
De tempos a tempos, a vida pede-te calma. Pede-te silêncio, relaxamento e interiorização. A vida pede-te que abrandes o ritmo e que acalmes a mente. Para muitos, o yoga e a meditação (e a vida espiritual em geral) são o caminho a seguir para encontrar uma vida mais tranquila e feliz. Mas mesmo para os que não seguem essa via, a necessidade de silêncio ainda persiste.
O idealista/news falou com Avita, designer de comunicação e professora de Yoga integral esotérico na Natha – Escola Espiritual de Yoga e Tantra, em Lisboa, para descobrir como é que no meio da agitação da vida, conseguimos encontrar-nos no silêncio.
Avita, é uma mulher de 42 anos que tem uma vida aparentemente “normal”, com a diferença de que pratica a arte do silêncio (juntamente com a prática de yoga e tantra) há mais de 15 anos.
Partilha, com uma calma contagiante que “quando te interiorizas e estás em silêncio contigo, tornas-te mais presente” em tudo o que fazes. Estar mais presente significa ter consciência do que se passa aqui e agora, de como te sentes neste segundo. Significa sentires-te de forma completa, com atenção e lucidez sobre ti próprio. Para a Avita, o “estar presente” é primordial para termos uma vida equilibrada e harmoniosa. E é também o que os retiros oferecem.
O seu período mais longo em silêncio foram 15 dias seguidos, e relembra esta experiência como algo extremamente benéfico para a transformação e aperfeiçoamento de si própria. Já viveu em ashrams (comunidades espirituais) e relembra como a prática de silêncio se foi tornando uma atividade mais frequente por dedicar a sua vida à espiritualidade, onde há tempo para parar, onde a vida a convida a refletir, a ter uma pausa de tempos a tempos.

E na verdade, todos os seres humanos precisam dessa pausa: de desligar a ficha do exterior e de nos virarmos para o interior. A agitação e a azáfama do dia-a-dia desestabilizam o nosso centro e fazem-nos, muitas vezes, perder o contacto com a nossa essência e harmonia interna. É importante parar, observar o nosso ser e perceber o que nos falta, qual é a peça do puzzle que carece e que nos vai tornar inteiros novamente.
Um esforço consciente para alcançar o verdadeiro silêncio
A participação num retiro de silêncio é uma aprendizagem que nos pode ajudar a alcançar o equilíbrio que foi perdido a uma dada altura das nossas vidas. E, para além disso, apoia um profundo processo de auto-descoberta e desenvolvimento pessoal que a nossa alma tanto asseia. Quando se faz um retiro de silêncio, a nossa perspetiva muda e damos valor à tal pausa que a Avita refere, e “as transformações são imensas”.
A designer sente que “o esforço consciente de fazeres um retiro de silêncio automaticamente purifica o teu ser. Quando fazes um retiro, despes-te de certas tendências e certos hábitos e elevas a tua consciência e perspetiva. Tornas-te mais puro e dá vontade de repetir porque percebes que é algo essencial para o teu equilíbrio e regeneração. Traz mais disponibilidade e capacidade para responderes às necessidades do dia-a-dia, uma certa descomplicação da forma como vemos a vida – e isso inspira-te para participares em mais retiros”.
Quando fazes um retiro, despes-te de certas tendências e certos hábitos e elevas a tua consciência e perspetiva.
É uma ciclo vicioso, benéfico, poderíamos dizer, que te ajuda a fazer um reset na tua vida e a começar do zero. Cada vez que fazes o reset sentes-te a renascer, regenerado, purificado e aperfeiçoado. Já não gastas energias em coisas desnecessárias, já não sentes a tua vida caótica e existe uma sensação de presença e calma interna. É uma incrível sensação que salta à vista e que os que vão a retiros de silêncio confirmam.

Quem sou eu? A pergunta chave
Um retiro de silêncio é uma prática disciplinada onde um grupo de pessoas se une pelos mesmos objetivos: redescoberta interior, encontrar paz de espírito, parar a eterna flutuação da mente, despertar a aspiração espiritual. Qualquer que seja o propósito, um retiro de silêncio tem sempre impactos profundamente benéficos na tua vida e na relação contigo próprio.
Ter a experiência de participar num retiro de silêncio vai mudar a conceção que temos sobre nós próprios e, consequentemente, sobre o mundo. Num retiro de silêncio podemos sentir o despertar de algo muito profundo dentro de nós, podemos explorar o nosso universo interior, descobrir a sua magia e desvendar os mistérios do coração.
Mas (e este “mas” é deveras importante) tens que sentir o chamamento dentro de ti, “fazer a escolha de estar lá presente”, reforça a professora de yoga. Quem vai para um retiro de silêncio com as maiores das aspirações, sentirá que “as dificuldades iniciais se sentem com menos intensidade, e são mais fáceis de transcender. Claro que há sempre pensamentos e uma certa agitação mental, a mente intervém, mas o retiro é exatamente um treino para conseguires encontrar o teu lugar, naquele momento presente”.
Tens de ter um desejo imenso de deixar tudo para trás e ficar em silêncio.

Neste período de silêncio estás apenas contigo mesmo. É por isso que é desafiante: “identificas-te com o teu nome, a tua profissão, o teu trabalho, as tuas responsabilidades… e isso gera o centro da tua vida. Isso és tu.”
É exatamente esta perceção que fica virada do avesso quando fazes um retiro de silêncio, porque nada do exterior está agora acessível. “É como se te tirassem o GPS da tua vida, num dia estás ativo e em contacto com o exterior, no dia a seguir estás em silêncio, sem comunicações.”
E aqui entra a questão: se removes isso da tua vida, e se percebes que não és isso tudo, então... quem és tu? No silêncio interior, quem és tu verdadeiramente? Esta é uma das questões fundamentais que podem ser respondidas durante um retiro de silêncio.
É como se te tirassem o GPS da tua vida, num dia estás ativo e em contacto com o exterior, no dia a seguir estás em silêncio, sem comunicações.
Uma prática de disciplina e contemplação interior
Durante um retiro de silêncio, o não falar estende-se à não comunicação: é aconselhado não haver qualquer tipo de comunicação, verbal ou não-verbal, e sem contacto visual.
Geralmente os espaços escolhidos para a realização de retiros de silêncio são centros na natureza, mosteiros ou locais afastados da algazarra das grandes cidades. Um espaço tranquilo é mais propício à auto-exploração e à introspeção. Os retiros podem variar de duração, indo de um dia a várias semanas, dependendo do grau de dificuldade e do programa específico do retiro.
Não é precisos sermos ávidos praticantes de yoga, meditação, ou estarmos num caminho espiritual para termos uma experiência destas – basta apenas sentir a chama da aspiração dentro de nós, aquela vozinha que nos diz que quer dar esse passo.

O silêncio é a observação consciente de algo precioso dentro de nós
Avita conta como os retiros de silêncio trazem mais atenção e clareza à nossa vida: “foi muito significativo sair do registo em que estás diariamente a falar, comunicar e a verbalizar pensamentos e ideias, para um registo onde não tens essa componente. Ficas mais atenta a tudo o que se passa dentro de ti. Não verbalizas mas os pensamentos continuam lá, as emoções continuam lá, e as tendências também.”
Dá-se uma volta de 180º quando quebramos com todas as comunicações e ficamos em silêncio. A nossa mente não está à espera e tenta pregar-nos partidas mas ainda assim “é enriquecedor porque o silêncio te ajuda a aproximares de ti própria, e aí tens uma maior capacidade para te abraçar, para teres compaixão contigo, e para te ancorares” no momento presente.
A chave da calma da Avita é trazer o silêncio cá para fora, para a vida fora dos retiros. Confessa que essa era uma das suas preocupações, que “não queria perder aquele estado, não queria que o retiro acabasse”. E foi quando teve uma revelação: “o retiro não acaba desde que eu o mantenha ancorado em mim e no meu estado interior."
Quando o retiro acabar, o silêncio interior que se despertou dentro de ti pode permanecer e ser uma constante na tua vida – e é algo que te trará uma paz inigualável. Quando isso se consegue, vives de “forma muito mais plena”, “consegues expandir e ir para o exterior a partir desse novo centro” , partilha com um sorriso de indenidade no rosto.

O valor do silêncio para quem já o encontrou
Com um vasto conhecimento sobre espiritualidade e esoterismo, Nour Portale, de 45 anos, partilha a sua visão sobre a prática ancestral do silêncio, o que, na espiritualidade oriental hindu, se denomina mauna, em sânscrito. Uma vez por semana, não proferia nenhuma palavra durante 24 horas: fazia as suas atividades diárias, não deixava as suas obrigações profissionais de fora, mas mantinha-se sempre em mauna.
Natural de Sicília, vive em Berlim há mais de 10 anos e ensina yoga, tantra e meditação na escola Die Deutsche Akademie für traditionelles Yoga (Academia Alemã do Yoga Tradicional) desde 2007. Relembra o início da sua prática espiritual em 2003, com a descoberta do Tai Chi, uma arte marcial chinesa, e Qigong. Confessa-nos que descobriu "um caminho espiritual autêntico" e que continua "a caminhá-lo o melhor possível”. A conversar, e em silêncio.
Nour já participou em diversos retiros, individuais e em grupo, na serenidade da natureza, longe do caos e barulho das cidades. Conta que os retiros em que participou se revelaram surpreendentemente fáceis "e sob um certo ponto de vista, foi fácil não interagir com ninguém” durante o retiro.

Sem espelhos e em silêncio
Nos retiros de silêncio em que participou, os espelhos eram removidos das casas de banho porque “facilita a interiorização, de te virares para dentro de ti e permaneceres lá”. Quando olhas ao espelho identificas-te com o que vês, com a tua cara e com o teu corpo, e exteriorizas uma conexão com a tua identidade.
Esta identificação desvia-te do foco central e da ideia do retiro de silêncio, que é exatamente “desapegares-te de todas as tuas formas exteriores que estão, de acordo com a disciplina do yoga, conectadas com a mente inferior”.
O professor de yoga relembra o quão interessante foi viver a experiência sem espelhos: não vês a tua cara durante 10 dias, estás em silêncio o tempo todo, sem telefones ou comunicações, praticas meditação e outras práticas várias horas por dia. O processo é gradual mas visível, e real: desconectas-te do mundo exterior, “desidentificas-te com nomes e formas, e tens todas as condições necessárias para “esquecer” o mundo da ilusão, olhar para dentro e explorar o teu mundo interior”.
Para ele, retiros de silêncio que envolvem longas horas de meditação (8 a 9 horas) possibilitam a capacidade de entrar em estados meditativos muito mais rápido. A mente silencia-se, perde gás. Deixamos de ouvir o burburinho constante na nossa cabeça e isto abre portas para um “estado de silêncio e de paz interna”. Algo que Nour nunca tinha conseguido alcançar até ao dia em que participou num retiro de silêncio.

“A mente não é nossa inimiga”
Há quem viva uma vida em busca pelo verdadeiro significado da vida e felicidade permanente. Padma Das conta que essa busca é, na verdade, um percurso espiritual, que “começa a partir do momento em que nascemos”. Formado em engenharia biomédica e atualmente professor de Atma Kriya Yoga, na escola de yoga Bhakti Marga, o lisboeta de 33 anos começou a praticar yoga e meditação em 2014 na Natha - Escola de Yoga e Tantra.
Foi nesse ano que começou a sentir que “procurava algo mais”, algo que “todos nós procuramos, através das nossas relações, através do nossos trabalhos, conquistas. Uma busca inconsciente por esse amor, por esse preenchimento e por essa felicidade”.
Procurava algo mais (...)Todos nós procuramos, através das nossas relações, através do nossos trabalhos, conquistas.
Padma Das teve a experiência de fazer um retiro de vipassana – uma das técnicas de meditação indianas mais ancestrais – e relembra o impacto que teve na sua vida. “Foi transformador” ao ver como o retiro se desdobrou, onde inicialmente era uma “loucura, sentado em silêncio e com a mente a divagar para trás e para a frente” até se aperceber, à medida que o tempo passava, que “tu não és a tua mente”.

Para o professor de Atma Kriya Yoga existem duas vias de auto-conhecimento: a via através das relações externas, e de como elas refletem em nós aquilo que podemos transformar, e a via do silêncio. “Ao estarmos em silêncio tomamos consciência dos nossos pensamentos e podemos posicionarmo-nos como o observador e perceber que a nossa mente funciona por si só.”
Os humanos estão, de forma inconsciente, sempre à procura de algo no exterior, mas que é na realidade uma “busca que não tem nada a ver com o exterior, mas sim com o interior”. Tal como Nour sentiu quando lhe retiraram os espelhos.
Mas afinal de contas, do que estamos à procura? Padma Das responde, com um carisma ímpar: “todos nós procuramos alguma coisa, um significado para a vida, uma felicidade, uma felicidade não tem nada a ver com o exterior e que é algo que temos de encontrar interiormente, e eu acredito que isso começa com uma mente calma”. É disto que se trata, ao fim ao cabo, uma jornada espiritual autêntica: “tu transcenderes a tua falsa identidade [as histórias que a mente te conta sobre ti próprio] e desapegares-te do que a tua mente produz”.
Para Padma Das, um retiro de silêncio é, na realidade, uma ajuda no processo de “começares a perceber o caos que está cá dentro [da tua mente]” e que esse caos não é quem tu és – e que podes, assim, “descobrir mais sobre quem tu és, sobre quem é esse observador”. É, sem dúvida, uma oportunidade para se “ser mais feliz, ter mais qualidade de vida” e concluir que a genuína felicidade não vem do exterior, mas do interior.
Redescoberta interior
Os olhos de Blandine Wegener brilham quando ela fala de Deus e da sua ligação com um mundo espiritual. Nascida na Alemanha comunista, começou a ir a fundo na sua prática espiritual quando percebeu que tinha um desejo insaciável pelo silêncio, que era o que a sua alma gritava. Um desejo e necessidade de estar em silêncio, “de estares presente sem fazer nada”, refere, com um sorriso bonito no rosto. E aí deu-se o clique. Percebeu que o silêncio a assustava. Que uma parte dela queria fugir do silêncio, e a outra parte queria ir em direção a ele.

Começou por dar pequenos passeios em silêncio a observar a natureza. A tentar encontrar um à vontade com o silêncio. E, devagarinho, ambientou-se e ganhou-lhe o gosto. Foi um momento de mudança de vida quando começou a praticar mauna semanalmente e descobriu que a relação consigo mesma começou a ser rescrita, que “quando te sentas em silêncio e não tens para onde ir, tens de te redescobrir, fazer as pazes contigo mesma, destapar as camadas de emoções que estão guardadas dentro de ti e que têm de sair, mais cedo ou mais tarde”.
Blandine é psicóloga e professora de yoga, tantra e meditação. É a co-fundadora da escola Mahasiddha Yoga, em Chiang Mai, Tailândia. Começou a praticar yoga há 23 anos e hoje não consegue viver sem ele. Sem o silêncio que o yoga lhe traz. A escola Mahasiddha Yoga tem retiros de silêncio anuais, e o próximo será de 29 de dezembro de 2023 a 6 de janeiro de 2024. Um retiro para entrar no novo ano nas profundezas do silêncio e na descoberta da verdadeira essência humana.
A professora recorda, com alegria, as mudanças que vê nos alunos que experimentam retiros de silêncio: “é uma verdadeira mudança de vida, as pessoas não fazem ideia. Eles ficam sempre muito surpreendidos e admirados na transformação que se deu dentro deles durante o retiro, e na diferença que sentem interiormente quando o retiro acabou, do antes e do depois de como eram”.

Para poder comentar deves entrar na tua conta