O idealista/news visitou o atelier NOARQ, em Trofa. Um projeto que nasce de "uma vontade de fazer e pensar com as mãos”.
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Pedro Gois (Colaborador do idealista news) ,
Joana Malaquias (Colaborador do idealista news)

Perdeu-se uma grande estrela do rock, mas ganhou-se um arquiteto premiado. José Carlos Nunes de Oliveira integrou a equipa de Álvaro Siza Vieira entre 2000 e 2021, onde foi responsável por diferentes projetos e obras, parte deles em colaboração com o arquiteto Eduardo Souto Moura.

“É urgente também ver o papel do arquiteto nestas questões que têm a ver com o ambiente, com ecologia, com a sustentabilidade, que começa logo pela sustentabilidade económica”, explica em entrevista ao idealista/news para a rubrica “Em casa do arquiteto”, destacando a durabilidade dos materiais como sendo preponderante neste tema.

O seu atelier NOARQ, fundado em 2001, está localizado em Trofa, - cidade com quem o arquiteto construiu uma relação muito próxima -, mas ainda mantém presença no Porto. “NOARQ é o nome de uma vontade de fazer e pensar com as mãos”, afirma José Carlos Nunes de Oliveira, que assume a arquitetura como aquilo que lhe ocupa “todas as horas de trabalho e todas as horas extra”.

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A arquitetura é valorizada em Portugal?

Sente-se uma valorização do papel do arquiteto, especialmente desde o fenómeno da Expo98 em Portugal. Creio que já tinha começado com o Centro Cultural de Belém, com o arquiteto Siza na reconstrução do Chiado, e na Torres das Amoreiras. Estes temas e polémicas foram, aos poucos, revelando o interesse da arquitetura, a construção do território, e o impacto na paisagem, em particular. A partir da Expo98, os arquitetos têm vindo a ganhar importância no dia a dia das pessoas e a perceção que a sua profissão é do interesse da população na generalidade.

Mas acho que continua a haver uma grande distância entre aquilo que é o entendimento da arquitetura por parte dos populares e, digamos, dos técnicos de arquitetura.

É uma comunidade muito fechada, muitas vezes intelectualizada, a desenhar uns para os outros, a desenhar para as próprias revistas, para os críticos, para os académicos, divorciados daquilo que é a transmissão desse conhecimento.

Depois, há uma série de agentes que poderiam pegar nestes temas, que são importantes para a definição das cidades e do território, e que não pegam. As câmaras municipais poderiam promover eventos culturais, exposições de arquitetura, debates sobre território, arquitetura, ordenamento, urbanismo.

Hoje, sinto que há uma instituição em Portugal que tem promovido a arquitetura, tornado isto mais visível para um público genérico, e convidado as pessoas a participarem, que é a Casa da Arquitetura em Matosinhos.

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Porque é que as pessoas continuam a olhar para a arquitetura como se fosse um papel de embrulho?

Ficou a ideia do papel dos arquitetos um pouco como os decoradores e qualquer coisa que se faz à posteriori. Isto está nos antípodas daquilo que deve ser o papel do arquiteto, que deve estar na base, como coordenador das estratégias ligadas ao habitar, aos espaços, aos equipamentos públicos, na definição de um território próprio. Existe um objeto a introduzir no território que tem impacto e sugere de imediato uma alteração na cidade ou na paisagem.

É urgente também ver o papel do arquiteto nestas questões que têm a ver com o ambiente, com ecologia, com a sustentabilidade, que começa logo pela sustentabilidade económica.

Todos nós que atuamos em arquitetura temos que perceber que todas as soluções construtivas têm uma longevidade.

Se a construção tem um tempo de vida de 50 anos isso quer dizer que a partir daquela altura, vamos ter que fazer demolições. O que é que vamos fazer aos resíduos, como é que vamos tratar esses resíduos? Onde é que eles vão ser separados, reciclados? Era bom que fizéssemos esse exercício.

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Com os meus alunos e nas minhas conferências dou muitas vezes num caso icónico que é o Panteão Romano, em Roma. Temos um edifício, a funcionar perfeitamente, com dois mil anos, absolutamente belíssimo, muito bem construído, em betão, um daqueles materiais muitas vezes polémico. Em dois mil anos, a pegada desfaz-se. Se fizéssemos hoje um edifício de betão pensando que ele poderia durar dois mil anos, isso seria bestial, porque íamos tendo cidades configuradas do ponto de vista estrutural.

No percurso do atelier existem projetos que tenham sido mais marcantes nesta sua visão da arquitetura?

Lembro-me, há uns anos, de uma casinha que fizemos para um casal. Era um projeto que não tinha muito para oferecer nem em termos de honorários, nem em termos de visibilidade, porque era apenas uma casinha e além disso, tinha que ser uma casinha muito pequena. Foi um caso paradigmático, até do ponto de vista da própria encomenda, porque nunca mais nos apareceu alguém tão empenhado como eles há em querer verdadeiramente um objeto de arquitetura. Mas em que nós dissemos justamente isso – “eu gostava que isto fosse tudo verdade”.

O que nós vamos desenhar a partir daqui, desta encomenda? Fizemos uma casa que tinha pavimentos e paredes em betão, tinha depois necessariamente a sua proteção exterior bastante banal, com isolamento térmico, com o reboco e pintura, para defende a climatização da casa de uma forma passiva. Depois dissemos que íamos gastar algum dinheiro nos vidros, porque os vidros é um elemento estruturante dessa sustentabilidade energética da casa. Tentamos sempre que os vidros funcionem como uma moldura para o interior da casa e que esta relação com o exterior seja tão evidente quanto possível.

 

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Também o edifício dos Paços do Concelho da Trofa, é integralmente em betão, a sua aparência em betão pelo interior, e no exterior fizemos uma parede autoportante em tijolo, mais uma vez aqueles dois materiais que falava no caso do Panteão. Com estes materiais, o Estado, que é o investidor, fica defendido do desgaste do edifício com o passar do tempo, a agressão é muito mais difícil.

O papel de embrulho, os vestidos degradam-se mais facilmente. Não é aquilo que fica depois, toda uma vida não é aquilo que são os achados. Na realidade são os ossos. Portanto, se nós conseguirmos fazer uma arquitetura esquelética, em que dependemos do osso diretamente e não propriamente dos órgãos e dos revestimentos da pele, prolongamos mais a vida do edifício.

Como a arquitetura surgiu na sua vida?

Eu tive uma infância em que gostava da arquitetura, brincava muito com “Lego”, com construções. Lembro-me do tempo que dedicava às construções para brincar com os carrinhos. Depois houve um período de vida, até à faculdade, em que andei, completamente divergente, até uma professora ter chamado a atenção aos meus pais, que foram chamados à escola: “Ele não faz nada em química, passa a vida a desenhar nos cadernos e nos livros. Ele vai captando enquanto desenha, mas claramente acho que não devia estar aqui.”

No 12º ano, candidatei-me a cursos que estivessem relacionados com o desenho, mas devo dizer que, naquela altura, não tinha grandes convicções. Em casa tinha quem me puxasse para a engenharia, e a minha mãe, que era mais das artes, puxava mais para arquitetura, e seria um campo eventualmente mais fácil para depois ir à procura das devidas sensibilidades. Acabei por ir para arquitetura.

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Nesta altura, tinha uma banda rock, tocávamos em bares ao fim de semana. Nos primeiros anos, confesso, não fui muito dedicado à arquitetura. Não sendo brilhante, era mais ou menos fácil, cumpria as tarefas da faculdade em conjunto com os ensaios.

A partir daí, realmente dediquei-me ao curso porque fui descobrindo. Eu era muito ignorante sobre isto dos arquitetos, da história das artes, porque tinha passado o liceu sem estas coisas. Tive que fazer um esforço suplementar para recuperar a cultura necessária ligada à arquitetura, ligada às artes. A partir daí foi um percurso em crescendo, o interesse e a paixão por aquilo que ia aprendendo e fazendo.

Ainda hoje não sei se era exatamente isto que eu tinha que ser, mas é aquilo que eu aprendi a ser, e gosto muito daquilo que faço. Trabalho nisto todas as horas de trabalho e todas as horas extra. Acaba por ser a única atividade que efetivamente tenho, atualmente não tenho nenhum contacto com a música.

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