Hugo Santos Ferreira, vice-presidente executivo da APPII, sobre o futuro do imobiliário em Portugal nesta legislatura.
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Um novo ciclo político e económico está à vista, com o novo Governo do socialista António Costa. E decidimos antecipar o que aí vem no imobiliário. Para isso, quisemos saber o que pensam alguns dos principais intervenientes do setor sobre o novo Executivo, bem como o que gostariam que acontecesse na legislatura que agora arranca e aquilo que consideram que não pode avançar. Esta é visão de Hugo Santos Ferreira, vice-presidente executivo da Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII).

O que esperar de Portugal a nível do imobiliário e economia nos próximos anos, com o novo Governo?

Podemos dizer que encaramos o futuro com o otimismo e estamos confiantes, continuando a sentir por parte dos promotores e investidores imobiliários, nacionais e estrangeiros, muito interesse em continuar a investir no país. Porém, tememos que, com tanta imprevisibilidade e com um crescente intervencionismo e índice de políticas mais populistas, o investimento privado possa diminuir. 

Quanto a expetativas em concreto e tendo o novo Governo mantido a Secretaria de Estado da Habitação, esperamos que o tema imobiliário e o tema da habitação continuem a merecer a atenção dos poderes públicos, sendo certo que todo e qualquer esforço para resolver o problema da habitação e já agora do arrendamento habitacional em Portugal deve ser feito do lado da oferta e não do lado da procura

Ou seja, devem ser dadas as condições e bem assim as necessárias estabilidade e previsibilidade legislativa e fiscal a quem queira investir neste segmento – habitação, arrendamento, construção nova e reabilitação urbana – para que possa desenvolver os seus projetos.

Concretamente, continuamos a não ter um mercado de arrendamento habitacional de longo prazo sólido. Os investidores não têm sentido que as medidas constante do Pacote de Habitação em matéria de arrendamento lhes dê todas as garantias que precisam para avançar com novos projetos.

A generalidade das medidas apresentadas tenderá a “encolher” o já “encolhido” mercado do arrendamento, não se vislumbrando uma medida efetiva de incentivo à construção de novos projetos para arrendamento habitacional, sendo por demais evidente que nenhum proprietário ou nenhum investidor vai querer arriscar investir nesta atividade, que continuará a ser de altíssimo risco…

Continua a não existir um mercado de arrendamento adequado à procura, tanto em matéria de preço, localizações e tipologias. Facto este que pode ser, ampla e rapidamente, contrariado se tivermos em conta que existe hoje uma série de oportunidades que não devem se desperdiçadas: crescimento da procura de habitação por estrangeiros, para turismo ou para residência temporária; atração dos jovens e famílias pelos centros das cidades, invertendo a tendência das últimas décadas (contrariamente ao que se tem querido fazer passar junto da opinião pública), ao mesmo tempo que assistimos a um aumento da procura de habitações para arrendamento, invertendo também a tendência das últimas décadas. 

Que medidas gostariam de ver avançar e que riscos identificam?

O que ficou por fazer:

Desde logo, preocupa-nos de sobremaneira o aumento exponencial dos custos de contexto do setor da construção e imobiliário, com reflexos muito significativos no aumento dos preços e na escassez de oferta. Desde o grave problema da falta de mão de obra, passando pelos crescentes custos de todo o processo e principalmente tempos do licenciamento camarário, ou ainda pelo próprio aumento dos custos de construção, com especial preocupação para a enorme parcela que representa o IVA a 23% e não dedutível na construção em Portugal e em que o nosso país é caso isolado na Europa, terminando depois na excessiva e sempre instável regulamentação do nosso país.

É premente viabilizar, com políticas públicas certas, projetos de construção económica e financeiramente viáveis, isto é desprovidos (ou pelo menos muito mitigados) de todos estes custos de contexto.

Em matéria de reabilitação urbana, medidas que deveriam ser aprovadas para continuar a reabilitar as nossas cidades e com isso contribuir para colocar mais oferta no mercado, com a necessária consequência de uma certa estabilização dos preços:

  • Seria preciso criar, dinamizar e acima de tudo credibilizar o mercado habitacional, com especial destaque para o mercado do arrendamento em Portugal e bem assim promover um clima de incentivo;
  • Mas não é só… Quando pensamos, por exemplo, que o Governo quer penalizar os proprietários de edifícios devolutos há mais de dois anos a situação é ainda mais grave quando sabemos que a aprovação camarária de um processo de licenciamento nas principais câmaras do país e que são aliás coincidentes com as principais zonas de “pressão urbanística”, pode chegar perfeitamente – e mesmo ultrapassa - esses mesmos dois anos…E, portanto, a solução não deve jamais passar por penalizar de forma cega e irracional, mas sim resolver todos os problemas ainda existentes no processo de reabilitação urbana, nomeadamente a excessiva burocracia e o crescente e cada vez mais insuportável tempo dos licenciamentos urbanísticos;
  • Com medidas como a agravação cega do IMI (e cega porque não se questiona porque há ainda muitos prédios devolutos por reabilitar), não haverá nenhum investidor imobiliário que irá continuar a adquirir imóveis nos centros das cidades, com vista à sua reabilitação e posterior arrendamento, se correr o risco de vir a ser penalizado. A carga fiscal no setor já é elevadíssima, aumentá-la ainda mais apenas desincentivará os investidores que já cá estão, mas também afastará os novos investidores que agora estariam a olhar para o mercado nacional.

Por outro lado, o setor tem pedido a redução do IVA para 6% na construção nova, à semelhança da reabilitação urbana.

Tal legitima-se se o Estado quiser criar um modelo de incentivo real ao investimento em arrendamento, de tal forma que envolva também os promotores e investidores de construção nova. Na verdade, a construção nova assume hoje uma especial importância, num momento em que se procura criar mais habitação e bem dinamizar um mercado do arrendamento, o qual deve existir não só nos centros das cidades, mas também nas suas periferias.

Com políticas de incentivo como esta que preconizamos, estamos a estimular a colocação de mais habitações disponíveis para as famílias e com isso a combater também a subida dos preços.

É que, reduzindo o IVA nas obras de construção nova de 23% para 6% a par do que foi feito na reabilitação urbana, indica-se um claro caminho que os privados devem seguir. Esta foi a estratégia feita com a reabilitação urbana. Com a redução do IVA para 6%, os privados se se sentissem incentivados a olhar para o mercado da construção nova, passaria a haver mais projetos, gerando portanto mais receita fiscal de IVA. Isto é, não seria um custo orçamental, mas sim uma forma até de gerar mais receita fiscal.

E esta solução que preconizamos pode até nem ser aplicada de forma generalizada. Se o Governo pretende dinamizar este ou aquele segmento esta ou aquela zona, então viabilize-se a redução do IVA na construção nova para esses segmentos e essas localizações. Falo, por exemplo, em aplicar a redução do IVA na construção nova fora dos centros urbanos, ou apenas para o arrendamento. Era, sem dúvida, um bom incentivo que se dava em prol da colocação de mais habitação no mercado.

Sublinharia ainda no final:

  • Estabelecer um acordo de regime para estabilização do sistema fiscal a médio-longo prazo, com efeito na confiança do investimento a largo prazo;
  • Dinamizar um programa de incentivo ao investimento em habitação, desaplicando o AIMI dos ativos e terrenos com cariz habitacional ou potencialmente habitacional; não se entende porque o uso terciário está isento de AIMI e aqueles ativos que são para habitação – uma das maiores necessidades no país – não estão, o que naturalmente provoca uma subida do valor dos ativos habitacionais e bem assim das rendas também habitacionais.
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