
Valisse Alficha fugiu duas vezes do conflito entre as forças governamentais e o braço armado da Renamo, primeiro em 2016, sob comando de Afonso Dhlakama, e depois em 2019, dirigido por Mariano Nhongo, tendo saído apenas com a roupa do corpo.
“Eu fugi da Gorongosa (Sofala) para Mucorozi (Manica) quando a guerra estava quente, mas depois tive de fugir novamente para a vila de Gondola porque houve muito confronto na nossa aldeia”, diz à Lusa o camponês que perdeu três dos nove filhos no conflito.
O homem, de 64 anos e com 1,35 metros, conta os dissabores de passar noites ao relento e debaixo de chuva, enquanto entra agachado na sua palhota feita de blocos de argila num subúrbio de Gondola, uma vila ferroviária encostada a Chimoio, a capital de Manica, no centro de Moçambique.
“Quando chegámos aqui a Gondola, após deixar tudo para trás, fomos acolhidos numa igreja e depois levados para este bairro”, onde receberam terrenos.
Bairro ecológico feito a partir de restos do lixo

Homem de fala lenta e trémula, diz que não tem posses “para erguer uma habitação digna”.
O camponês faz parte de 50 famílias desalojadas pelo conflito que vivem em habitações precárias e que vão beneficiar de igual número de casas ecológicas, construídas à base de garrafas plásticas e de vidro apanhadas das lixeiras da vila.
Estas são as primeiras casas ecológicas no centro de Moçambique, um projeto semelhante a outro foi implementado em Maputo, no sul.
Virgílio Jambo, vereador para a área de saúde e saneamento no município de Gondola, refere que o projeto, além de ajudar a limpar a vila, vai solucionar o problema de habitação.
A casa de um quarto, sala e varanda vai usar 17 mil garrafas de plástico, enquanto a de garrafas de vidro vai recorrer a 27 mil, para o mesmo tamanho e compartimentos.
“A ideia é ter um bairro ecológico” diz à Lusa Virgílio Jambo.
A construção das casas ecológicas é da iniciativa da Igreja Anglicana em Moçambique e enquadra-se num projeto humanitário que quer ajudar a reconstruir a vida de deslocados de guerra e dar lares seguros a idosos, viúvas e órfãos.
Após uma ajuda inicial com alimentos e vestuário, as condições precárias de habitação ficaram por resolver, explica à Lusa o padre anglicano da Igreja de Gondola, Francisco Charles.
“A igreja não pode viver apenas do evangelho”, refere.
Casas construídas de garrafas dão esperança a sobreviventes da guerra
“Vimos que podíamos fazer alguma coisa para dar um sorriso àquelas pessoas que estão a sofrer e decidimos fazer uma campanha, tendo surgido o apoio para a construção destas casas”, diz Francisco Charles.

Outra das beneficiárias vai ser Lusinha Campira, que não se lembra da sua idade, mas recorda-se com detalhe da forma como arrastou o corpo por centenas de metros para escapar de tiros junto à sua palhota, que foi queimada na ocasião.
“Os tiros começaram em Pindanganga e as pessoas começaram a fugir até chegarmos aqui. Neste bairro estou numa casa emprestada, porque a minha tenda caiu, além de que já estava rasgada”, diz à Lusa a anciã, que se emociona ao ser levada a visitar a futura residência.
“Esta casa de garrafas é a minha única esperança e aguardo ansiosa para poder entrar e viver”, acrescenta.
A apanha da garrafa usada na construção e o processo do seu enchimento envolve os próprios beneficiários, que para isso são remunerados para ajudar na renda.
O projeto que arrancou em setembro de 2021 vai ter uma duração de três anos, já está a implantar duas das 50 casas previstas e conta com o financiamento da Tearfund, uma agência cristã internacional.
Para poder comentar deves entrar na tua conta