Arrefecimento da compra de casas em Portugal poderá levar a correção dos preços das casas, avisa regulador liderado por Centeno.
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Incumprimento no crédito habitação
Mário Centeno, governador do Banco de Portugal Getty images

O clima geopolítico é “tenso”, dadas as pressões inflacionistas, as taxas de juro elevadas e a “relativa turbulência” nos mercados financeiros internacionais. É assim que o Banco de Portugal (BdP) descreve o atual contexto macroeconómico que se vive hoje, repleto de incerteza e de riscos. O regulador liderado por Mário Centeno identifica o aumento do incumprimento dos créditos habitação e o arrefecimento no mercado residencial como dois dos principais riscos à estabilidade financeira.

No Relatório de Estabilidade Financeira publicado esta quarta-feira, dia 10 de maio, o BdP conclui que, nos últimos meses, "os riscos para a estabilidade financeira mantiveram-se elevados". E entre os principais riscos e vulnerabilidades está precisamente o “potencial incumprimento das famílias mais vulneráveis, devido à inflação elevada, à subida das taxas de juro de curto prazo e a um potencial agravamento da taxa de desemprego”.

“Dada a elevada proporção de empréstimos à habitação com taxa variável, a subida das taxas de juro traduz-se num aumento dos encargos com a dívida no curto prazo, aumentando o risco de crédito das famílias”, diz BdP

O regulador português admite que "a transmissão do aumento das taxas de juro aos contratos de crédito é gradual, mas todos os contratos indexados a Euribor a 3 e 6 meses, e boa parte dos contratos indexados a Euribor a 12 meses, já registaram um aumento significativo do indexante" e, por conseguinte, das prestações da casa.

"Dada a distribuição atual dos contratos de crédito à habitação por ano de celebração, conclui-se que cerca de 50% dos contratos em vigor já tiveram em algum momento passado um valor de indexante mais elevado que o esperado para vigorar em dezembro de 2023", indicou ainda o BdP. Isto quer dizer que no final do ano metade dos créditos habitação em Portugal terá superado o pico dos juros.

"O aumento das prestações deverá manter-se até setembro de 2023, ainda que mais acentuado para os empréstimos indexados à Euribor a 12 meses e mais moderado nos indexantes com prazos inferiores, sobretudo, no caso da Euribor a 3 meses"

Embora haja maior risco de incumprimento nos créditos habitação, o regulador português lembra que há fatores que podem ajudar a mitigá-lo, como a melhoria do perfil de risco dos mutuários, a redução do rácio do endividamento, elevada taxa de emprego ou a implementação de medidas governamentais de apoio às famílias, incluindo de suporte às prestações do crédito habitação.

Também o potencial incumprimento das empresas mais vulneráveis é um risco para o Banco de Portugal, que considera que, “apesar da evidência recente de resiliência do setor, um contexto económico e financeiro mais desfavorável, caracterizado por menor crescimento económico e taxas de juro mais elevadas, fará aumentar a percentagem de empresas em vulnerabilidade”.

Para já, Mário Centeno defende que não há sinais de agravamento do incumprimento dos clientes bancários. Na conferência de imprensa de apresentação de relatório, o governador do BdP admitiu não ter dados que indiquem um aumento do incumprimento dos créditos, até "porque as condições económicas continuam favoráveis", mas afirmou também que "tem de ser avaliada com cautela" a evolução da situação.

Prestações da casa a subir
Foto de Kampus Production no Pexels

Arrefecimento da compra e venda de casas é um risco – preços podem descer

O BdP também está de olho no arrefecimento no mercado imobiliário residencial, pois admite que há o risco de esta diminuição da procura ter “impacto sobre os preços e sobre o valor do colateral de créditos garantidos por imóveis”, explica.

“No final de 2022, observou-se um abrandamento dos preços da habitação e das transações neste mercado. Num contexto de subida das taxas de juro, poderá ocorrer alguma correção dos preços no mercado imobiliário residencial”, admite o regulador liderado por Márcio Centeno.

Ainda assim, considera que o impacto da descida dos preços das casas na banca portuguesa deverá ser limitado. “Mesmo na hipótese de uma queda de preços mais significativa, a distribuição de crédito à habitação por rácio Loan-to-value sugere que o sistema bancário não deverá incorrer em perdas elevadas. No caso do imobiliário comercial, a exposição do setor bancário é limitada e consideravelmente inferior à do imobiliário residencial, sendo que os requisitos de capital são bastante mais elevados, limitando os impactos potenciais de desenvolvimentos adversos neste mercado”, conclui no mesmo relatório.

Subida de juros
Foto de Alex Green no Pexels

BdP está atento à turbulência nos mercados financeiros

A incerteza no contexto macroeconómico atual aumentou depois do colapso dos bancos Sillicon Valley e Signature, nos EUA, e a instabilidade financeira sentida no Credit Suisse, na Europa. Sobre este ponto, o BdP admite que Portugal não está imune à turbulência acrescida nos mercados financeiros internacionais e está bem atento aos potenciais efeitos de contágio entre os ciclos financeiro e económico.

A verdade é que esta tempestade deixou os mercados financeiros internacionais ainda mais stressados e voláteis. E “os impactos foram particularmente visíveis nas valorizações dos títulos de instituições financeiras mais expostas ao risco de taxa de juro e podem também desencadear dificuldades de liquidez”, aponta o regulador.

“Uma eventual aversão ao risco mais generalizada teria impactos adversos sobre os custos de financiamento, a valorização dos ativos e a atividade económica”

Todo este cenário leva o BdP a estar atento à “materialização dos riscos de mercado e de crédito no setor bancário”. Isto é “o cenário central de evolução da economia portuguesa, caracterizado por crescimento económico e subida das taxas de juro, tenderá a traduzir-se num efeito favorável sobre a rendibilidade e o capital, promovendo um aumento da margem financeira que deverá permitir acomodar um aumento expectável do incumprimento no crédito e alguma materialização do risco de mercado. Os bancos portugueses operam atualmente com rácios de capital e de liquidez estruturalmente elevados, pelo que se espera que se mantenham resilientes, mesmo num enquadramento económico e financeiro mais adverso”, assume o regulador no relatório.

Por outro lado, o BdP considera que uma trajetória menos favorável para o rácio da dívida pública é também um risco à estabilidade financeira do país. “Um enquadramento económico e financeiro potencialmente mais adverso, com menor crescimento económico e inflação mais persistente, que motive uma reação mais intensa e duradoura das autoridades monetárias por via de taxas de juro mais elevadas, aumenta os riscos do elevado endividamento”, conclui.

*Notícia atualizada dia 11 de maio, às 15h50, com declarações do governador do Banco de Portugal e perspetivas de evolução das prestações da casa

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