A febre da reabilitação urbana veio para ficar em Portugal. Uma tendência que está a dar uma nova vida aos centros históricos de Lisboa e Porto, por exemplo. Mas nem tudo são boas notícias, havendo especialistas a alertar para o facto de haver má qualidade nessa mesma reabilitação.
“Em Portugal, especialmente nas zonas urbanas de maior densidade, uma parte significativa da reabilitação urbana que está a ser feita, não passa de uma operação de ‘cosmética’ barata”, disse César Neto, presidente da Associação dos Industriais da Construção de Edifícios (AICE), citado pelo Jornal Económico. Uma opinião, de resto, que já tinha sido partilhada pelo arquiteto Eduardo Souto de Moura.
Segundo César Neto, excetuando os projetos de investimentos elevados, pertencentes a clientes institucionais, a propriedade pública e outros, cujos promotores ou investidores praticam uma responsabilidade ética e jurídica na sua atividade, as práticas na reabilitação urbana não são na generalidade boas.
Uma preocupação partilhada por Vítor Cóias, presidente da GEcORPA, o Grémio do Património. De acordo com o especialista, a reabilitação está a ser comandada pelo negócio imobiliário e, em consequência, pensada sobretudo no curto prazo, sem grandes preocupações quanto à durabilidade e, muitas vezes, quanto à segurança estrutural. “Isto é particularmente grave nas zonas sísmicas do país, que abrangem toda a metade sul, com particular incidência nos estuários do Tejo e do Sado e no Algarve. As boas práticas de reabilitação não estão suficientemente difundidas, apesar do conhecimento necessário estar disponível”, adiantou.
Há boas práticas, mas…
Também o arquiteto Paulo Moreira, especialista em reabilitação urbana, considera existirem boas práticas, mas frisou que estas representam uma ínfima fração daquilo que está a ser feito. “As práticas comuns são, por um lado, destruir para fazer de novo, por vezes mantendo as fachadas, outras vezes nem isso, ou, por outro lado, ‘remediarem-se’ os edifícios antigos com materiais novos que escondem as patologias construtivas. Normalmente, este último tipo de intervenção não tem qualquer qualidade e tem um aspeto falso”, assegurou, citado pela publicação.
Uma opinião, de resto, partilhada por José Rui Meneses e Castro, Partner da MAP Engenharia, especialista em projetos de reabilitação. Para o responsável, há boas práticas na reabilitação urbana em Portugal, o mais negativo nesta tendência é a sistemática necessidade de manter as fachadas existentes. Seria mais eficaz preservar a arquitetura, realizando um levantamento detalhado das fachadas e garantindo que a reconstrução das mesmas cumpre na íntegra a estética da anterior, referiu.
Lei é pouco clara
Segundo César Neto, a lei não é clara no que diz respeito à reabilitação urbana, que só se tornou uma realidade massificada há uma dúzia de anos. Até lá, toda a legislação, hábitos e negócios eram pensados para as obras chamadas de ‘raiz’.
Vítor Cóias vai mais longe e revela que os arquitetos, os engenheiros e os construtores desconhecem os materiais e processos construtivos anteriores ao betão armado, que se tornou rei nas universidades e nos empreiteiros a partir dos anos quarenta.
Segundo o presidente da GEcORPA, o regime jurídico da urbanização e da edificação, o decreto lei DL n.º 555/99, de 16 de dezembro, precisa de ser totalmente revisto: “Foi pensado para a construção nova e é hoje uma manta de retalhos. A última vez que contei, já ia em 16 versões”.
Também o arquiteto Paulo Moreira disse estar preocupado com esta situação. “É difícil conciliar a legislação em vigor com a prática da reabilitação para comércio, serviços e indústria. Note-se que a lei do regime excecional para a reabilitação de edifícios (Decreto-Lei nº 53/2014) está vocacionada para a habitação, ou seja, é como se o comércio e a indústria não encaixassem na estratégia de reabilitação urbana das cidades. Essa é uma das razões, não a única, pelas quais temos hotéis a destruir totalmente edifícios antigos”, explicou.
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