Comentários: 0
Projeto do Matadouro do Porto inviabilizado pelo TdC - os motivos que explicam o chumbo
wikimedia_commons

O Tribunal de Contas (TdC) considera ilegal o modelo de concessão escolhido pela Câmara do Porto para a reabilitação e futura exploração do Matadouro Municipal e recusou o visto prévio à empreitada, entregue à empresa Mota-Engil. O modelo adotado pela GO Porto - empresa municipal que lançou o concurso, segundo o TdC, "deve ser enquadrado como parceria público-privada (PPP) e respeitar as regras estabelecidas no respetivo regime jurídico".

Mas o TdC vai mais longe e coloca mesmo em causa o modelo financeiro previsto no contrato e a “probabilidade de alteração do resultado financeiro”.

O chumbo do projeto levou Rui Moreira, presidente da autarquia, a acusar o TdC de "matar o projeto" do Matadouro com a recusa do visto, numa "intromissão inadmissível" que "extravasa competências", sem acolher "a separação de poderes".

Na conferência de imprensa realizada esta segunda-feira, dia 04 de fevereiro de 2019, Rui Moreira garante que “o município não deixará de apresentar recurso” desta decisão, “desde logo porque há responsabilidades contratuais junto do adjudicatário”.

Projeto do Matadouro do Porto inviabilizado pelo TdC - os motivos que explicam o chumbo
Rui Moreira, presidente da autarquia Câmara do Porto

Empreitada é “concessão de obra pública”

Numa nota de imprensa enviada ontem à Lusa, o TdC esclarece que a decisão de recusa de visto "foi determinada, em primeira linha, pela qualificação do contrato como concessão de obra pública, ao invés do pretendido pela requerente GO Porto".

O tribunal esclarece, ainda, que o acórdão que recusou o visto ao contrato de empreitada para a reconversão e exploração do Matadouro "limitou-se a apreciar, no exercício das competências do TdC, a legalidade do procedimento e a violação de normas e princípios legais que impunham a recusa de visto".

No acórdão, que a Lusa consultou, o TdC observa que, "em face da qualificação do contrato como concessão, a ausência de efetiva publicitação do procedimento no mercado europeu" implicou "uma violação do disposto no artigo 131.º, n.º 2, do CCP (Código de Contratos Públicos)".

Alerta sobre o resultado financeiro do contrato

O referido contrato feito com a Mota-Engil – que previa um investimento de 40 milhões de euros - "também configura uma violação direta dos princípios fundamentais da lealdade e da concorrência, bem como dos princípios instrumentais da igualdade de tratamento", adverte o TdC.

O Tribunal de Contas alerta, ainda, para a "violação direta de norma financeira e programa específico das regras sobre matriz de risco estabelecidas", bem como o "desrespeito de norma sobre repartição de riscos (em especial efetividade do risco do parceiro privado), que implica a probabilidade de alteração do resultado financeiro do contrato".

Acusações dos dois lados

A recusa do Tribunal de Contas, "seca e telegráfica", chegou às 12,30 horas da passada sexta-feira, dia 01 de fevereiro de 2019, à empresa municipal GO Porto, "sem mais dizer ou dar a conhecer os fundamentos da sua decisão", referiu o presidente da Câmara do Porto à comunicação social.

E acrescenta que desde agosto, o Tribunal de Contas já tinha solicitado três pedidos de esclarecimentos - em 27 de agosto de 2018, em 25 de outubro de 2018 e em 3 de janeiro de 2019 - sendo que de cada vez que estes pedidos são formulados, os prazos suspendem-se, de acordo com o autarca.

Contudo, na nota de imprensa, o TdC revela, que, desde agosto do ano passado, o processo esteve nas mãos da empresa municipal (GO Porto) entre 28 de agosto e 11 de outubro, entre 25 de outubro e 02 de janeiro, e entre 03 e 25 de janeiro.

E, destaca o TdC, que "no acórdão também foi decidido que os estatutos da GO Porto e os contratos-programa celebrados com o município do Porto não atribuíam àquela empresa municipal os poderes necessários para lançar o procedimento relativo à concessão (abrangente de um período superior a 32 anos)".

Chumbo do TdC era expectável

As dúvidas do TdC ao projeto de reconversão do Matadouro eram já conhecidas pelos responsáveis da autarquia e este resultado era mesmo expectável.

Esta situação acabou por ser conhecida do grande público, depois da visita do presidente da Republica, Marcelo Rebelo de Sousa, ao Matadouro, no 21 de janeiro de 2019, que em jeito de conselho alertou para a necessidade de não se atrasar mais a reconversão do imóvel, que apresenta um carácter de “excecionalidade”. 

"Como é que depois os juristas, burocratas e tecnocratas enquadram esta realidade de uma forma que a seus olhos não violente os princípios constitucionais? Isso parece-me, apesar de tudo, fácil de concretizar perante a singularidade da ocasião", referiu Marcelo Rebelo de Sousa, na sua intervenção.

Uma declaração que, na opinião do executivo do Porto, era uma mensagem que tinha um destinatário claro: o Tribunal de Contas.

Se na altura alguns dos presentes no evento tiveram a intuição de que algo se passava com a viabilidade do projeto de reconversão, a confirmação chegou agora com o chumbo do TdC.

Ver comentários (0) / Comentar

Para poder comentar deves entrar na tua conta