais visível, de diferentes players. “O que tenho estado a ver, e por isso é que esta estabilidade era importante, é um conjunto vasto de investidores que não são nem os institucionais grandes nem os nacionais, são ‘familly offices’. São investidores ‘medianos’, até 50 milhões de euros, que têm muita vontade e capacidade de investir. Mas essas pessoas precisam, mais que os outros [investidores], de confiar, de acreditar”. 

Em causa estão pessoas que têm “muita visão” e que pretendem “fazer ciosas interessantes em Portugal, projetos fora da caixa, como por exemplo residências de estudantes e seniores”, adianta.

Escritórios em Portugal
Foto de Nascimento Vieira on Pexels

Escritórios, logística, retalho e hotelaria: raio-x ao mercado

Fazendo um raio-x ao mercado imobiliário, por segmentos, o gestor salienta, por exemplo, que a logística “ganhou muito peso” nos últimos tempos. “Muitos players ficaram assustados com a dependência chinesa da atividade logística e houve necessidade de criar polos intermédios que permitissem reduzir custos”, refere. 

“Ainda temos algum problema de oferta qualificada. Há muitas entidades que ocuparam imóveis que não conseguem ser eficientes, pelo que há aí uma oportunidade de mercado. O problema é que não há muitos terrenos industriais bem localizados. Mas sim, há muito interesse [dos investidores]”, acrescenta.

Relativamente aos escritórios, José Covas sublinha que ainda não viu muitas empresas a reduzir espaços. “O que estão a fazer é a criar espaços mais flexíveis, a adaptar”, de forma a dar resposta ao trabalho híbrido, aponta, sublinhando que “continua a haver dificuldade em encontrar escritórios que possam ser adaptados aos dias de hoje” e que “há atualmente pouca construção especulativa”.

Em tom crítico, diz que em Portugal continua a haver a tendência de “trazer os escritórios para os centros das cidades”, de forma desnecessária: “É inacreditável como não pensamos numa segunda Quinta da Fonte ou num segundo Lagoas Park, fazia muito mais sentido. Como é que não temos um polo de escritórios decente do outro lado do rio [Tejo]? Isso iria atrair o segmento residencial para a zona, [mas] não há neste momento visão”.  

"É inacreditável como não pensamos numa segunda Quinta da Fonte ou num segundo Lagoas Park, fazia muito mais sentido. Como é que não temos um polo de escritórios decente do outro lado do rio [Tejo]? Isso iria atrair o segmento residencial para a zona, [mas] não há neste momento visão”  

No caso do retalho, e em concreto no comércio de rua, José Covas diz estar bastante preocupado, justificando a sua afirmação com o facto de ser um segmento “que reage rapidamente às mudanças económicas e financeiras e que está ligado às capacidades financeiras que as pessoas e famílias têm”. 

“O comportamento do mercado de rua está ligado ao da habitação, porque as pessoas, por poderem estar estranguladas com os seus créditos habitação, ficam com menos capacidade para investir. Acredito que o mercado vai estabilizar e que em algumas zonas vai haver quedas abrutas. Acho que há [negócios de] restaurantes, por exemplo, que vão falhar e que em algumas zonas as rendas vão baixar até 50%. Há sítios fora do centro de Lisboa com lojas vazias, porque não há quem queira montar negócios”, antecipa. 

Turismo em Portugal
Foto de Daria Voronkov on Pexels

Hotéis? "A exigência aumenta quando pagamos mais"

Por fim, o turismo. Para o especialista continua, sem dúvida, a ser “uma área sexy” para investidores internacionais. “Quase todos os dias recebo contactos de marcas que querem abrir cá. Não há mais negócios porque os potenciais vendedores estão a jogar com isso e a pedir preços inacreditáveis”. 

"Os últimos dois, três anos foram muito bons para o turismo, muito à conta da subida do preço do quarto [de hotel]. Mas a exigência aumenta quando pagamos mais. E, com algumas exceções, não vejo essa qualidade a acompanhar o preço. Corre-se um risco grande"

Mas nem tudo são boas notícias. “É uma área que me assusta bastante”, frisa, explicando depois o porquê da sua preocupação: “Os últimos dois, três anos foram muito bons para o turismo, muito à conta da subida do preço do quarto. Mas a exigência aumenta quando pagamos mais. E, com algumas exceções, não vejo essa qualidade a acompanhar o preço. Corre-se um risco grande. O preço por quarto até se pode manter, mas temos de investir em duas coisas: serviço (encontrar pessoas qualificadas para trabalhar) e qualidade do produto (renovar quartos, as receções das unidades etc.)”. 

“A parte positiva”, remata, é que antevê que “possa haver no mercado, daqui a algum tempo, hotéis a preços mais razoáveis”. 

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