Diogo Vieira da Silva, presidente da Variações, explica por que é que Portugal é um mercado com grande potencial de crescimento.
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Variações
Diogo Vieira da Silva, presidente e cofundador da Variações

Os negócios voltados para a comunidade LGBTI+ movimentam a economia (e geram milhões), representando uma oportunidade de crescimento, sob diferentes perspetivas. É, por isso, um mercado em potencial a explorar, com impacto à escala global e local. Além das oportunidades empresariais e de investimento, a inclusão e a diversidade no local de trabalho, por exemplo, “têm sido associadas a maior produtividade, inovação e retenção de talentos. E, cada vez mais, empresas globais estão a perceber que ser LGBTI+ friendly pode oferecer uma vantagem competitiva”, tal como explica o cofundador e presidente da Variações – Associação de Comércio e Turismo LGBTI+ de Portugal, Diogo Vieira da Silva, em entrevista ao idealista/news.

A missão da Variações, criada em 2018, é precisamente ajudar a estabelecer Portugal como um dos principais destinos LGBTI+ da Europa e do mundo. E a importância deste segmento torna-se cada vez mais evidente no país. A 33ª edição da BTL– Bolsa de Turismo de Lisboa, por exemplo, que decorreu de 1 a 5 de março de 2023, na FIL – Parque das Nações, teve pela primeira vez uma área dedicada ao setor LGBTI+, e o objetivo é simples: catapultar Portugal nesta indústria. Prova da dinâmica deste mercado é, também, a realização do EuroPride 2025 em Lisboa, um evento internacional que vai trazer muitos turistas LGBTI+ e ajudará a promover Portugal como um destino LGBTI+ amigável em todo o mundo e a incentivar o desenvolvimento de um turismo mais inclusivo no país.

Diogo Vieira da Silva reconhece muitos avanços nesta matéria, mas garante que é possível tirar mais partido das atividades impulsionadas por esta comunidade. Para o responsável, o grande desafio atual é “trabalhar a oferta, que ainda é escassa para o mercado LGBTI+”. “À primeira vista, isso pode parecer um problema para o país, mas para alguém que seja empreendedor ou empresário, isso pode ser visto como uma oportunidade”, salienta.

O responsável, que faz a coordenação da campanha Proudly Portugal, revela que um dos novos focos de ação é “destacar o país não apenas como um destino turístico inclusivo e acolhedor, mas também como um local propício para investimentos e negócios, bem como um refúgio favorável para nómadas digitais”. Nesta entrevista escrita para o idealista/news, explica de que forma a comunidade LGBTI+ está a impactar a economia global e global, e como é que Portugal pode fazer a diferença neste segmento.

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Foto de Rosemary Ketchum no Pexels

A Variações comemora cinco anos de existência. Em que ponto está este projeto?

A Variações, lançada em janeiro de 2018 por um grupo de empresas e empresários, vem crescendo de forma sustentável e credível. Trata-se da primeira e única organização LGBTI+ em Portugal que tem como foco o impacto e transformação da economia, algo especialmente importante para uma comunidade que enfrenta dificuldades de acesso a oportunidades, tanto laborais como de investimento, apesar da proteção legal existente.

Nos últimos cinco anos, dois deles particularmente difíceis devido à pandemia da Covid-19 que enfraqueceu muitos negócios, especialmente pequenos e históricos da comunidade, a Variações conseguiu crescer. Cresceu tanto a nível de associados - prestes a atingir uma centena - como a nível de projetos e relações internacionais com organizações congêneres.

A Variações integra, tem acordos ou estabeleceu contactos com organizações internacionais como a EPOA - European Pride Organisers Association, a IGLTA - The International LGBTQ+ Travel Association, a The National LGBT Chamber of Commerce dos EUA ou a Câmara de Comércio e Turismo LGBTI+ do Brasil.

Os negócios LGBTI+ friendly continuam a surgir? E em que áreas e zonas?

Não só os negócios LGBTI+ continuam a surgir, como cada vez mais esses negócios estão a transformar-se para se tornarem LGBTI+ friendly.

Observamos novos negócios, frequentemente investimentos de pessoas LGBTI+ que escolhem Portugal para investir ou viver, de Norte a Sul e do litoral ao interior. Se a grande maioria está associada ao turismo, há um surgimento nas grandes cidades de negócios de serviços e animação focados na população LGBTI+ e/ou público geral que aprecia a cultura e animação Queer.

Portugal está a sair do armário e nos próximos anos isso será cada vez mais visível.

De que forma é que a comunidade LGBTI+ está a impactar a economia global? E local? Qual o seu impacto no mercado português? 

A comunidade LGBTI+ tem um impacto significativo na economia global e local, tanto direta quanto indiretamente. Diretamente, estudos têm mostrado que a discriminação contra pessoas LGBTI+ pode resultar numa diminuição do PIB entre 1 a 2%. Isto deve-se a fatores como o capital humano não utilizado e custos mais altos com saúde, resultantes de estigmatização, bullying, discursos de ódio, violência e criminalização.

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Foto de Rosemary Ketchum no Pexels

Indiretamente, a inclusão e a diversidade no local de trabalho têm sido associadas a maior produtividade, inovação e retenção de talentos. Empresas que valorizam e promovem a diversidade tendem a ter um melhor desempenho. E, cada vez mais, empresas globais estão a perceber que ser LGBTI+ friendly pode oferecer uma vantagem competitiva, atraindo talentos, consumidores e investidores que valorizam a igualdade e a inclusão.

A inclusão e a diversidade no local de trabalho têm sido associadas a maior produtividade, inovação e retenção de talentos.

No contexto português, o impacto da comunidade LGBTI+ ainda está a começar a ser reconhecido no mundo empresarial. Portugal já tem legislação progressista, permitindo o casamento entre pessoas do mesmo sexo desde 2010 e a adoção de crianças por casais do mesmo sexo desde 2016. No entanto, o país ainda enfrenta desafios em termos de cultura e atitudes em relação à igualdade LGBTI+ no quotidiano e nos locais de trabalho. Este é um aspeto que as empresas portuguesas terão de abordar se quiserem acompanhar a tendência global de valorização da diversidade e inclusão.

Os líderes empresariais portugueses estão cada vez mais conscientes da importância da igualdade LGBTI+ e começam a fazer movimentos positivos nesse sentido. No entanto, há um longo caminho a percorrer. A adoção de estratégias de diversidade e inclusão eficazes pode trazer benefícios económicos significativos para as empresas e para a economia nacional como um todo, ao mesmo tempo que promove uma sociedade mais justa e igualitária.

Que tipos de atividades estão a ser impulsionadas por esta comunidade? E que público têm, nacional, estrangeiro e de onde?

A comunidade LGBTI+ sempre se destacou pelo empreendedorismo, infelizmente muitas vezes devido à falta de oportunidades no mundo corporativo tradicional. No entanto, temos assistido a uma mudança nesse cenário, tanto por parte das lideranças que reconhecem as vantagens de serem inclusivas para as pessoas LGBTI+ no local de trabalho, quanto dos próprios trabalhadores das empresas, que promovem cada vez mais grupos de colaboradores LGBTI+.

Nesse contexto, o setor de turismo tem sido pioneiro. Por exemplo, a Variações, que integra e participará este ano na Conferência Internacional da IGLTA - International LGBTQ+ Travel Association, tem realizado um trabalho pioneiro ao demonstrar ao turismo global os benefícios de trabalhar com o segmento LGBTI+.

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Foto de Pavel Danilyuk no Pexels

Graças ao seu trabalho, sabemos que os dois principais emissores de turistas LGBTI+ no mundo são, respetivamente, os EUA e o Brasil. Como é percetível, Portugal tem aqui uma oportunidade estratégica que ainda não está a aproveitar completamente. Se, por um lado, temos o mercado norte-americano, que vem descobrindo nosso país, por outro, ainda há mais trabalho a ser feito no Brasil, onde Portugal não está no topo dos destinos LGBTI+.

Para remediar esta situação, a Variações, através da campanha Proudly Portugal, participou este ano na Portugal360 em São Paulo (a maior mostra de Portugal no Brasil), bem como na Parada de São Paulo, o maior evento Pride do mundo.

Portugal continua a ser um destino de turismo LGBTI+ por excelência? Em que medida?

Portugal é seguro, autêntico e acolhedor. Quando a Variações iniciou o seu trabalho, a grande batalha era conseguir comunicar-se com o visitante. Hoje, o desafio é trabalhar a oferta, que ainda é escassa para o mercado LGBTI+. À primeira vista, isso pode parecer um problema para o país, mas para alguém que seja empreendedor ou empresário, isso pode ser visto como uma oportunidade.

Como é que os eventos e festivais LGBTI estão a contribuir para o crescimento económico de determinadas cidades/regiões?

O Porto Pride é um bom exemplo disso. É o evento Pride mais antigo a norte do país, tendo tido a sua primeira edição em 2001. Na época, era realizado a portas fechadas e com cobrança de bilhetes, e foi precursor da transformação da cidade, muito antes da primeira Marcha do Orgulho LGBTI+ da cidade, que só ocorreu cinco anos mais tarde, em 2006, em resposta à trágica morte de Gisberta Salce Júnior, geralmente referida apenas como Gisberta. Desde então, os dois eventos, Porto Pride e Marcha do Orgulho, ocorriam no mesmo dia, no primeiro ou segundo sábado de julho. Contudo, sem justificação pública conhecida, o Porto Pride cessou a sua atividade após o evento de 2012, realizado no Teatro Sá da Bandeira, representando durante anos uma perda para a cidade.

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Foto de RDNE Stock project no Pexels

Em 2019, graças à Variações - Associação de Comércio e Turismo de Portugal, numa tentativa de reafirmar a importância de eventos Pride fora da capital e de descentralizar, o Porto Pride retornou com uma organização reformulada. Passou de um evento privado, realizado a portas fechadas e com cobrança de bilhetes, para um evento gratuito e aberto ao público, realizado num espaço exterior da cidade. Este formato resultou num sucesso inesperado na edição de 2019, onde, no dia 14 de setembro, mais de 10 mil pessoas passaram pela Praça de D. João I, quando a melhor estimativa era de 5 mil.

No nosso plano a longo prazo, apresentado à autarquia, estimamos que, daqui a alguns anos, o evento seja capaz de atrair à cidade mais de 50 mil pessoas e de gerar um impacto económico direto de 200 milhões de euros.

Qual o foco da Proudly Portugal para 2023? Que iniciativas/projetos estão em marcha?

O foco da Proudly Portugal para 2023 é ampliar a sua missão de promover Portugal como um destino acolhedor para a comunidade LGBTI+. Agora, o objetivo é mostrar Portugal como um local ideal para explorar oportunidades de negócios e investimento.

Com a nova campanha, a Proudly Portugal deseja não apenas continuar a apresentar as maravilhas de Portugal para a comunidade LGBTI+, mas também destacar as oportunidades empresariais e de investimento disponíveis no país.

O objetivo é mostrar Portugal como um local ideal para explorar oportunidades de negócios e investimento.

A Proudly Portugal lançou um novo segmento na sua campanha de 2023, que enfatiza o ambiente de negócios e investimento em Portugal. Além disso, mantém um diretório com vários locais amigáveis para a comunidade LGBTI+, que inclui alojamento, restaurantes, bares e clubes.

Portugal também está a tentar estabelecer-se como um destino de referência para nómadas digitais. Em outubro de 2022, o país lançou um novo visto para nómadas digitais, válido por um ano, que permite aos trabalhadores remotos trabalhar em Portugal durante um ano, desde que cumpram os requisitos. Desde então, foram aprovados 200 vistos para nómadas digitais.

Portanto, a Proudly Portugal está ativamente a trabalhar para destacar o país não apenas como um destino turístico inclusivo e acolhedor, mas também como um local propício para investimentos e negócios, bem como um refúgio favorável para nómadas digitais.

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Foto de RDNE Stock project no Pexels

Lisboa vai receber o EuroPride 2025, uma candidatura que foi paga integralmente pela Variações e empresários. Qual será o impacto económico deste evento para o país?

Com grande entusiasmo e uma clara visão estratégica da Variações, da ILGA Portugal, da Rede Ex Aequo e da AMPLOS que se uniram numa única candidatura para trazer o EuroPride 2025 a Lisboa. Este sucesso representa uma vitória para todas as organizações envolvidas e para Portugal como um todo.

Os membros da Variações, uma associação composta por empresários da comunidade LGBTI+ em Portugal, demonstraram um compromisso impressionante com esta causa. No passado, a Variações já mostrou o seu apoio a eventos Pride nacionais, tanto financeiramente quanto por meio de contribuições artísticas. Nesta ocasião, levaram esse compromisso ainda mais longe, investindo mais de 10 mil euros para garantir que a candidatura ao EuroPride 2025 fosse possível.

Acredita-se que o envolvimento da Variações tenha sido crucial para garantir o sucesso da candidatura. Este grupo de empresários mostrou, mais uma vez, a sua disposição para apoiar e promover a diversidade e inclusão, não só por meio de suas palavras, mas também através de suas ações e investimentos.

O risco compensou, e a candidatura permitiu à Variações, juntamente com a ILGA Portugal, a Rede Ex Aequo e a AMPLOS, alcançar a vitória. Assumiremos, portanto, com muito orgulho, a copresidência do EuroPride 2025. Este resultado reforça o papel crucial que estas organizações desempenham na promoção dos direitos e inclusão da comunidade LGBTI+ em Portugal e destaca o potencial de Lisboa como anfitriã incrível para este evento internacional.

O Diogo refere que houve apoio político do governo e da autarquia, mas não houve nenhum apoio financeiro. Porquê? Houve contactos nesse sentido?

Sim, houve contactos nesse sentido. Infelizmente, não conhecemos as razões para a ausência de apoio financeiro.

Portugal voltou a perder posições no ranking anual da ILGA Europa. Por que é que o país não está a avançar em matéria de direitos LGBTI+? O que falta fazer, nomeadamente ao nível das empresas e no cuidado dos trabalhadores e do público a que servem?

Com base no Mapa e Índice Rainbow de 2023, criado pela ILGA-Europe, torna-se evidente que, apesar de um aumento na polarização e na violência no discurso público, especialmente contra pessoas trans, o compromisso político em promover os direitos LGBTI+ está a gerar resultados. Ainda assim, a posição de Portugal, que caiu para o 11º lugar mantendo os mesmos 62% de 2022, é motivo de preocupação. Isto não ocorreu devido a um retrocesso na nossa legislação, mas sim à nossa incapacidade de a desenvolver no que diz respeito à proteção das pessoas LGBTI+.

Quando nos candidatamos ao EuroPride 2025, recebemos apoio político do governo e da autarquia, o que foi muito encorajador. No entanto, infelizmente, esse apoio não se traduziu em apoio financeiro. Poderíamos questionar "porquê?" e "houve contactos nesse sentido?" Não temos uma resposta direta e clara para isso, mas a situação revela uma discrepância entre o apoio político verbal e a falta de compromisso financeiro.

Este cenário levanta a questão do compromisso genuíno com a causa LGBTI+. Sem dúvida, é necessário ir além do apoio político e assegurar que existam recursos financeiros adequados para promover e proteger os direitos LGBTI+. Este é o desafio que nos é colocado, e é onde devemos concentrar os nossos esforços.

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