
A inflação é como uma moeda, tem duas faces: se, por um lado, reduz o poder de compra das famílias, por outro, aumenta os lucros de várias empresas, inseridas no setor da energia, por exemplo. E, por isso, o primeiro-ministro anunciou esta quarta-feira, dia 26 de outubro, que o Governo irá apresentar uma proposta de lei para a tributação de lucros inesperados, que também irá incluir o setor da distribuição, além das energéticas.
A ideia passa por aplicar taxas extras a um conjunto de empresas que estão a lucrar mais pela inflação. "É para aplicar aos lucros de 2022, e não aos lucros de 2023, a proposta de lei que vamos apresentar para a tributação de lucros não esperados do conjunto das empresas, que não são só do setor energético, mas são também o setor da distribuição que devem pagar aqueles lucros que estão a ter injustificadamente por via desta crise de inflação", explicou António Costa.
O primeiro-ministro salientou que, "mal termine este debate orçamental", espera que a Assembleia da República "tenha disponibilidade para discutir a proposta de lei" do Governo para tributar os lucros inesperados das empresas. E frisou ainda que espera que a proposta de lei do Governo possa “contar com o voto do PCP”.

Governo “fez uma clara opção pelos interesses dos grupos económicos”, acusa PCP
O anunciou de incluir as empresas de distribuição na proposta de lei que vai trazer mais impostos às empresas foi feito depois de o PCP ter acusado o Executivo de favorecer os grupos económicos. Foi no debate da generalidade do Orçamento do Estado para 2023 (OE023) que o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, considerou que, na sua proposta orçamental, o Governo “fez uma clara opção pelos interesses dos grupos económicos”.
“Perante a escalada inflacionista e o aumento especulativo dos preços pelos grupos económicos, seja em bens alimentares, seja nos combustíveis, seja na eletricidade, seja no gás, o Governo continua a recusar controlar os preços e as margens, permitindo a esses grupos económicos que continuem a acumular lucros chorudos à custa do empobrecimento do povo”, acusou.
Jerónimo de Sousa afirmou que “os preços sobem, e sobem muito, atingindo os trabalhadores, reformados e as populações”, enquanto, ao mesmo tempo, “sobem, e sobem bem, muitos dos lucros dos grupos económicos e multinacionais”. “Afinal, alguém ganha com isto. Alguém está a enganar alguém. Não se venha com a retórica de que não há dinheiro para salários: Há, está é mal distribuído”, afirmou.
Dirigindo-se a António Costa, o secretário-geral do PCP perguntou assim se o Governo “vai continuar a comprometer o futuro e a permitir que sejam os trabalhadores e o povo a pagar a especulação” e a “gula dos lucros dos grupos económicos”, ou vai ter “coragem e audácia política para os confrontar e fazer uma valorização das condições de vida do povo”.

Tributação de lucros inesperados na distribuição “não faz sentido”, diz APED
A Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) disse ter ficado “surpresa” com o anúncio do primeiro-ministro, António Costa, no parlamento de que o setor da distribuição estará incluído na proposta para tributação de lucros inesperados, defendendo que “não faz sentido”.
“Ficamos surpresos, até porque não sabemos o que é que o primeiro-ministro quer dizer com lucros inesperados. Sejamos sérios, julgo que todos queremos empresas sólidas a criar emprego, valor e bons resultados precisamente para continuar a apoiar a economia”, indicou Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED, em declarações à Lusa.
Segundo o dirigente associativo, o primeiro-ministro “referiu-se especificamente à distribuição alimentar” e, portanto, o setor está “um bocadinho na expectativa de perceber como é que se vai concretizar e o que é que Governo tem em mente porque a verdade é esta: o retalho alimentar é um negócio de margens muito baixas, na ordem dos 2% a 3%”, destacou.
“O que temos assistido nos últimos tempos é a um crescimento dos preços por via da inflação e do aumento dos custos dos fatores de produção”, referiu Gonçalo Lobo Xavier, citando um estudo recente “que explicou que, as empresas em geral, mas o retalho em particular, não têm estado a passar para o cliente final o aumento dos custos dos fatores de produção na mesma proporção do seu crescimento”.
"Empresas de distribuição estão a aguentar o aumento dos fatores dos custos de produção e não estão a passar para o cliente”, para que “isto não tenha impacto no produto final”, defendeu líder da APED
“Com os aumentos na energia, combustíveis fosseis, em toda a cadeia de valor, é evidente que estamos com uma grande pressão em toda a cadeia”, explicou, destacando que “num país que tem uma das maiores cargas fiscais na Europa, que já tributa os lucros da empresas acima de um valor com a chamada derrama estadual, que já onera os resultados das empresas, temos alguma perplexidade em ver que o primeiro-ministro, num debate na Assembleia da República, anuncia algo sobre o qual nunca falou com o setor e que de alguma forma denota desconhecimento sobre a realidade”.
De acordo com o responsável, “não há nenhum país da União Europeia com ‘windfall tax’ para a distribuição”.
“Muito se tem falado, mas a verdade é que a acontecer, e não sei em que moldes, seria uma novidade no seio da União Europeia. Temos muita dificuldade em perceber o que esta por trás desta ideia e aguardamos serenamente [saber] a forma como o Governo estará a pensar nisto”, explicou.
“Mas para nós é uma grande surpresa e não faz sentido falar em resultados extraordinários, porque não houve nada de extraordinário que tenha ajudado a estes resultados das empresas”, garantiu.
*Com Lusa
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