A vontade de mudar e transformar casas começou desde muito cedo. Em pequena inventava tudo: fazia casas para as bonecas com cartões, caixas ou livros e no quarto encontrou o palco de muitas experiências. Criar é a sua palavra favorita e é uma apaixonada pela remodelação de interiores. Adora tudo o que seja natural, cores neutras e suaves, coisas simples e funcionais, e é no estilo nórdico que encontra muita inspiração. Tânia Martins é a fundadora da Homestories, uma marca própria onde as obras combinam com finais felizes, dedicada a remodelações de edifícios, casas, espaços comerciais ou escritórios, recuperação e reabilitação, decoração e até homestaging. Em entrevista ao idealista/news, a arquiteta falou sobre este projeto que, mais do que profissional, se apresenta como um projeto de vida.
Tânia Martins, achava que era “lá fora” que ía encontrar futuro, mas foi cá dentro que criou raízes. Admite que fazer carreira na arquitetura não é tarefa fácil, mas conseguiu conquistar um lugar num mercado onde, garante, não falta concorrência. A Homestories surgiu, explica, para contar histórias de casas, para as reinventar, escrevê-las de novo, com novos sentidos, novas formas de procurar um final feliz. Gosta de pensar na funcionalidade de uma casa como um todo e acredita que algo assente na simplicidade, num estilo harmonioso e na sensação de que “está tudo arrumado” é fundamental para o sucesso dos projetos.
Arquitetura e remodelação de interiores
Participou no “Querido Mudei a Casa”, onde aguçou a paixão pelo mundo da decoração, e encontrou nas redes sociais uma ferramenta para fazer negócio que lhe permite estar mais perto de quem segue (ou quer seguir) o seu trabalho. No Instagram conta com quase 100 mil seguidores e é lá que vai partilhando os seus vários projetos, na companhia das incontornáveis Madalena e Mariana (as suas filhas) – isto porque a arte de criar e educar é outra das paixões desta arquiteta.
Afinal, como e quando nasceu a Homestories? Como é que a pandemia afetou a atividade? E por que é que a arquitetura e remodelação de interiores são uma paixão? Tânia Martins responde a estas e outras questões nesta entrevista telefónica que agora reproduzímos na íntegra.
Numa entrevista recente a Tânia disse que criar é a sua palavra favorita. Porquê?
Eu adoro criar. Sou incapaz de entregar algum trabalho ou responder a um desafio seguindo a lógica de “só fazer por fazer”. Eu tenho sempre de colocar o meu cunho, criar qualquer coisa nova e diferente, original. Mesmo quando eu era pequenina já era muito assim. As minhas brincadeiras eram muito na perspetiva do criar, inventava tudo com várias coisas, fazia as casas para as bonecas com cartões, com livros, caixinhas, estava sempre a dar a volta à situação. E depois é o facto da educação, de criar as minhas filhas, que também é outro mundo que eu adoro. Criar é uma palavra com a qual me identifico, porque de facto tem tudo a ver comigo.
Quer dizer que a paixão pela arquitetura começou desde muito cedo. Foi o que sempre quis fazer?
Sim, eu não me lembro de querer outra coisa. Eu lembro-me de adorar fazer casas. Eu fazia tanto casas para as Barbies, como cabanas com as minhas amigas. Eu é que tinha sempre as ideias e eu sabia que adoraria fazer isto – mesmo o meu quarto, eu estava sempre a mudar a disposição das coisas, pintar paredes. E depois quando cheguei à escola percebi que isto seria o que um arquiteto fazia e a partir daí meti na cabeça que era por aí que eu queria ir. E foi estudar, fazer o caminho.
Fazer carreira na arquitetura foi difícil? Quais os principais obstáculos ao longo do percurso?
Houve muitos. Primeiro, porque há uns anos a nossa profissão não era muito valorizada e ainda não é, há muitas pessoas que acham que não precisam de um arquiteto e também porque nem toda a gente tem como recorrer a um. Mas efetivamente faz muita diferença. E depois não é só isso, há muito concorrência, há bons e maus profissionais em todas as áreas e depois as pessoas têm a ideia que se o arquiteto X pediu um valor, o arquiteto Y tem que ter um valor semelhante, por exemplo. Não conseguem perceber a diferença, porque acham que é o mesmo serviço e não é, os arquitetos fazem coisas diferentes e valorizam-se de outra forma.
E às vezes o mesmo valor de um não é o do outro. O valor que se paga a um arquiteto não é o mesmo que se paga a um desenhador projetista. Há todo um trabalho criativo agregado que faz muita diferença para quem liga a esta parte de pensar a casa como um todo, e isso tudo tem um custo. E é difícil às vezes implementar isso no mercado e fazer a diferença num meio onde há tanta concorrência. E ainda por cima nós já há poucos anos atravessamos uma grande crise e foi um bocadinho difícil mostrar essa diferença de preço, isto é, mostrar às pessoas que efetivamente o nosso trabalho faz diferença. Eu diria que esse foi o meu grande desafio.
Achava que não ía ter futuro em Portugal e queria fazer carreira lá fora. Qual foi o ponto de viragem e como conseguiu? (Que a fez acreditar que poderia ter sucesso “cá dentro”)
Eu achava que em Portugal não ía mesmo ter futuro nenhum por esta razão, pelo facto de achar que o nosso trabalho não era muito valorizado. E por outro lado eu achava que não ia conseguir crescer como profissional cá em Portugal. Os arquitetos estagiários eram muito mal pagos, pouco reconhecidos, fartavam-se de trabalhar horas e às vezes a custo zero. Eu não queria isso para mim, porque eu acho que ninguém se deve submeter a estas condições de trabalho. Eu achava que só lá fora é que iria conseguir ter algum reconhecimento profissional e crescer enquanto arquiteta.
Só que depois meteu-se aqui a questão familiar, o valor da família, o amor e a amizade, que acabou por fazer-me ficar, mas este ficar eu via sempre como um estágio, do género “Eu vou ficar, mas acabarei por ir lá para fora”. Só que depois eu fui ficando, ficando e o que é certo é que consegui marcar a diferença e fazer aquilo que eu queria fazer, que as pessoas valorizassem o meu trabalho. Felizmente consegui e agora sou muito feliz no meu país e não o trocava por nada.
Como e quando é que nasceu a homestories? E porquê homestories? O que pretende transmitir com a marca?
A Homestories nasceu exatamente porque eu trabalhava para outra pessoa e achava que não era bem remunerada, que não tinha as condições de trabalho certas, e percebi que para receber aquilo que estava a receber e a fazer o que estava a fazer, que podia perfeitamente fazê-lo sozinha e decidi lançar-me. E também porque tive um grande apoio da parte do meu pai e do meu marido, que me deram imensa força para ir em frente e acabei por arriscar.
Homestories porque eu queria que todas as casas contassem uma história
Homestories porque eu queria que todas as casas contassem uma história, ou melhor, quando eu entrasse numa casa (porque todas têm uma raiz) eu reinventasse essa história. Pegar em algo velho e refazer a história para que esta tivesse um final feliz. Eu queria ligar a parte da arquitetura à obra, à remodelação, e aos finais felizes. Daí Homestories.
A que tipo de projetos se dedicam? E porquê?
Neste momento o nosso foco é a remodelação de interiores. Começou pela remodelação de interiores, sempre com alguns projetos de arquitetura de raiz, mas muito poucos, porque o nosso foco foi sempre a remodelação, e também começamos a fazer alguma decoração de interiores. Isto porque quando eu penso num projeto eu gosto sempre de pensá-lo como um todo – ou seja, como é que vai funcionar um candeeiro, como é que vai funcionar a luz, um cortinado, o sofá onde é que fica melhor, qual é a melhor disposição para a cozinha.
Eu gosto de pensar na funcionalidade da casa como um todo, não é só nas paredes. E por isso para mim a remodelação é o melhor dos dois mundos, porque eu consigo reinventar uma planta que já existe e pensar no conjunto final, isto é, como é que a casa vai funcionar, desde escolher os acabamentos e materiais, que também dizem muito do projeto. É muito difícil para mim num projeto fazer só a casa, só as paredes e pouco mais.
(...) para mim a remodelação é o melhor dos dois mundos, porque eu consigo reinventar uma planta que já existe e pensar no conjunto final, isto é, como é que a casa vai funcionar (...)
Quer isto dizer que as pessoas quando consultam a Tânia também já acabam por solicitar projetos nesse sentido.
Sim. Por exemplo, às vezes pedem-nos um orçamento para uma remodelação e às vezes perguntam-me se isso já inclui os desenhos da cozinha, dos roupeiros. E sim, tudo o que seja mobiliário fixo – isto caso o cliente não avance com a decoração – até um móvel de TV, que seja fixo, está contemplado no nosso orçamento. Nós acima de tudo queremos que as pessoas tenham casas funcionais, que lhes deem o mínimo de trabalho possível e onde elas se sintam felizes.
Tem um “estilo” preferido? Quem são os seus "mestres" ou fontes de inspiração?
Eu sou muito fã do estilo nórdico, a maneira de eles viverem a casa, até nem só a casa mas a educação... Para mim eles estão muito à frente. E eu inspiro-me muito nesta ideologia, neste estilo deles, que é sobretudo um estilo de vida. Porque aquilo que eu procuro para mim eu gosto de passar para o cliente. A parte de viver com o essencial, fazer as coisas simples, funcionais, prevalecer os materiais naturais, as madeiras naturais, as plantas, tanto que os nossos projetos de decoração acabam por ser muito simples.
Porque aquilo que eu procuro para mim eu gosto de passar para o cliente. A parte de viver com o essencial, fazer as coisas simples, funcionais, prevalecer os materiais naturais, as madeiras naturais, as plantas...
Nós não gostamos de encher uma casa de coisas que sejam só meramente decorativas, porque para nós até os acessórios decorativos têm de fazer algum sentido. Não é só colocar por colocar. O nosso estilo é muito isso, é assente em algo funcional, simples, que seja agradável, que tudo está arrumado (mesmo que não esteja), harmonioso. Estas são para mim as maiores ferramentas para um projeto resultar.
Como é que a pandemia impactou a vossa atividade? Já sentiram (e sentem) mudanças ao nível da procura? No tipo de projetos requisitados? Com a Covid-19 as pessoas e empresas repensaram os seus espaços...
Nós sentimos muito uma procura nas pessoas ou que queriam mudar o espaços que tinham em casa, como escritórios, por exemplo, porque a dinâmica familiar mudou completamente e passaram a ter que estar mais em casa e ter mais espaços de trabalho e as coisas mais funcionais.
Aquela família que ía adiar a mudança de cozinha se calhar agora já não adiou porque teve muito tempo em casa e sentiu necessidade de mudança porque percebeu que já não estava funcional. E também aconteceu uma coisa que foi muitas pessoas que viviam em apartamentos acabaram por vender as suas casas e comprar moradias com mais espaços exteriores, ou até comprarem segundas casas
Como é que o “Querido Mudei a Casa” se cruzou no caminho da Tânia e da Homestories? Foi importante para potenciar a marca?
Todos conhecíamos o “Querido Mudei a Casa” e certo dia vi que estavam a fazer um casting para novo decoradores e eu pensei “olha porque não, vou experimentar” – eu estava com a Homestories há um ano. O meu foco nem era a decoração, mas como é algo que eu gosto, apesar de ser uma decoração muito simples, porque gosto de pensar na casa ao detalhe, acabei por concorrer. Passei por várias fases e acabei por ficar no programa e a partir daí sim notei uma maior aflluência de projetos de decoração e comecei a olhar mais para este segmento e também a conhecer mais pormenores, por exemplo, do tipo de tecidos mais indicado para fazer cortinados ou que cuidados é que é preciso ter com o papel de parede e na sua aplicação. Foi a partir daí que aprofundei mais este conhecimento.
O instagram da homestories é uma inspiração para muitas pessoas que a seguem. Já é uma ferramenta para “fazer negócio”? Qual a importância das redes sociais e da forma como comunica
A página da Homestories surgiu mesmo quando eu criei a marca para partilhar os projetos, dicas, os dias da obra, os antes e depois. Mas inevitavelmente comecei a partilhar a vida pessoal, porque eu acabava sempre por aparecer ou como conheciam o “Querido” as pessoas viam-me e eu acabava sempre por partilhar qualquer coisa de mim. E depois fui mãe e naturalmente acabei por partilhar também as minhas filhas e as pessoas identificaram-se, de alguma maneira, comigo.
É sem dúvida uma grande ferramenta de trabalho porque é quase como se as pessoas já me conhecessem e isso acaba por passar uma grande confiança, o que também é bom para nós porque o cliente contacta-nos porque gosta mesmo do nosso trabalho e de alguma forma se identificou comigo ou com a minha maneira de pensar. E logo aqui é meio caminho andado para que as coisas corram bem. Eu acho que o bom das redes sociais é isto, é as pessoas conhecerem-nos, mas de uma forma positiva.
Habitualmente, as pessoas querem muito saber de onde são ou onde se podem comprar determinados artigos de decoração. Foi também a pensar nisso que lançaram a vossa loja online? Como está a correr o negócio?
A loja online surgiu há três ou quatro anos, exatamente porque nessa altura – agora há mais – não havia muitas lojas que vendessem artigos de estilo nórdico. Tínhamos o Ikea e pouco mais e muitas vezes eu queria colocar coisas nos projetos da Homestories e não havia nada e tinha que mandar vir tudo de fora. E isso traduzia-se em prazos de entrega muito longos e valores altos e foi aí que pensei, porque não criar uma loja onde eu possa ir buscar a fornecedores que eu gosto, mas também ofecerer às pessoas um site onde possam comprar coisas que gostam nos nossos projetos. E foi um bocadinho desta necessidade que surgiu a parte da loja.
As pequenas Madalena e Mariana (as suas filhas) são também uma presença assídua (e incontornável) no instagram da Tânia. Como é ser mãe, mulher, arquiteta e empresária ao mesmo tempo? Como é conciliar a vida pessoal e profissional?
Isto é uma aprendizagem todos os dias, até porque todos os dias são diferentes, ainda por cima porque elas são tão pequeninas e é um bocadinho fazer o que dá naquele dia. Eu não consigo que os meus dias sejam todos iguais, é uma auto-gestão que às vezes pode ser complicada. E porque também não gosto de abdicar do tempo que tenho com elas e custa-me (como a toda a gente) às vezes ter de trabalhar ao fim de semana, mas é tentar trabalhar quando elas vão dormir e revesar com o pai. Ter o atelier perto de casa ajuda-me bastante nesta logística e também ter uma equipa fantástica comigo, em quem confio muito, e sem a qual seria impossível conciliar tudo.
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