
O Tribunal Constitucional rejeitou a proposta para um referendo local sobre o alojamento local em Lisboa por “não dar por verificada a legalidade” desta iniciativa popular devido à ausência de “um controlo efetivo das assinaturas” necessárias neste âmbito.
“Decide-se não dar por verificada a legalidade do referendo local, por iniciativa popular, cuja realização foi deliberada pela Assembleia Municipal de Lisboa, na sua sessão de 3 de dezembro de 2024”, lê-se num acórdão do Tribunal Constitucional, divulgado na sexta-feira (3 de janeiro de 2024), dia em que terminou o prazo de 25 dias para verificação preventiva da constitucionalidade e da legalidade por parte deste órgão constitucional.
A 9 de dezembro, a presidente da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), Rosário Farmhouse (PS), submeteu ao Tribunal Constitucional a deliberação quanto à realização de um referendo local, por iniciativa popular, com as listas de assinaturas dos cidadãos subscritores, que incluem dois lotes, apresentados em momentos diferentes, tendo o último sido apresentado para “sanar eventuais vícios” do primeiro lote de assinaturas.
Em causa está a iniciativa popular promovida pelo Movimento Referendo pela Habitação (MRH), que propõe duas perguntas: Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local no sentido de a Câmara Municipal de Lisboa, no prazo de 180 dias, ordenar o cancelamento dos alojamentos locais registados em imóveis destinados a habitação? Concorda em alterar o Regulamento Municipal do Alojamento Local para que deixem de ser permitidos alojamentos locais em imóveis destinados a habitação?

Para ser considerada, a iniciativa popular deve ser proposta à assembleia deliberativa por um mínimo de 5.000 ou 8% dos cidadãos eleitores recenseados na respetiva área, consoante o que for menor.
O MRH começou por entregar um primeiro lote de assinaturas, com 6.528 subscritores, tendo a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna informado, a 3 de dezembro, que apenas 4.863 eleitores se encontram “inscritos no recenseamento eleitoral na respetiva área” do município de Lisboa.
Perante isto, três dias depois da deliberação quanto à realização do referendo local, o movimento entregou à AML um segundo lote de assinaturas, com mais 612 cidadãos eleitores recenseados no município de Lisboa, que seguiram para o Tribunal Constitucional sem verificação prévia.
Apesar de considerar que o processo apresentado pela presidente da AML se mostra “regularmente instruído”, o Tribunal Constitucional considerou que a recolha das assinaturas necessárias e a sua verificação é “uma formalidade essencial, cuja inobservância compromete a própria existência de uma iniciativa popular válida, dando origem a uma ilegalidade relevante, por violação de um preceito previsto no RJRL [Regime Jurídico do Referendo Local]”.
“Daí que seja também fundamental que se proceda a um controlo efetivo das assinaturas, desde logo antes da deliberação, aspeto relevante no processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade e legalidade do referendo”, indicou este órgão constitucional, defendendo que a AML deveria ter verificado o total das assinaturas que recebeu, com a possibilidade de “solicitar aos serviços competentes da administração pública a verificação administrativa, por amostragem, da autenticidade das assinaturas e da identificação dos subscritores da iniciativa”.
O segundo lote de assinaturas deveria ter sido verificado e, “antes de suprido o vício pela apresentação de novas assinaturas e do seu controlo, não estaria a AML autorizada a proceder à conversão da iniciativa popular em deliberação”, expôs este tribunal, considerando que “não estava preenchido um dos requisitos fundamentais da iniciativa popular referendária – a subscrição da proposta por 5.000 eleitores recenseados no município de Lisboa”.

Na fundamentação da decisão, o Tribunal Constitucional apontou a necessidade de identificar os mandatários desta iniciativa popular, “em número não inferior a 15”, e de a AML pedir um parecer ao presidente da Câmara de Lisboa, uma vez que é ao executivo municipal que compete determinar o cancelamento do registo do estabelecimento do alojamento local nas condições previstas na lei, nomeadamente o Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local (RJEEAL).
A AML não solicitou ao presidente da câmara municipal esse parecer, pelo que foi também “inobservada esta formalidade”, de acordo com acórdão deste tribunal.
“Só por si, estes vícios obstariam ao sucesso da iniciativa, mas, ainda assim, proceder-se-á a uma análise no que toca ao plano substantivo”, referiu o Tribunal Constitucional, referindo que as perguntas do referendo local, inclusive a proibição de estabelecimentos de alojamento local em imóveis destinados a habitação, “são inequivocamente desconformes com o quadro legal”.
Para este tribunal, o Regulamento Municipal do Alojamento Local não pode prever essa solução de interdição “nem por via da definição de ‘utilização válida’ do imóvel nem pelo estabelecimento de zonas de contenção e de crescimento sustentável”.
Em conclusão, este órgão constitucional afirmou que existe “um vício insanável da deliberação de referendo, o que impede definitivamente a sua realização, tornando-se desnecessário proceder à apreciação de outras questões”.
Moedas diz que chumbo de referendo é “derrota para esquerda radical apoiada pelo PS”
O presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, considerou que a decisão do Tribunal Constitucional de inviabilizar a realização de um referendo local sobre alojamento local (AL) na cidade “é uma grande derrota para a esquerda radical apoiada pelo PS”.
Numa declaração escrita enviada à agência Lusa, o social-democrata Carlos Moedas destacou o trabalho do atual executivo municipal, na regulação do AL na cidade de Lisboa, “com moderação e de forma equilibrada, que protege os lisboetas”, e criticou a anterior gestão do PS.

Para o presidente da Câmara de Lisboa, esta é uma derrota para “os mesmos que expulsaram lisboetas da cidade nos últimos 14 anos”. O AL, indicou, “passou de 500 unidades em 2011 para 18 mil em 2018”.
“São os que agora criticam o atual executivo por estar a regular o mercado, com regras claras, protegendo zonas da cidade que já não precisam de mais AL, mas dando liberdade e oportunidades para que outras zonas e mais famílias possam crescer e viver também deste negócio”, declarou.
Moedas destacou o papel do seu executivo na fiscalização do setor e sublinhou que foram canceladas 250 licenças nos últimos três anos.
“Hoje em Lisboa não pode haver AL a partir de 2,5 unidades por cada 100 unidades de alojamento habitacional. É uma barreira relativa e, depois, absoluta a partir de 5%. Isso dá a garantia a todas as freguesias de que, se tiverem mais de 5% de AL na freguesia, não terão mais AL”, explicou a câmara municipal, sem referir que esses rácios entre o número de estabelecimentos de AL e o número de fogos habitacionais existentes estão em vigor por proposta do PS relativa à “suspensão imediata” de novas licenças de AL na cidade.
Além disso, existe uma área de contenção absoluta única, à escala do concelho, quando se verifica um rácio “igual ou superior a 5%”, que se aplica atualmente por a cidade, no seu todo, registar um rácio de 7,2%.
“Enquanto não estivermos abaixo desses 5% ou nesses 5%, não há mais AL. […] Neste momento, o que está em vigor é uma suspensão e, portanto, não há mais AL em Lisboa”, reforçou o município.
Ao contrário da última decisão de suspender novas licenças de AL, em outubro de 2024, aprovada por unanimidade na Câmara de Lisboa, a liderança PSD/CDS-PP sempre votou contra as propostas da oposição para suspender novos registos nas freguesias mais afetadas.

Já o PS/Lisboa acusou o presidente da Câmara Municipal, Carlos Moedas (PSD) e o Governo, de defraudarem os lisboetas que procuram habitação na capital ao "apoiar a desregulação do alojamento local" (AL).
"Os únicos derrotados com a desregulação do alojamento local, que foi pedida por Carlos Moedas e aprovada pelos deputados do novo Governo são os lisboetas que procuram casa a que consigam pagar", afirmou a autarca socialista.
A Associação do Alojamento Local Em Portugal (ALEP) não ficou surpreendida com o chumbo do Tribunal Constitucional ao referendo proposto para Lisboa, realçando que o setor não é o problema, nem a solução para a crise de habitação.
O presidente da ALEP considerou ainda que o referendo foi “usado por partidos políticos radicais” para fins de “campanha autárquica”, a pensar nas eleições locais que se realizarão no último trimestre do ano, acusando-os de terem utilizado jovens para uma “manobra política”.
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