A Casais é uma das poucas construtoras lusas que venceu a crise. Opera hoje em 17 países e o CEO diz que agora o desafio "é a disrupção que irá acontecer na indústria".
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"Vamos assistir na construção a alterações muito parecidas às que a Apple introduziu na tecnologia ou a Airbnb no turismo"
António Carlos Rodrigues, CEO do grupo. Casais

Com 60 anos de vida, o Grupo Casais tem uma história de altos e baixos para contar, chegando a 2020 com um negócio forte e a crescer, tendo superado com êxito, por exemplo, a crise que na última década fez cair tantas outras construtoras portuguesas. O segredo para vencer? Os mercados externos (hoje está presente em 17 países) e, sobretudo, transformar-se "numa empresa de gestão de pessoas", tal como explica o CEO, António Carlos Rodrigues, em entrevista ao idealista/news.

"Esta é alavanca que nos permite a aposta na internacionalização e não ter abandonado mercados em momentos menos positivos", afirma o gestor, indicando que agora o desafio passa por saber preparar-se para a "disrupção que irá acontecer na nossa indústria". Para isso, o grupo que emprega 4.500 pessoas de 23 nacionalidades tem estado, nos últimos dois anos, "a fazer as adaptações necessárias para preparar o negócio para um mundo mais interconectado que exige mais produtividade, trabalho colaborativo e sustentabilidade", revelando algumas das novidades na entrevista. 

Aos decisores políticos do país e à administração pública, António Carlos Rodrigues deixa um aviso: "Precisamos de mais consistência do planeamento e na execução e ela tem de ser cada vez mais estratégica e imune aos ciclos políticos", dando como exemplo o que está a fazer a Noruega.

Que balanço faz da atividade em 2019?

Considerando valores agregados registámos, em 2019, um crescimento de 8% face a 2018, com um volume de negócios de 514 milhões de euros. Estamos presentes em 17 mercados e cada um cresce ou decresce de acordo com o seu ciclo de económico, político ou social. Em 2019, felizmente os fatores positivos foram maiores e, no acumulado, conseguimos crescer, sendo que os mercados internacionais foram responsáveis por 74% da faturação.

Qual das áreas de negócio é atualmente mais rentável e de maior aposta para o grupo? E o contrário? Porquê?

Não podemos fazer a distinção por mais ou menos rentáveis, porque todas fazem parte de um ecossistema e o suporte de umas unidades traduz-se em rentabilidade de outras. Sendo o investimento privado e público muito sujeito a ciclos económicos, temos de fazer constantes ajustes nas “apostas” para adequar a nossa oferta à procura.

Quem são os clientes e a concorrência da Casais?

Os clientes da Casais são todos os que precisam de uma empresa de construção que fornece soluções. Não consideramos as outras empresas como concorrentes. A concorrência são as contrações de mercado, que suprimem oportunidades de trabalho para todas as empresas.

Estamos em 17 países, sendo que os mercados internacionais foram responsáveis por 74% da faturação em 2019. O peso externo é maior, porque a dimensão do mercado português é demasiado pequena para uma empresa de construção. A atividade internacional é indispensável para a especialização.

A internacionalização tem sido uma aposta do grupo. Quais são hoje os mais relevantes?

Todos são importantes. Em alguns podemos ter mais volume e mais trabalho, noutros podemos ter menos volume, mas aprendemos mais. Em alguns formamos mais trabalhadores e depois damos-lhes oportunidades de percurso noutros países. Dentro do grupo temos hoje 4.500 colaboradores de cerca de 23 nacionalidades, vários idiomas, mas apenas uma cultura.

Temem os efeitos do Luanda Leaks (e todo o processo à volta)? Como perspetivam a vossa atividade no mercado angolano?

Os efeitos mais negativos e perversos são os de associação a acontecimentos negativos que nada têm a ver com a nossa empresa. A nossa presença em Angola prima por ser de uma forma muito positiva. Desde há 20 anos que fazemos muitos investimentos na indústria, e temos apostado muito na qualificação e formação de todos os nacionais naquele mercado.

Sempre que saem estas notícias fica a imagem que todas as empresas que trabalham naquela região são empresas que cometem ilegalidades. Está muito longe de ser assim, mas infelizmente não vemos as coisas positivas a serem passadas. 

Para que fique claro, a Casais e muitas das nossas empresas de construção presentes em África estão a preencher uma missão das mais nobres que existe: Estamos a ajudar a criar condições para que aquela sociedade progrida e tenha acesso a tudo que em Portugal já damos como adquirido: água, energia, acesso a serviços de saúde, educação e o conforto de uma casa.

Os efeitos mais negativos e perversos do Luanda Leaks são os de associação a acontecimentos negativos que nada têm a ver com a empresa. A nossa presença em Angola prima por ser muito positiva. Desde há 20 anos que fazemos muitos investimentos na indústria.

O que explica o peso bastante superior dos mercados internacionais face ao nacional, no caso da Casais? Qual a quota de mercado em Portugal?

Portugal representa 30%. O peso do mercado internacional é maior, porque a dimensão do nosso mercado é demasiado pequena para uma empresa de construção. Sem mercados internacionais já teríamos perdido, por exemplo, a competência de fazer hospitais. Portugal (e qualquer outro país relativamente pequeno) não consegue assegurar continuidade de trabalho em todas as áreas de especialização. Por isso, a ter atividade internacional é indispensável.

Nos últimos anos, várias construtoras portuguesas colapsaram ou estiveram perto disso. Como é que a Casais sobreviveu a este fenómeno?

Olhando para trás, considero que a Casais ultrapassou a crise, porque deixou de ser uma empresa de construção e passou a ser uma empresa de gestão de pessoas. Hoje temos 4.500 trabalhadores, mas quando passamos a fasquia de 1.500 passámos a ser uma empresa que constrói pessoas e são as pessoas que constroem as obras. Nós construímos líderes em todas as funções e isso é que nos permitiu ultrapassar a crise.

É essa a alavanca que nos permite a aposta na internacionalização e não ter abandonado mercados em momentos menos positivos. Seja o nosso próprio mercado, sejam outros, que já tiveram altos e baixos. Reconhecemos que esses momentos fazem parte do negócio e ajustamos o nosso modelo de trabalho a essa realidade.

Tivemos de vender muitos ativos no momento mais profundo da crise, mas provámos que somos uma organização que existe para criar valor para todos os 'stakeholders' e todos nos apoiaram.

Como financiam o vosso negócio?

Todo o valor que criámos em 60 anos está na própria empresa. Por isso, mantivemos sempre a empresa capitalizada com os ativos e valor que fomos criando. Tivemos de vender muitos ativos no momento mais profundo da crise, mas provámos que somos uma organização que existe para criar valor para todos os 'stakeholders' e todos nos apoiaram. Temos um imenso espírito de parceria bem visível nas empresas que investiram em conjunto connosco, desde há muitos anos. Estamos sempre a investir com o retorno que criamos.

A mensagem da administração frisa o forte peso familiar no grupo. Já consideraram abrir o grupo a outros investidores fora da família e porquê?

Temos uma cultura na família que está presente na empresa. Achamos que os valores e a cultura que mantêm unida uma família são os mesmos que ajudam a manter uma empresa. Temos muitas parcerias em empresas e unidades com outros sócios. Vamos continuar a privilegiar esse tipo de parcerias. 

Ao longo dos vossos 60 anos, destacam vários momentos da história (como por exemplo 1994 e 2008). Agora em 2020 qual é o desafio? 

O desafio é a disrupção que irá acontecer na nossa indústria. Por demasiado tempo ela manteve-se isolada, mas não será mais assim. Vamos assistir a alterações muito parecidas com aquelas que a Amazon introduziu na Logística, a Apple nos telemóveis e na Música, a booking, Airbnb na Hotelaria e a Uber na mobilidade.

Nos últimos dois anos, temos estado a fazer as adaptações necessárias para preparar o negócio para um mundo mais interconectado que exige mais produtividade, trabalho colaborativo e sustentabilidade. Daqui resultou a BluFab, que é a nossa nova empresa dedicada ao fabrico offsite. E, muito em breve, anunciaremos também a nossa nova aposta para construção sustentável com recurso a um sistema construtivo, que permite reduzir a pegada de CO2 para 1/5 ao mesmo tempo que aumentamos a produtividade.

Nos últimos dois anos, temos estado a fazer as adaptações necessárias para preparar o negócio para um mundo mais interconectado que exige mais produtividade, trabalho colaborativo e sustentabilidade.

Como avalia o mercado nacional de construção no momento atual? Vantagens, potencialidades de negócio e riscos.

Estamos num pico e todas súbitas alterações de legislação, os surtos de doença como o Coronavírus, afetam o nosso mercado nacional. A dimensão do nosso mercado não proporciona capacidade e tempo para ajustamento das nossas empresas. Isso deveria ser reconhecido pelos nossos decisores e eles próprios não deviam ser agentes de incremento da dificuldade de ajustamento, porque já chega que as empresas tenham de se capacitar a alterações de contexto externo que não conseguem dominar nem influenciar.

Que análise faz das medidas adotadas pelo Governo quanto ao imobiliário e construção?

São inconstantes, por vezes imprevisíveis e, muitas vezes, incompatíveis com o ciclo do negócio imobiliário, que é um negócio na sua génese de longo prazo, mas na realidade exposto a alterações de contexto cada vez mais de curto prazo. E infelizmente a organização central e local não apresenta a agilidade que este negócio precisa para aproveitar os ciclos de investimento que são cada vez mais curtos.

Na construção o problema é ainda pior, porque no privado estamos ao sabor desta montanha russa dos ciclos económicos e no segmento público tornou-se impossível prever e estruturar as empresas para responder às necessidades, que tanto são praticamente nulas, como a seguir estão acima da capacidade instalada.

A organização central e local não tem a agilidade que o negócio imobiliário precisa para aproveitar os ciclos de investimento, cada vez mais curtos. E na construção, o problema é ainda pior, porque no privado estamos ao sabor desta montanha russa de ciclos, e no público tornou-se impossível prever e estruturar as empresas para responder às necessidades. 

Como vê, por exemplo, os recentes casos da Ferrovia e do Metro?

Exatamente. Como pode uma empresa preparar-se para fazer obras quando a capacidade de planeamento falha na base? Quantas empresas foram preparadas para este ciclo de investimento e quantas se apetrecharam? Quantos cursos profissionais foram abertos para que fossem criadas as competências em falta?

Assisti em primeira mão como a Noruega se preparou para um ciclo de investimento de 20bi em estradas e vias de comunicação. Começou com a constatação estratégica de que tinham de transitar da queda do negócio do petróleo e que iriam ter muitos engenheiros do Oil e Gas desempregados daqui a uns anos.

Precisamos de mais consistência do planeamento e na execução e ela tem de ser cada vez mais estratégica e imune aos ciclos políticos.

Com esta constatação, iniciaram um processo de planeamento de execução de um investimento ambicioso em vias de comunicação. Criaram cursos de adaptação de engenheiros do Oil e Gas para a Construção Civil de pontes e viadutos. E como ainda assim os recursos não chegavam, vieram pela Europa procurar onde podiam encontrar mais engenheiros e técnicos para fazer face a esta sua necessidade.

Vejam quantos portugueses estavam há cinco anos atrás na Noruega e quantos estão a caminhar para aquele mercado. Precisamos de mais consistência do planeamento e na execução e ela tem de ser cada vez mais estratégica e imune aos ciclos políticos.

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