A expressão “revenge bedtime procrastination” ganhou força na pandemia. E tem efeitos graves na saúde, nas relações e no trabalho.
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adiar a hora de dormir
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Quantas vezes damos por nós a dizer que o dia devería ter 48 horas? E que nunca temos tempo para nada? Mas a realidade é que, apesar de muitos malabarismos para fazer esticar o tempo, das 24 horas o dia não passa. Entre os compromissos profissionais, tarefas domésticas, logísticas familiares e necessidades pessoais, é nas horas de sono que muitos encontram o momento de relaxar, privando-se do tempo de descanso. E a pandemia veio agudizar este fenómeno de procrastinar a hora de ir dormir.

A expressão “revenge bedtime procrastination” antecede a chegada da Covid-19, mas o teletrabalho e a falta de vida social deram-lhe um peso mais robusto, segundo relata o Público, dando nota de que as pessoas que mais resistem ao sono são as que menos tempo para o lazer conseguem arranjar durante o dia, devido a grandes sobrecargas de trabalho. Divertem-se (ou tentam divertir-se) durante a madrugada — apesar de saberem do mal que estão a fazer à saúde. Daí o recurso à palavra “revenge”, que quer dizer “vingança”.

Procrastinar a hora de ir dormir
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E muitos são os relatos de pessoas que acordam e deitam-se a pensar no trabalho, sem conseguir desligar e descansar o suficiente. Um exemplo disto mesmo é o de Catarina, 26 anos e recém entrada no mercado laboral. Citada pelo jornal, descreve um dia útil “normal”: “Trabalho das 15h às 22h, pelo que costumo chegar a casa às 22h40. Depois de conversar com os meus pais e ligar à minha namorada, que está no Brasil, aqueço a comida. Faço o meu prato às 0h30, como se fossem 21h, e, depois da ‘janta’, fico a ver filmes e séries até às 4h. Há noites em que estou exausta e preciso de acordar um bocado mais cedo na manhã seguinte, mas não costumo desligar antes dessa hora. Apesar da fadiga, vou adiando o momento de ir para a cama porque sei que a madrugada é a única parte do dia em que não preciso de estar a pensar em trabalho.”

“Precisava que tivesse 25, 26, 27 horas. Parece que o tempo é sempre insuficiente — e a única coisa que consigo sacrificar é o sono. Não posso sacrificar o trabalho, da mesma forma que, quando estava a tirar a licenciatura, não podia sacrificar os estudos”, comenta um jovem enfermeiro português que trabalha no estrangeiro, também citado pelo Público.

O efeito dos ecrãs no sono

A organização sem fins lucrativos National Sleep Foundation explica que há quem adie o ato de se deitar e quem, já deitado, adie o ato de tentar adormecer. Nestes casos, tal como esclarece Teresa Rebelo Pinto, psicóloga do sono referida pelo diário, cabem, por exemplo, todos aqueles que usam o telemóvel na cama, transmitindo ao cérebro “uma ideia contraditória”: “A pessoa já se deitou, mas faz coisas que não são condizentes com o sono.”

revenge bedtime procrastination
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A privação de sono, sublinha a National Sleep Foundation, pode contribuir para a irritabilidade o aparecimento de sintomas depressivos, bem como tornar as pessoas “mais suscetíveis a problemas cardiovasculares e doenças como diabetes”. A falta de repouso pode ainda “erodir o sistema imunitário” e “reduzir a eficácia de vacinas”, o que, repara a organização sem fins lucrativos, é “especialmente preocupante” no actual cenário pandémico.

O problema da procrastinação, alerta a National Sleep Foundation, é complexo no sentido em que o indivíduo costuma saber que o fato de estar a sacrificar as suas horas de sono pode ter consequências negativas. Este problema parece ter em estudantes e mulheres as suas principais vítimas.

Como combater a resistência a dormir e melhorar a qualidade do sono

  • Manter uma hora consistente para dormir e acordar — mesmo em dias de descanso;
  • Evitar bebidas alcoólicas ou cafeína de noite;
  • Evitar o contacto com ecrãs pelo menos meia hora antes de ir para a cama;
  • Ler um livro, meditar ou fazer alongamentos antes de dormir.

Na óptica de Teresa Rebelo Pinto, cada caso individual de resistência ao sono implica uma abordagem específica do ponto de vista terapêutico. “Este adiamento consecutivo da hora de ir para a cama tem a ver com o quê? O indivíduo tem dificuldade em estabelecer os seus próprios limites? Há procrastinação noutras áreas da sua vida?”

Horas de sono para lazer
Foto de Miriam Alonso en Pexels

“O equilíbrio que me parece ideal é o seguinte: oito horas de ocupações, oito de lazer e oito de sono. Há quem possa dormir mais — assim como há quem tenha de trabalhar mais —, mas este equilíbrio tem de existir”, defende a psicóloga, argumentando que cada um deve “respeitar os seus limites”. “Há quem ache que desliga só quando pode, só quando o emprego ou a sociedade deixam. Trabalho com algumas empresas e tenho pessoas que me dizem: ‘Pois, ter oito horas de lazer seria excelente se eu não recebesse e-mails à meia-noite.’ Por norma, respondo: ‘Eu posso muito bem não abrir e-mails à meia-noite. Posso abri-los na manhã seguinte.’ As horas de trabalho serão sempre tão mais produtivas quanto mais protegidas forem as horas de descanso.”

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