
O Financial Times entrevistou recentemente Christian Kälin, presidente da sociedade de advogados Henley & Partners e considerado um dos pioneiros dos chamados programas de Golden Visa — programas que concedem autorizações de residência, e alguns casos de cidadania, a estrangeiros que realizem investimentos significativos, normalmente em imobiliário.
Apesar da ampla expansão global destes programas, Kälin e a sua empresa enfrentaram um revés com a mais recente decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que considerou ilegal o regime de cidadania por investimento em vigor em Malta. Em abril, o TJUE anulou o programa maltês, alegando que este transformava a cidadania europeia numa mera transação comercial, ao permitir a sua aquisição através do pagamento de 600 mil euros e a compra de um imóvel. O programa havia sido desenvolvido em estreita colaboração com a Henley & Partners.
Ainda assim, o advogado suíço mantém uma visão otimista quanto ao futuro do setor. "Se a Europa decidir retroceder, que retroceda. Mas o resto do mundo está a avançar, e apenas numa direção", afirmou, sublinhando que, apesar da pressão europeia, o interesse global por este tipo de regimes continua a crescer.
A Henley & Partners tornou-se a consultora líder mundial na conceção, promoção e gestão de programas de residência e cidadania por investimento. Para além de Malta, expandiu as suas operações para países como São Cristóvão e Névis, no Caribe. Segundo dados do governo maltês, a empresa arrecadou mais de 55 milhões de euros em oito anos através deste programa. Nestes países, a Henley recebe comissões dos governos por cada candidatura aprovada, além dos honorários pagos pelos próprios requerentes.
Contudo, o percurso da empresa não tem estado isento de polémica. Organizações como a Transparência Internacional e a própria Comissão Europeia têm alertado para os riscos associados a este tipo de programas, nomeadamente na facilitação de práticas de corrupção e branqueamento de capitais. Em pelo menos um país, a Henley foi ainda acusada de envolvimento em manipulação política — acusações que a sociedade nega categoricamente.
Kälin reconhece que o momento não é o mais favorável na Europa, mas recusa dramatizar. "Para o setor na Europa, é claro, não é muito positivo... Globalmente, não tem importância", afirmou. O advogado destacou ainda que a procura por estes programas continua a crescer, acompanhada por uma oferta cada vez mais diversificada, apontando como exemplo os Estados Unidos, onde durante o mandato de Donald Trump foi promovido o regime de residência para investidores com aportes superiores a 5 milhões de dólares.
Golden visa na Europa: recurso em tempos de crise

Na última década, diversos países europeus recorreram aos chamados “vistos dourados” — autorizações de residência oferecidas em troca de investimentos ou pagamentos únicos ao Estado. Medidas controversas ganharam popularidade sobretudo em momentos de crise económica, quando recolher capital do estrangeiro tornou-se prioridade.
Países como Grécia, Portugal, Itália e Espanha adotaram esses programas para atrair dinheiro, mesmo sob o olhar crítico da Comissão Europeia e de organizações de transparência, que alertam para riscos como corrupção, evasão fiscal e branqueamento de capitais.
Embora, atualmente, estejam controlados pelos reguladores, estes esquemas não são novidade. As origens dos vistos dourados remontam aos anos 1980, no Pacífico e no Caribe, com São Cristóvão e Névis lançando o seu programa em 1984. Christian Kälin, presidente da Henley & Partners, entrou neste mercado em 1997, quando ajudou a popularizar os passaportes caribenhos entre investidores abastados. “Colocámos São Cristóvão e Névis no mapa mundial”, orgulha-se.
O grande problema foi perceber que, para muitos clientes, as restrições de vistos representavam barreiras significativas — limitando viagens, operações bancárias, investimentos imobiliários e proteção de património. Com estes novos passaportes, portas antes fechadas passaram a estar abertas.
Em 2006, Kälin e a Henley & Partners conquistaram um contrato para reformular o programa de São Cristóvão e Névis, então considerado “disfuncional” por depender exclusivamente da compra de imóveis. O novo modelo exigia um pagamento único de pelo menos 200 mil dólares, alargando o leque de opções e tornando o processo mais acessível para investidores.
Uso indevido dos passaportes dourados gera críticas
O contrato da Henley & Partners com São Cristóvão terminou em 2013, mas os programas de cidadania por investimento na região do Caribe continuaram a gerar controvérsia. Vários países caribenhos, incluindo São Cristóvão, têm enfrentado escândalos nos últimos anos devido a alegações de venda de passaportes a preços abaixo dos valores estipulados pela legislação local. Importa destacar que a Henley não está na lista entre as empresas diretamente implicadas nestes casos.
Porém, o nome da Henley e do seu presidente, Christian Kälin, não está isento de acusações graves. Um inquérito parlamentar britânico, conduzido em 2019, revelou que Kälin teria sido a “mão oculta” por detrás da campanha caribenha da empresa de análise Strategic Communication Laboratories (SCL). Segundo o relatório, esta campanha teria influenciado a eleição de 2010 em São Cristóvão, na qual o então primeiro-ministro Denzil Douglas foi reeleito.
O documento parlamentar apontava que Kälin “organizou o financiamento das campanhas com investidores”, com a promessa de que a Henley & Partners obteria direitos exclusivos para gerir o programa de passaportes daquele país. Uma estratégia que, segundo o relatório, ligava política e negócios numa relação suspeita.
Em resposta, a Henley rejeitou todas as acusações, classificando o inquérito como “motivação política” e baseado em “informações falsas”. Sarah Nicklin, porta-voz da empresa, afirmou: “Como demonstrámos exaustivamente com evidências abundantes, todas essas alegações são falsas e sem fundamento.”
Para além destas polémicas políticas, o setor dos vistos dourados enfrenta críticas sérias sobre o seu impacto económico real. Muitos especialistas alertam que os investimentos, frequentemente limitados a pagamentos únicos para fundos soberanos ou aquisições imobiliárias, não promovem crescimento económico sustentável nem beneficiam significativamente as populações locais.
Sarah Kunz, professora especialista em estudos migratórios na Universidade de Essex, explica: “Não é a economia real que se beneficia. Os fundos são geralmente usados para despesas correntes dos governos.” No Caribe, acrescenta, o dinheiro gerado por estes programas é muitas vezes canalizado para responder a desastres naturais ou para pagar dívidas internacionais — medidas de curto prazo que não transformam a estrutura económica.
Outro problema do setor é a sua regulamentação insuficiente, que facilita abusos e falta de transparência. Ainda assim, a Henley & Partners continua a liderar a promoção destes programas para investidores de alto poder económico, enquanto outras empresas surgem no mercado, muitas vezes geridas por antigos colaboradores da Henley.
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