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O imobiliário continua a dar gás à capital, mas a colocar-lhe, ao mesmo tempo, entraves: há muita procura para pouca oferta. Demoras “absurdas” nos licenciamentos, edifícios desocupados “há décadas” e “bocados da cidade” não urbanizados, são alguns dos problemas identificados pelo economista Pedro Braz Teixeira, em entrevista ao idealista/news. O problema não está, garante, na especulação. Está na falta da oferta, que não acompanhou “de maneira nenhuma” o crescimento do mercado.

Para Pedro Braz Teixeira a autarquia de Lisboa “ainda não fez este diagnóstico” e “por isso não sabe qual é a terapia correta”. O futuro, defende, está nas mãos do município, se vai ou não “assumir que existe um problema que é preciso resolver”.

"Há uma certa contradição entre ter havido políticas públicas para aumentar a procura, e não ter havido políticas para aumentar a oferta”

O economista identifica três razões que justificam o “aumento muito grande da procura”. São eles o desemprego, que está já muito mais baixo – sinal de que a economia está melhor e que há mais pessoas empregadas – , também o turismo, que “se tem intensificado” de nova procura de habitação com o Alojamento Local, e ainda as políticas públicas, referindo-se às campanhas fiscais dos vistos gold e dos residentes não-habituais.

Para Braz Teixeira “há uma certa contradição entre ter havido políticas públicas para aumentar a procura, e não ter havido políticas para aumentar a oferta”.

Preços subiram, mas “não há bolha”

Os preços subiram, garante, porque “houve um grande aumento da procura, uma procura que é real”. Pedro Braz Teixeira entende que é hoje “completamente impensável ficar 12 meses com a casa fechada”. E a explicação é relativamente simples: ninguém vai ter assim um ativo, quando poderá obter dele uma renda (neste momento) elevada. “As casas estão a ser procuradas para serem usadas, portanto há pessoas dispostas a pagar aqueles preços”, defende.

“As casas estão a ser procuradas para serem usadas, portanto há pessoas dispostas a pagar aqueles preços”

Perante isto, considera ser necessário tomar dois modos de comparação no que à “bolha” diz respeito. Uma tem a ver com a pura comparação dos preços atuais com os preços de há alguns anos, “que de facto estão muitos mais altos” e que por isso poderiam conduzir a “falarmos de uma bolha imobiliária”. Outra coisa, ressalva, será a comparação dos preços das casas com o rendimento que se obtém delas.

“As casas valem mais porque produzem um rendimento maior”, refere o economista. Trata-se de uma valorização está assente num fluxo sustentável de pagamentos, pelo que não há “assim um desfasamento tão significativo no preço das casas”.

 Lisboa enfrenta vários problemas

A capital precisa urgentemente de casas. Este é o problema, que está associado a outros que a capital também enfrenta, segundo o especialista. Mais concretamente os muitos “estrangulamentos” do lado da oferta, alguns dos quais “verdadeiramente incompreensíveis”. Pedro Braz Teixeira começa por falar dos licenciamentos, e dos “pretextos absolutamente absurdos” que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) “arranja” para impedir a autorização dos mesmos.

“Os promotores e arquitetos estão anos e anos à espera de um licenciamento, não faz sentido numa sociedade tão carenciada de habitação a câmara ser um dos maiores obstáculos ao aumento da oferta”, diz.

“Esta passividade da câmara em relação a resolver estes problemas julgo que tem a ver, por um lado, com o facto de não ter percebido ainda que o problema é a falta de oferta (...)"

A quantidade de terrenos desocupados dentro do concelho de Lisboa e o número “absurdamente” elevado de prédios em ruínas, há décadas, são outros dois problemas, que poderiam assumir-se simultaneamente como soluções para aumentar a oferta de habitação na cidade. Desocupar quartéis que “não tem função militar nenhuma” seria outra das formas de o fazer, sugere.

“Esta passividade da câmara em relação a resolver estes problemas julgo que tem a ver, por um lado, com o facto de não ter percebido ainda que o problema é a falta de oferta, acha que é um problema de especulação, que não é... houve um grande aumento da procura e portanto para responder a isso é preciso aumentar a oferta”, afirma.

Entrecampos, um caso de “falta de consciência”

O especialista dá o exemplo dos terrenos da antiga Feira Popular, há 15 anos desocupados, “que continuam por construir”. A seu ver trata-se de um caso paradigmático “da falta de consciência da câmara” do problema na cidade.

“Não se compreende que terrenos que são da câmara, que a câmara tem a responsabilidade de dizer o que se pode construir ali, que a câmara diga que só 30% do que se vai construir em Entrecampos é para habitação”, argumenta o economista, referindo que aquela é uma zona já muito congestionada com o trânsito, pelo que a implantação de “mais escritórios” significará pedir mais carros para dentro de Lisboa e afastar ainda mais a população para as periferias.

Travar AL e investimento estrangeiro não é solução

Já o Alojamento Local (AL) é um problema que considera localizado dentro da capital. Vê com bons olhos a limitação das casas para turistas nas freguesias centrais, até porque “às tantas temos uma descaracterização da cidade”, mas também sublinha o facto de as “pessoas terem de pensar que não podem todas querer morar nestes bairros”.

Pedro Braz Teixeira frisa, por outro lado, a importância de se cultivar um “quadro estável” no país, e que não se alterem as condições com as quais se atraem os investidores. Dá a título de exemplo o caso dos vistos gold, para explicar que a instabilidade das políticas é uma das “críticas maiores” que os investidores fazem a Portugal.

O economista alerta que uma saída em massa dos investidores seria uma “coisa terrível a todos os níveis”, até porque Portugal necessita de “volumes enormes de investimento” para satisfazer as necessidades atuais em termos de habitação. “Quanto mais financiadores obtivermos para isso, melhor”, conclui.

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