AT não está a controlar dívidas fiscais dos residentes não habituais, que continuam a beneficiar de descontos no IRS, avisa TdC.
Comentários: 0
Residentes não habituais em Portugal
Foto de Mikhail Nilov no Pexels

O regime de residentes não habituais (RNH) tem dado muito que falar nos últimos tempos, até porque chegou ao fim no início de 2024 tendo sido substituído por outro mais restrito. Este é o seu desfecho, depois de o RNH ter registado o maior número de beneficiários de sempre: contabilizaram-se 114.645 inscritos em 2023, que tiveram uma ‘borla’ fiscal média superior a 11 mil euros. Mas nem todos os beneficiários tinham realmente direito a estes descontos no IRS. O Tribunal de Contas (TdC) revelou que 93 contribuintes usufruíram do estatuto de RNH, apesar de terem dívidas fiscais, “situação que daria origem à suspensão do benefício".

O regime de residentes não habituais (RNH) foi mesmo aquele que representou maior despesa fiscal em IRS durante 2023 (cerca de 62,8% do total), começa por revelar o parecer do TdC sobre a Conta Geral do Estado de 2023, publicado na quarta-feira, dia 2 de outubro.

Em concreto, a despesa fiscal respeitante aos residentes não habituais totalizou 1.297 milhões de euros o ano passado, menos 4,7% face ao ano anterior. Mas houve um recorde de beneficiários: foram contabilizados um total de 114.645 inscritos em 2023, mais 40.387 pessoas do que no ano anterior (+54,4%). Contas feitas, a ‘borla’ fiscal média por cada beneficiário de RNH foi de 11.313 euros neste ano, um valor bem inferior ao registado em 2022 (de 18.314 euros, em média).

O TdC concluiu ainda que só 50 declarações de IRS entregues (de um total de 36.664) representam 20,2% da despesa fiscal deste benefício. Quer isto dizer que o Estado prescindiu de cerca de 262 milhões de euros em imposto sobre o rendimento sob este regime para beneficiar 50 residentes não habituais.

Apesar de o Estado ter reduzido a despesa com o RNH e deste regime ter sido revogado pelo anterior Governo desde o início de 2024, o TdC prevê que a despesa fiscal do RNH “continue a apresentar valores elevados nos próximos anos”. Isto porque o regime de RNH, que dá descontos no IRS, continua a ser aplicável a quem continua inscrito até perfazer um total de 10 anos. Além disso, o RNH também continua a beneficiar quem reunir as condições para aderir ao período de transição, que está disponível para quem tiver assinado um contrato de trabalho ou um contrato de arrendamento até ao final de 2023, por exemplo.

Recorde-se que este benefício foi substituído pelo incentivo fiscal para a inovação e investigação científica, criado pelo antigo Executivo de Costa, e que vai agora ser regulamentado e alargado pelo Governo de Montenegro.

Residentes não habituais em Portugal
Foto de RDNE Stock project no Pexels

Há RNH que apresentam dívidas ao Fisco e não deviam ter descontos no IRS

O que o TdC também concluiu na sua análise é que o Fisco não está a controlar a existência de dívidas fiscais que os residentes não habituais possam ter, “situação que daria origem à suspensão do benefício”. De notar que o regime aplicável aos RNH é automático.

Esta falta de controlo leva a casos em que os sujeitos passivos continuam a beneficiar das taxas de tributação reduzidas previstas no regime (IRS a 20%), mesmo tendo dívidas. No final de 2023, verificou-se que existiam 93 contribuintes enquadrados no regime dos RNH, e a usufruir do respetivo benefício fiscal, mas com processos de execução fiscal por dívidas de impostos no valor de 17 milhões de euros. Quase a totalidade deste valor de dívidas do RNH foi declarado em "falhas" por a AT ter considerado que não havia condições para cobrar a dívida.

Para explicar a ausência de controlo na atribuição dos benefícios fiscais relativos ao RNH, quando os contribuintes têm dívidas fiscais, a AT alega que “este regime não consubstancia um benefício fiscal no estrito sentido” previsto no Estatuto dos Benefícios Fiscais, considerando que, por isso, a sua “base jurídica está assente apenas no Código do IRS”, invocando o próprio regime em si, “inscrição prévia como RNH e aquisição do direito à tributação por determinado regime durante 10 anos”.

Em contraditório, o Ministério das Finanças e a AT reiteraram a interpretação que o regime dos RNH tem "caráter especial e não excecional", ainda que possa comportar "uma vertente extrafiscal”.  Aliás, é a própria orientação da Diretora-Geral da AT, que identifica as normas previstas no Código do IRS sobre o regime dos RNH como “medidas excecionais de desagravamento da tributação”, lê-se no parecer.

No entendimento do TdC  “a não aplicação destes procedimentos de controlo aos RNH gera uma situação de tratamento desigual entre os contribuintes, permitindo que estes continuem a usufruir de benefício fiscal mesmo com dívidas fiscais”. E por isso, recomenda que a AT e ao Ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, que haja uma revisão aos procedimentos de controlo, “por forma a assegurar o cumprimento do que a lei estabelece quanto à não produção de efeitos dos benefícios fiscais dos contribuintes com dívidas fiscais, conforme determina o art. 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais”.

Acompanha toda a informação imobiliária e os relatórios de dados mais atuais nas nossas newsletters diária e semanal. Também podes acompanhar o mercado imobiliário de luxo com a nossa newsletter mensal de luxo.

Ver comentários (0) / Comentar