Hoje a Venezuela é um país devastado. Mas já foi o membro mais rico da América Latina. Com o colapso assiste-se também à erosão do vasto património urbanístico e arquitetónico. Centenas de edifícios notáveis têm vindo a ser abandonados ou destruídos. A capital, Caracas, abriga grande parte destas construções de relevo, sobretudo Art Déco, Bauhaus e Brutalismo, que fizeram da cidade um eixo da arquitetura moderna na região, juntamente com a Cidade do México, Brasília e Rio de Janeiro.
A arquitetura moderna na Venezuela floresceu entre as décadas de 1950 e 1970, graças a uma combinação de fatores: o boom do petróleo e a migração da Europa. Agora podem ver-se estacionamentos que são usados como abrigos, edifícios coloniais, obras socialistas inacabadas, complexos improvisados como favelas, centros comerciais sem clientes, segundo conta uma reportagem da Bloomberg.
"A arquitetura moderna em Caracas é impressionante. É uma das principais características desta cidade", diz Hannia Gómez, arquiteta e diretora da filial venezuelana da Docomomo, uma organização internacional sem fins lucrativos dedicada à conservação de edifícios modernos. "Mas grande parte deste património está muito deteriorado", segundo a responsável citada pela agência de notícias internacional.
Obras-primas destruídas, mas nem todas
Entre os exemplos mais eloquentes está a Ciudad Universitaria de Caracas, classificada como Património Mundial pela UNESCO. O campus possui obras de arte de Victor Vasarely e Fernand Léger. Os painéis acústicos em forma de nuvem na sala de concertos Aula Magna são considerados uma obra-prima do escultor Alexander Calder.
A universidade tornou-se, porém, numa exibição de fachadas decrépitas, cacos de vidro e paredes cobertas de grafitis. O lixo não é recolhido, e as plantas não são podadas. De acordo com a Bloomberg, o campus torna-se, com frequência, num campo de batalha entre estudantes da oposição e grupos armados leais ao presidente Nicolás Maduro.
Mas nem todo o património arquitetónico de Caracas está em desfeito. Alguns edifícios coloniais controlados pelo governo no centro da cidade, datados do século XVII, estão abertos a visitantes. O mesmo acontece com a modernista Villa Planchart, de propriedade particular, projetada por Gio Ponti, o arquiteto italiano também responsável pela segunda encarnação do Museu de Arte de Denver. O Tamanaco, um hotel em forma de pirâmide, inaugurado na década de 1950, está bem conservado e ainda recebe hóspedes.
Modernismo negligenciado pelos socialistas
Depois do auge de duas décadas, o investimento na arquitetura moderna foi-se reduzindo após repetidas crises económicas na década de 1980. A ascensão do chavismo na década seguinte teve um efeito misto: sob a presidência de Hugo Chávez (1999-2015), membros do governo e especialistas realizaram o primeiro e único inventário do património cultural da Venezuela. Isso significou novas regras de preservação que restringiam as reformas - e irritavam os proprietários.
Mas as leis venezuelanas são vagas e a fiscalização é menos rigorosa para imóveis de simpatizantes do governo, segundo Melin Neva, arquiteta e integrante da ONG Paisaje Ciudad Ciudadania, que promove o património urbano de Caracas. As autoridades nunca apoiaram financeiramente os esforços de preservação, realçou Neva à Bloomberg.
Embora os governantes socialistas tenham conservado pelo menos as fachadas de alguns edifícios mais antigos, negligenciaram o modernismo, que associam a valores estrangeiros, disse Neva.
Após a morte de Chávez, em 2013, a economia começou a afundar devido a uma queda dos preços do petróleo e ao acumular de anos de má gestão e corrupção. A fome, a hiperinflação e o crime levaram 4,3 milhões de pessoas a sair do país, segundo dados da ONU até agosto. Caracas está cheia de propriedades vazias.
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