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Crianças e arquitetura: assim se fazem novas e melhores cidades
Carla Celestino

As crianças têm uma imaginação sem limites. No seu mundo criam casas, parques infantis, lagos e até eco-pontos. E ao desenharem com canetas de feltro e lápis de cera, sem darem conta, já estão a aprender a tomar decisões e a resolver problemas que levam para toda a vida. O idealista/news foi saber de que forma a arquitetura está mais próxima do mundo das crianças e como elas influenciam a arquitetura, no âmbito do seminário “PuEmA, por uma Educação em Arquitetura”, que se realiza hoje e amanhã, dias 15 e 16 de fevereiro de 2019, promovido pela Ordem dos Arquitetos da Secção Regional Sul (OASRS).

Durante estes dois dias, um “leque de oradores muito qualificado e com competências transversais e multidisciplinares”, nacionais e internacionais, vai trazer ao debate esta questão, adianta a presidente da OASRS, Paula Torgal.

O PuEmA é, segundo a arquiteta, “o ponto de partida para que sejam discutidas as temáticas de arquitetura de uma forma mais abrangente e para que se partilhem experiências e reflexões com alguns especialistas destas áreas. Seguramente que a médio e longo prazo o objetivo será o despertar e sensibilizar as crianças, adultos e professores para que defendam a arquitetura como uma profissão vital e essencial para o bem-estar de todos”.

Défice no ensino sobre arquitetura

Para Torgal “é urgente que o despertar das mentes aconteça, e que seja o mais cedo possível! Essa urgência prende-se com o facto de todos habitarmos, circularmos em espaços que foram (ou deveriam ter sido) projetados ou tiveram a intervenção de um arquiteto. O fato de conseguirmos fazer a apropriação do que nos rodeia, seja uma sala de aula, um jardim, uma praça, de uma forma consciente e crítica dá-nos uma capacidade de compreender melhor a nossa escala e de vivermos esse espaço de uma forma mais real”.

Crianças e arquitetura: assim se fazem novas e melhores cidades
Paula Torgal, presidente da Ordem dos Arquitetos da Secção Regional Sul OASRS

Há professores que acham que o olhar dos seus alunos está muito fixo nos telemóveis e tablets e ensinam os alunos na rua a olhar para cima e a descobrir os edifícios e a arquitetura. A presidente da OASRS partilha desta visão, pois, como diz, “só a partir de um olhar real e critico sobre o espaço que nos rodeia, poderemos usufruir das tecnologias que nos transportam para um outro espaço, o espaço virtual”.

Refere ao idealista/news que esta era já uma “reflexão” sua antiga mas que veio a confirmar-se quando iniciou o seu mandato, em 2017, e verificou “que continuava a existir em Portugal, um défice no ensino quanto à integração do tema da arquitetura nos curricula desde o pré-escolar até ao secundário”.

Foi neste âmbito que a OASRS iniciou, no final desse mesmo ano, um projeto piloto com coletivos de arquitetura para a realização de oficinas criativas no edifício sede da Ordem dos Arquitetos. E “desde cedo se revelou uma aposta ganhadora e por essa razão há a vontade de levar este projeto para fora de portas e experimentá-lo também nas escolas”.

Desta forma “foi nascendo a vontade de promover, à semelhança do que já acontece pela Europa fora, um encontro de especialistas da área da educação, que possa dar força e contributos para este Projeto de Educação em Arquitetura (PuEmA)”, explica a arquiteta.

Workshops e ateliês

Arrumar-A-Rua é um dos projetos pedagógicos que faz parte do programa do PuEmA.  Formado por Inés Sebastián Ugarteche e Marta Ramírez Cores, em outubro de 2017, tem como objetivo trabalhar a arquitectura com uma orientação lúdica.

“Até agora o feedback das oficinas tem sido sempre muito positivo. As crianças divertem-se nas oficinas e ao mesmo tempo integram novos modos de se relacionar com o espaço a sua volta”. É que, como explicam, “durante muito tempo, o desenho do espaço urbano tem estado em mãos de técnicos e das administrações. Contudo, as cidades são desfrutadas (e sofridas) por toda a cidadania e os mais pequenos têm muito a dizer sobre isso. Eles têm um olhar diferente, e uma perceção muito lógica e com outra escala do espaço”.

Crianças e arquitetura: assim se fazem novas e melhores cidades
Archikidz

As oficinas para as crianças são “um jogo”, mas ao mesmo tempo, têm de usar “conceitos como escala, maquete, geometria” e leva-as também a “refletir sobre o que é preciso ter, hospitais, escolas, ruas grandes, ruas mais pequeninas, parques... e que tipo de relações criam esses espaços entre si”.

Esta dupla considera que eventos como o PuEmA - Por uma Educação em Arquitetura, “são importantes na atualidade” porque “ainda há muito a refletir sobre a educação em arquitetura e sobre a arquitetura dos espaços educativos”.

O Archikidz Lisboa é outra das entidades que participa no PuEmA. Nasceu de uma reunião de amigos em Barcelona e ao regressar a Amsterdão Robert Mulder pôs em ação o projeto, Barcelona seguiu rapidamente o exemplo e chegou a Lisboa através da alfacinha Renata Gomes que vive naquela cidade espanhola, à qual se juntaram Verónica Mota e a Madalena Spínola.

“Um dos objetivos deste evento é que se realize também noutras cidades do mundo”, esclarece Renata Gomes. Por isso promovem uma diversidade de workshops que “visam despertar e estimular no pensamento de jovens cidadãos, a sensibilidade para observar, analisar e questionar a realidade arquitetónica que nos rodeia, através de atividades lúdicas e didáticas”. Esta plataforma tem vindo a crescer na expectativa de “semear na mentalidade de crianças e famílias a ideia de viver numa cidade mais consciente de si e das suas riquezas e particularidades”.

Crianças e arquitetura: assim se fazem novas e melhores cidades
Ricardo Oliveira Alves

Salienta que “as crianças são muito disponíveis” e “entregam-se com entusiasmo ao desafio que lhes é proposto em cada atividade e divertem-se sempre muito com o resultado final”, pelo que “é muito frequente termos meninos que voltam ano após ano”.

Renata Gomes acredita que “pela via educativa e participativa” pode-se aproximar a arquitetura das crianças e vice-versa. “Ao desenvolver a atividade, as crianças tomam consciência sobre o meio que nos rodeia e da importância das suas opções e decisões, por exemplo quando decide abrir uma janela na sua casa ou plantar uma árvore. Desta forma vão desenvolvendo a compreensão do papel que todos nós desempenhamos na formação do mundo à nossa volta”. 

O idealista/news pediu a uma criança para desenhar o seu habitat. No seu desenho, Alice Lobato traça duas torres de edifícios de habitação, tal e qual o bairro que a rodeia. Segue-se o jardim, com árvores e um lago, há uma criança a andar de baloiço e música no parque infantil, tal e qual o que existe a poucos passos da sua casa. Um pormenor, há ecopontos entre os edifícios, porque já se preocupa com o meio ambiente. E só tem 6 anos. Neste seu mundo está a chover mas existe um arco-íris que nos dá esperança que a arquitetura e a educação de amanhã será seguramente melhor que a que existe hoje.

Debate chega a todos os cantos do mundo

“Estes temas começam cada vez mais a ser discutidos e implementados em escolas que se dedicam exclusivamente à implementação de conteúdos programáticos destinados a uma Educação em Arquitetura como é o caso, da Finlândia, na Arkki – Escola de Arquitetura para Crianças e Jovens ou o caso de Madrid, na Arquitetura Educativa da Universidade Autónoma de Madrid”, adianta Paula Torgal.

Embora não seja um dos intervenientes da iniciativa PuEmA, o idealista/news falou com o arquiteto Vicky Chan, fundador da Avoid Obvious Architects em Hong Kong, precisamente para compreender esta tendência à escala mundial.

Nos últimos 15 anos este gabinete de arquitetura ensinou a mais de 5 mil crianças arquitetura e design ao nível colaborativo e sustentável. Uma vez por semana deslocam-se às escolas primárias. Porquê? “Ensinamos porque vemos uma lacuna entre o ensino sustentável e a forma como se fazem as políticas. Achamos que muitas dos problemas que contribuem para o aquecimento global são questões que o governo pode resolver. Acreditamos que as pessoas precisam ter visões mais arrojadas e soluções mais criativas”.

Crianças e arquitetura: assim se fazem novas e melhores cidades
Avoid Obvious Architects

E dá um exemplo, “muitas crianças em Hong Kong não entendem como uma rodovia de 12 pistas que corta o centro da cidade é um mau projeto para as pessoas e o meio ambiente. A mudança de mentalidade e encontrar maneiras de resolver os problemas usando o método colaborativo é o que procuramos”. Apesar desta visão, Vicky Chan é realista: “Não acho que todos os alunos vão tornar-se arquitetos, mas será ótimo se as ideias que tivermos hoje puderem chegar ao seu futuro local de trabalho e influenciar a sua tomada de decisão”. Simplificando, “se um número suficiente de decisores achar que uma rodovia de 12 pistas está obsoleta, ela desaparecerá ainda durante a minha vida. É como se estivéssemos a plantar as boas sementes para mudar o futuro das nossas cidades”.

O arquiteto destaca que “as crianças influenciam o meu trabalho de várias maneiras. Nós temos ensinado crianças com necessidades especiais e a maneira como eles interagem com o ambiente físico faz-me perceber que a chamada diretriz de design acessível não é suficiente para atender às suas necessidades”.

E dá mais um exemplo: “Contratei um dos meus alunos com necessidades especiais para trabalhar comigo. Em Hong Kong (tal como em Portugal), as pessoas costumavam andar na escada rolante do lado direito e as pessoas que andam mais rápido usam o lado esquerdo. No entanto, a minha estagiária só podia usar a mão esquerda pelo que é natural que utilizasse o lado esquerdo da escada rolante. Mas toda a minha equipa foi “olhada de lado” pelos outras pessoas porque pensavam que nós os estávamos a bloquear de propósito”.

Perante este cenário, diz que “isto faz-me pensar sobre todas essas regras estranhas que criamos intencionalmente e não intencionalmente para viver numa cidade. Ninguém nunca se pergunta a si próprio o que acontece se algumas pessoas com uma mão só podem usar um lado”. Por isso, “todos esses pensamentos levaram-me a repensar o design da cidade de várias maneiras. Por mais doloroso e difícil que seja, tentamos ao máximo defender um design amigável para todos”.

Já ele, diz, “influencio as crianças fazendo a arquitetura divertida para elas”.

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