Para a artista Vanessa Teodoro, a arte urbana desempenha um papel fundamental na construção do espaço público. E explica porquê.
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arte urbana
Créditos: Joana Linda e Geoffrey Hubbel

Um museu ou uma galeria ao ar livre, acessível a todos. É assim que a arte urbana se apresenta. Ao serviço, também, da requalificação do espaço público, dá nova vida aos ambientes, alguns degradados, recuperando a beleza das cidades e de vários ecossistemas ao redor do mundo. A arte de rua é, por isso, um instrumento de expressão direta dos seus criadores e “uma forma de humanizar as grandes "selvas urbanas"”, segundo Vanessa Teodoro. Nesta entrevista ao idealista/news, a artista visual reflete sobre a importância da arte na sociedade, e como é que esta pode melhorar e recuperar a paisagem urbana.

Vanessa Teodoro define-se como uma “mente irrequieta, com mãos de cirurgião”. O seu estilo insere-se no Pop contemporâneo e é definido por uma “complexa batalha entre padrões gráficos, elementos figurativos de cores fortes e contrastantes”, tudo isto “com um toque de caos e humor”. Os seus murais e peças são, de resto, facilmente reconhecíveis, uma vez que trabalha com os opostos, como é o caso do preto e branco, da luz e sombra.

Hoje em dia, e apesar de já trabalhar com uma vasta lista de marcas nacionais e internacionais de renome, desde a Louis Vuitton, Ikea, Vodafone, Ritz Hotel, Bang and Olufsen, Heineken, Jaguar, MTV, Canon ou Nespresso, continua a ter um “gosto especial” por projetos de arte de rua e considera o desafio de pintar grandes murais públicos muito gratificante. Para Vanessa Teodoro, a arte urbana é uma forma de “democratizar a arte (fazendo chegar a arte a mais pessoas) e de valorizar e requalificar espaços que estavam esquecidos e/ou degradados”.

Além disso, diz, o desafio dos grandes murais públicos obriga-a sair da sua zona de conforto tecnica e fisicamente. “A efemeridade das peças faz-me dar-lhes mais valor, gosto de passar pelas peças de tempos a tempos e ver como se transformam”, refere. E quando tem a oportunidade de escolher um novo projeto de arte urbana, não tem dúvidas: gosta de intervir num espaço que precise de algum tipo de reabilitação (geralmente sempre vandalizados) e/ou que tenha uma superfície diferente e desafiante. 

Ritz
Ritz/ Créditos: cortesia Vanessa Teodoro

Em que medida é que a sua formação académica e profissional em design gráfico e publicidade contribuíram para a criação da sua identidade visual?

Tenho um traço muito clean e gráfico, e trabalho bastante com caligrafia. Gosto de transmitir mensagens positivas e apelativas que espelham muito uma arte mais pop. O meu background em publicidade ajudou-me a saber trabalhar melhor com marcas, perceber o que elas precisam, mas ao mesmo tempo manter-me fiel ao meu traço e cunho pessoal artístico.  

Gosto de transmitir mensagens positivas e apelativas que espelham muito uma arte mais pop.

Tem-se dedicado, exclusivamente, à ilustração e às belas artes desde 2009. Como é que chegou à pintura? E quando é que surgiu esta paixão?

Desde que me lembro sempre adorei o mundo das artes visuais. Desde pequena (a pintar nas paredes de casa) até aos dias de hoje, seja de que forma for, o meu fascínio pela arte e poder usá-la como forma de me compreender melhor e de comunicar as minhas ideias ao mundo, sempre esteve muito presente. Passei pelo design gráfico e publicidade primeiro pois achei que era a forma mais segura de seguir uma carreira de alguém que vive da sua criatividade. Acabei por ter alguma influência do meu padrasto que também era designer. O facto de estar rodeada de livros sobre design e ilustração dos anos 80 acabou por me influenciar mais do que esperava. A pintura acabou por ser uma evolução natural a partir da ilustração e querer sair da minha zona de conforto - como foi o caso dos murais de grandes dimensões na 'street art'.

Como é ser mulher num “mundo”  - da arte de rua e do grafitti - tipicamente masculino?

Não gosto de pensar que a arte urbana (ou as artes plásticas em geral)  pertence ao mundo dos homens, quanto mais nos convencermos disso, mais acreditamos nisso. Há uma tendência clara em haver mais homens a pintar, mas isso está a mudar rapidamente. Em 2009 éramos muito poucas a pintar, ao ponto de escreverem artigos sobre nós, como se fossemos aves raras e com artigos com títulos como "Miúdas com muita lata" - como se fosse preciso ter "lata" para fazermos os que o "miúdos" fazem. Para mim, não vejo como um desafio, mas sim um convite. Gosto de pensar que abrimos caminho para que mais mulheres se inspirem no nosso percurso. Hoje já há imensas mulheres a pintar murais, sem medos de subir a grandes alturas, de estarem horas ao sol e vento, dos piropos inapropriados (que ainda acontecem), de carregar com latas e baldes e claro, de expressarem a sua visão e sensibilidade sem medos.

Não gosto de pensar que a arte urbana (ou as artes plásticas em geral)  pertence ao mundo dos homens, quanto mais nos convencermos disso, mais acreditamos nisso.

Lembra-se onde e qual foi o primeiro projeto que fez?

Foi um cartoon para a revista Cais em 2007 (primeiro projeto publicado), enquanto estudava no curso de Ilustração e Banda Desenhada. 

marina Cascais
Marina Cascais / Créditos: cortesia Vanessa Teodoro

Diz que o seu estilo é “definido por uma complexa batalha entre padrões gráficos, elementos figurativos de cores fortes e contrastantes, tudo isto com um toque de caos e humor”. Em que medida?

O meu estilo insere-se no Pop contemporâneo, com um toque de caos organizado (horror ao vazio). Gosto de pensar que crio arte com uma mensagem positiva (e com humor), que tem tanto para dizer, seja através de padrões, figuras femininas que flutuam pelo espaço ou pela exploração da caligrafia. Exploro muito os contrastes do preto e branco (são mais os contrastes fortes, do que as cores fortes), espaço negativo/positivo, texturas, luz e sombra. 

Define-se também como alguém que tem “uma mente irrequieta, com mãos de cirurgião”. Porquê?

Porque tenho a cabeça sempre a pensar, a ter ideias e a stressar por não ter ideias. Ao contrário do meu traço muito mais relaxado e preciso, como as mãos de cirurgião. Muito do meu trabalho trabalha os opostos como é o caso do preto e branco, da luz e sombra e é curioso que acontece o mesmo aqui (mente/mãos).

De que forma é que os locais que já visitou influenciam o seu trabalho?

No meu trabalho sinto que tenho uma influência mais africana. Talvez pelo facto de ter sido uma parte importante da minha infância e de querer mostrar, através do meu trabalho, um pouco da minha história. Quando comecei a trabalhar mais na China também senti que o meu trabalho foi influenciado - pelo uso dos vermelhos e dourados. 

Mural Emel
Mural Emel/ Créditos: cortesia Vanessa Teodoro

Por que é que arte urbana é um dos seus maiores gostos?

Gosto do facto de ser uma “tela” ao ar livre, é um tipo de registo que consegue chegar a mais pessoas (ano contrário de peças em galerias), e de fazê-las pensar e influenciá-las de alguma forma. Melhorar e recuperar a paisagem urbana com a minha pintura que acaba por ser preventiva (devido à complexidade dos meus grafismos e menos aliciante para futuros "tags"). A arte é uma linguagem universal, o facto de estar na rua apenas amplifica o seu impacto.

Gosto do facto de ser uma “tela” ao ar livre, é um tipo de registo que consegue chegar a mais pessoas (ano contrário de peças em galerias), e de fazê-las pensar e influenciá-las de alguma forma.

E qual é o grande desafio de fazer intervenções em grandes murais públicos?

O desafio dos grandes formato obriga-me a sair da minha zona de conforto tecnicamente (e fisicamente). A efemeridade das peças faz-me dar-lhes mais valor, gosto de passar pelas peças de tempos a tempos e ver como se transformam. E por fim, o facto de haver menos mulheres a pintar, fez-me querer pintar ainda mais. 

mural Emel
Mural Emel/ Créditos: cortesia Vanessa Teodoro

Na sua opinião, qual o papel e a importância da arte urbana na construção do espaço público e forma como se vivem os espaços?

A arte urbana é uma forma de humanizar as grandes "selvas urbanas". Democratizar a arte (fazendo chegar a arte a mais pessoas) e de valorizar e requalificar espaços que estavam esquecidos e/ou degradados. 

Como é o processo de encontrar o local certo para fazer um novo projeto de arte urbana?

Geralmente quando sou comissionada, o local já vem escolhido pelo cliente (marca ou entidade pública). Quando tenho a oportunidade de escolher, gosto de intervir num espaço que precise de algum tipo de reabilitação (geralmente sempre vandalizados) e/ou que tenha uma superfície diferente e desafiante. Estou sempre a fotografar espaços interessantes e tenho uma pasta com locais onde gostaria de pintar. 

Trabalha com uma vasta lista de marcas nacionais e internacionais de renome. Pode dar-nos alguns exemplos?

Louis Vuitton, IKEA, Vodafone, Ritz Hotel, Bang and Olufsen, Heineken, Jaguar, MTV, Canon, Nespresso.

Louis Vuitton
Louis Vuitton/ Créditos: cortesia Vanessa Teodoro

E que tipos de projetos são estes? O que é que as marcas procuram?

Acho que as marcas procuram destaque e irreverência num mundo onde a atenção das pessoas é cada vez menor e mais valiosa. O fato de trabalhar muito o preto e branco num caos gráfico de padrões, a meu ver é disruptivo e tem sido algo pela qual as marcas (assim como as de luxo) me procuram. 

Há algum projeto que gostasse de destacar?

Não há nenhum projeto específico, pois todos tiveram um papel importante na minha evolução como artista. De ter tido a oportunidade de colaborar com marcas internacionais como a Jaguar, Louis Vuitton, Ritz Four Seasons e mais recentemente a Bang & Olufsen, que ajudam a solidificar mais a minha carreira como artista. Trabalhar com o mercado chinês foi (e continua a ser) muito desafiante, mas sinto que aprendi a ser mais fluída na forma como trabalho, ainda que mantendo-me fiel à minha visão e estilo próprio. 

Ritz
Ritz/Créditos: cortesia Vanessa Teodoro
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