Homenagear e chamar a atenção para a preservação do património através da arte. Joana de Abreu fala sobre o seu projeto em entrevista ao idealista/news.
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Preencher os vazios das fachadas com arte: esta artista do Porto leva poesia às cidades
Preencher Vazios

Preencher os espaços vazios das fachadas das casas e edifícios das nossas cidades, espalhando a arte e poesia de forma efémera pelas ruas. Não se trata apenas de uma intervenção artística, é também um trabalho educacional, social e de desenvolvimento comunitário. E foi com este intuito que nasceu o projeto Preencher Vazios, em 2015, pelas mãos da artista portuense Joana de Abreu que, entre várias coisas, pretende chamar à atenção para a necessidade de preservar o património azulejar português que tem sofrido uma perda progressiva de azulejos nos últimos anos. Com peças em madeira, a artista cria painéis com frases de autores portugueses, e vai preenchendo os espaços das fachadas degradadas que encontra no dia a dia. Agora, também já é possível preencher as paredes das nossas casas com a sua arte.

“Coloco peças de madeira, a que chamo de 'meus azulejos', sempre com o mesmo padrão dos azulejos da fachada mas com cores diferentes, para criar um contraste visível de tempos, entre o passado e o presente, e para ser bem percetível esta diferença entre o que é antigo e o que é novo”, explica a mentora deste projeto, em entrevista ao idealista/news. “Assim como todos os azulejos têm a sua memória, cada casa tem as suas pessoas, as minhas peças contam uma história ao longo do tempo”, acrescenta.

Quando faz as intervenções, garante, não quer arranjar solução para este problema, mas sim chamar a atenção para ele, para que os proprietários ou alguma entidade se debata sobre este problema e atue. E por isso pretende manter esta diferença de materiais. “Não quero que o meu trabalho se assemelhe aos verdadeiros azulejos, quero que ele se funda na fachada mas com a sua personalidade”, diz.

A artista é a única responsável pelo projeto. Anda sempre de fita métrica no bolso e quando vê um vazio numa fachada (onde outrora estiveram azulejos) faz o seu levantamento para mais tarde intervir. É Joana que planeia todas as intervenções e as vai aplicar, sem apoios e de forma totalmente gratuita – uma forma de divulgar o seu trabalho, que acredita ter um imenso valor. E também já atua noutras áreas para promover a estimulação sensorial e as diferenças em sociedade, nomeadamente através de workshops em escolas com crianças, em centros de dia com idosos, com empresas e diversas entidades. “Trabalhamos em várias áreas para promover a educação artística e social e também mostrar de que forma o Preencher Vazios consegue ser um projeto amplo e com inúmeras áreas de implementação”, sublinha.

A arte de Joana está espalhada por várias fachadas do Porto e Lisboa, mas o objetivo da artista é também chegar a outras cidades. Para ir mais longe, decidiu criar um movimento para que qualquer pessoa que se identifique com o seu trabalho possa fazer uma pequena contribuição para apoiar o projeto.

Hoje em dia, a artista também já desenvolve painéis personalizados para o interior de casas e esse já é, de resto, o trabalho mais requisitado. Cada cliente pode escolher o padrão, a frase, a forma e o tamanho, que quer ver nas suas paredes. Afinal, o que é que move esta artista? Como surgiu este projeto e por que é que continua a fazer tanto sentido? Joana de Abreu responde a estas e outras questões numa entrevista que agora reproduzimos na íntegra.

Preencher os vazios das fachadas com arte: esta artista do Porto leva poesia às cidades
Preencher Vazios

Como e quando surgiu a ideia de criar o projeto Preencher Vazios?

O Preencher Vazios surgiu em 2015 durante o meu mestrado em Belas Artes no Porto. Tinha de arranjar um projeto para desenvolver em tese e não sabia muito bem o que trabalhar, então durante um dos percursos que fazia entre a faculdade e as estação de São Bento estava sempre a ver uma fachada onde faltavam azulejos. E então decidi pegar neste problema que envolve as nossas cidades e transformar em projeto! Foi mesmo assim, com uma observação quotidiana!

Como é que vais à procura de “vazios”?

Quase nunca vou à procura de vazios! Encontro os vazios no meu dia a dia. Enquanto ando pelas ruas aproveito e ando sempre atenta a ver se existe alguma fachada pronta para receber o meu trabalho. Digo que são as fachadas que me encontram. Porque quando preciso de uma fachada específica para algum trabalho nunca a encontro. O inesperado tem outro encanto. As pessoas que conhecem o meu trabalho também me vão enviando fotografias de fachadas onde poderei intervir, juntamente com a morada.

Preencher os vazios das fachadas com arte: esta artista do Porto leva poesia às cidades
Preencher Vazios

Podes explicar-nos como é o processo de criação?

Ando sempre com uma fita métrica pequenina na carteira para, caso encontre uma fachada, poder fazer no momento o seu levantamento. Tiro as medidas ao azulejo, fotografo o vazio e o padrão. A ideia é fazer um puzzle com o meu trabalho naquela fachada. Coloco as peças de madeira, a que chamo de "meus azulejos", sempre com o mesmo padrão dos azulejos da fachada mas com cores diferentes, para criar um contraste visível de tempos, entre o passado e o presente, e para ser bem percetível esta diferença entre o que é antigo e o que é novo.

O meu trabalho não quer arranjar solução para este problema, mas sim chamar a atenção para ele. Para que o proprietário ou alguma entidade se debata sobre este problema e atue. Por isso, pretendo manter esta diferença de materiais. Porque não quero que o meu trabalho se assemelhe aos verdadeiros azulejos, quero que ele se funda na fachada mas com a sua personalidade. E porque também acho muito interessante ver o que o tempo faz às peças - o desgaste. Assim como todos os azulejos têm a sua memória, cada casa tem as suas pessoas, as minhas peças contam uma história ao longo do tempo.

Preencher os vazios das fachadas com arte: esta artista do Porto leva poesia às cidades
Preencher Vazios

Levas poesia às fachadas das casas e edifícios das nossas cidades. O que é que te move?

Tenho uma paixão enorme pelos pequenos detalhes que diariamente cativam o meu olhar. Gosto de partilhar com os outros as experiências que tenho e o quanto sou feliz a fazer aquilo que faço. Sinto-me uma privilegiada, pois trabalho naquilo em que realmente acredito e me faz feliz. Acho que isto é o que me faz continuar a lutar, a ir atrás dos meus sonhos e a ser resiliente. Acho que todos devemos ter um propósito, em dar algo de nós aos outros. E eu encontrei uma forma de dar um pouco de mim através do Preencher Vazios.

É mais que uma intervenção artística. É levar a poesia às cidades?

O projeto pretende chamar atenção para os pequenos detalhes que nos rodeiam diariamente, e surpreender os transeuntes com algo que não estavam habituados a ver durante o seu percurso, atribuindo deste modo pequenas mensagens de autores portugueses. São frases que leio em livros, poemas que encontro algures.

Muito mais que uma intervenção artística, o projeto pretende chamar à atenção para a necessidade de preservar o património azulejar português que ao longo dos últimos anos tem sofrido uma perda gigantesca.

Referes que se trata de um trabalho educacional, social e de desenvolvimento comunitário. Em que medida?

O Preencher Vazios também atua em outras áreas para promover a estimulação sensorial e as diferenças em sociedade. Através de workshops quer em escolas com crianças, em centros de dia com idosos, com empresas e outras entidades, trabalhamos em várias áreas para promover a educação artística e social e também mostrar de que forma o Preencher Vazios consegue ser um projeto amplo e com inúmeras áreas de implementação.

Preencher os vazios das fachadas com arte: esta artista do Porto leva poesia às cidades
Preencher Vazios

Em primeiro lugar, as intervenções pela cidade são uma chamada de atenção a toda a gente para que preservemos o nosso património. Numa segunda abordagem apresento o meu trabalho a todas as entidades que queiram ter a experiência de conhecer o Preencher Vazios e fazer um workshop. Esta oficina consiste em apresentar toda a história e curiosidades do Preencher Vazios e numa segunda parte fazemos em conjunto um painel para ser colocado numa parede do espaço da entidade.

O que é que falta fazer para haver maior e melhor preservação do património?

Em primeiro lugar é preciso educar o nosso olhar para sabermos olhar para as coisas, valorizando-as. Todos nós já vimos casas despidas de azulejos, certo? Com o tempo eles vão caindo, mas muitos também são roubados. É preciso fazer queixa desses crimes para que sejam contabilizados. E enquanto proprietário procurar soluções para prevenir que não desapareçam mais. Existem municípios atentos a este problema e capazes de ajudar a preservar a fachada. Como é o exemplo do Porto, que tem o Banco de Materiais que doa azulejos originais a quem precisa de "preencher o vazio" da sua fachada.

Fazes as intervenções à luz do dia. Como têm sido (ao longo destes anos) as reações das pessoas?

Sempre que faço as minhas intervenções faço-as à luz do dia para que as pessoas possam assistir ao meu trabalho e para que também possam intervir e falar comigo. As reações são muito boas, há quem fique a ver o que estou a fazer, há quem tire fotografias... Mas há quem ache que estou a roubar azulejos!

Aconteceu uma vez em Lisboa, estava a colocar o meu trabalho e já estava a anoitecer. A senhora estava à janela e gritou a perguntar o que estava eu a fazer. Eu cá de baixo lá lhe tentei explicar. Entretanto depois de trocarmos umas palavras lá convidei a senhora a descer para falar comigo. Ela explicou-me que 15 dias antes tinham arrombado a porta do prédio devoluto e através de todas as janelas roubaram cerca de 450 azulejos. Daí ter falado quando me viu ali parada a mexer na fachada, pois achava que estaria a roubar azulejos.

Há alguma intervenção que gostasses de destacar?

Não, são todas muito especiais, não consigo escolher. Todas elas têm alguma história por detrás. Mas talvez esta (ver fotografia em baixo) por ter sido a primeira intervenção apoiada por quem segue o meu trabalho. E o nome de todas as pessoas que fizeram com que isto fosse possível está numa das peças!

Preencher os vazios das fachadas com arte: esta artista do Porto leva poesia às cidades
Preencher Vazios

Tens algum tipo de apoio?

Não, nunca tive apoio de nenhuma entidade. Continuo a fazer este trabalho porque acredito que tem muito valor. As intervenções pela cidade são uma forma gratuita de dar a conhecer o meu trabalho para que depois as pessoas cheguem até mim, seja pelas redes sociais ou pelo meu site.

Este ano decidi criar um movimento para que qualquer pessoa que se identifique com o Preencher Vazios possa apoiar o meu trabalho. Existe sempre uma intervenção no meu site que está aberta a receber apoios para a sua realização. Para saberem como apoiar podem visitar o meu site no separador apoiar.

Tens vários trabalhos espalhados por Lisboa e Porto. O objetivo é chegar a outras cidades?

Sim, a ideia será tentar sair das grandes cidades e também intervir nos arredores. A próxima será na Maia e será apoiada por quem quiser contribuir através do site. Quero muito poder intervir em outras cidades ao longo deste ano.

Também fazes encomendas personalizadas, sendo possível ter um dos teus painéis em casa. Como?

Para rentabilizar o Preencher Vazios, e porque este é o meu principal trabalho, também desenvolvo painéis personalizados para o interior das casas, aliás é o trabalho mais requisitado.

Preencher os vazios das fachadas com arte: esta artista do Porto leva poesia às cidades
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O cliente pode escolher o padrão, a frase, a forma e o tamanho do painel, e é um trabalho desenvolvido em especial para aquele cliente, pois trabalho com uma fotografia do espaço para que seja mais fácil decidir o tipo de painel.

Qualquer pessoa que tenha interesse em ter um trabalho meu na sua casa pode contactar-me pelas redes sociais ou por e-mail de modo a receber todas as informações sobre encomendas personalizadas. (info@preenchervazios.com)  

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1 Comentários:

JOÃO LUIS
7 Outubro 2022, 0:57

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