
A mudança de paradigma nas famílias, a consciência ambiental, a necessidade, a crise no acesso à habitação ou até mesmo ambições pessoais deram lugar a novas formas de habitar. Às casas tradicionais juntaram-se alternativas para viver, fruto, também, do avanço da tecnologia e industrialização na construção. Nos tempos modernos, há muitas formas de viver, seja em casas modulares, pré-fabricadas, ou até mesmo caravanas/casas móveis. Mas, afinal, será possível ter a morada fiscal nestes tipos de habitação? Explicamos com fundamento jurídico.
Neste artigo preparado para o idealista/news, Marta Morais Silva, Associada Principal, e António Medeiros Araújo, jurista da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, começam por explicar a importância de saber distinguir os conceitos de domicílio fiscal e residência fiscal uma vez que, “embora sejam tomados como equivalentes, muitas vezes não são considerados para os mesmos efeitos, em termos fiscais”. Depois, os especialistas detalham, em concreto, como se aplica a lei nos diferentes casos.
Domicílio fiscal e residência fiscal: as diferenças
- O domicílio fiscal serve essencialmente para questões procedimentais e processuais – tal como ser notificado da cobrança de impostos, para corrigir ou entregar certa declaração, ser chamado à execução, entre outros.
- Por outro lado, a residência fiscal é o elemento-chave para aferir se um contribuinte tem uma conexão suficientemente forte para que seja tributado em Portugal. Tal conexão, na maior parte das vezes, será dispor de uma habitação própria e permanente, ou seja, um imóvel no qual o contribuinte pernoita, faz as suas refeições, receba os seus amigos e familiares e passe o seu tempo livre, por exemplo, quer este seja sua propriedade ou arrendado.
Ora, o domicílio fiscal é aferido, de acordo com o Artigo 19.º da Lei Geral Tributária, com base no local de residência habitual, que coincidirá na maior parte das vezes com a habitação própria e permanente do contribuinte.

Domicílio fiscal em autocaravanas e casas pré-fabricadas: sim ou não?
A questão que se coloca, de particular relevância, é saber se o domicílio fiscal, para os devidos efeitos tributários, pode ter lugar em autocaravanas e casa pré-fabricadas.
O conceito de residência habitual, necessário para aferir o domicílio fiscal, pressupõe um grau de permanência geográfica, pelo que não será possível considerar-se como domicílio fiscal uma autocaravana que esteja em movimento de forma tal a que se torne inviável determinar a sua concreta localização. O mesmo se diga quanto às autocaravanas afetas a fins transitórios, tais como a sua permanência para um campo de campismo apenas durante os meses de verão, momento no qual o contribuinte usufrui dela.

Por outro lado, já poderá ser considerado como domicílio fiscal a autocaravana que estiver afeta com caráter de permanência, ou seja, se esta estiver assente ou fixa no mesmo local por um período superior a um ano, ainda que com ligeiras alterações de onde se situa. Por outras palavras, se a autocaravana estiver fixada e localizável geograficamente, ainda que com ligeiras transferências para uma parte do campo de campismo ou terreno, por exemplo, sempre se considerará que a mesma está afeta com caráter de permanência.
O mesmo se diga relativamente às casas pré-fabricadas ou modulares que, apesar de não estarem materialmente fixas ao solo, podemos considerar o seu caráter como permanente. Para além deste aspeto, apesar de este tipo de habitações ser adquirido em estado construído, serão consideradas como prédios para efeitos tributários – concretamente, em sede de IMI – pelo que dúvidas não se colocam de vir a constituir domicílio fiscal, caso o contribuinte assim entenda.
Constituir domicílio fiscal em casas pré-fabricadas ou modulares
Para que possa ocorrer a constituição de domicílio fiscal em casas pré-fabricadas ou modulares, é necessário que as mesmas sejam, previamente, devidamente licenciadas pela Câmara Municipal, em termos semelhantes ao processo de licenciamento que é exigido para a construção de casas convencionais, que não são móveis ou pré-fabricadas.

O elemento determinante para a sujeição das casas pré-fabricadas ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, mais concretamente ao seu artigo 2.º, relativo ao conceito de “edificações”, é a utilização humana que será dada à “casa” ou módulo pré-fabricado. Caso se destine a habitação ou utilização permanente, como por exemplo a instalação de um restaurante, bar ou loja aberta ao público, é exigido ao módulo pré-fabricado o competente processo de licenciamento, não sendo essencial que o mesmo possua características de permanência e inamovibilidade do solo – existindo já decisões dos Tribunais Centrais Administrativos nesse sentido, o que determina a atuação das Câmaras Municipais nesse sentido.
Sem a concessão da licença a obra eventualmente realizada será considerada ilegal e, como tal, poderá ser embargada pela Câmara Municipal. Nesse caso, a consequência legal será a obrigação de demolição da mesma ou a obrigatoriedade de cessação da sua utilização. Caso tal não seja cumprido, o infrator incorrerá em crime de desobediência, que é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
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