
"Voltar a casa sem pensar... Deixar a luz entrar... Sem ter medo". A casa, sempre a casa. O porto de abrigo, o refúgio, o ninho, o berço, o tudo. Na música de Rodrigo Leão. E sempre. Ainda mais agora na pandemia, ao ganhar novas formas de expressão. Passou a ser o lugar onde se vive, trabalha e estuda, onde as nossas histórias são escritas. Onde construímos e guardamos (ainda mais) memórias. “As casas têm de contar o que somos” e revelar a nossa essência, acredita Inês Meneses, radialista há mais de 30 anos e que recentemente tem-se tornado uma influência pelas partilhas que faz da sua casa no Instagram. O idealista/news falou com ela e, segundo diz, a importância está nos detalhes, “porque no detalhe se esconde a beleza menos óbvia que ajuda o todo a ser mais forte”.
Inês Meneses começou numa rádio-pirata, na década de 80, com apenas 16 anos, e é uma das maiores vozes da rádio portuguesa. É jornalista, escritora, mas sobretudo uma grande comunicadora: faz há 15 anos o programa de entrevistas “Fala com Ela” (primeiro na Radar e agora na Antena 1) e “O Amor É”, ao lado do psiquiatra Júlio Machado Vaz. Os microfones fecharam-se dentro de quatro paredes, por causa do confinamento, mas a radialista manteve a porta aberta a novas conversas. A partir da sua sala, continuou a trabalhar e a escrever num “cenário luminoso”, com a certeza de que nos dias mais turvos os detalhes fazem toda a diferença: “O que escolhermos comer, ver, beber”.
"Fiz obras recentes. Há sempre um detalhe que ainda não está perfeito e é isso que me faz ter uma vontade permanente de mudar. Deslocar objetos, peças. Dar outra forma às coisas. A nossa capacidade de espanto nunca acaba"
Sentir-se em casa a fazer rádio, para passar a fazer rádio em casa. Em entrevista ao idealista/news, Inês Maria Meneses conta que o papel do “universo” casa saiu reforçado com a pandemia da Covid-19, sentindo-se grata pela possibilidade de fazer o que mais gosta a partir do seu espaço. “Passei a trabalhar aqui (em casa), fiz dela ainda mais minha, cuidei dela mais ainda. As casas retribuem-nos tudo”, partilha.
A casa de Inês Meneses respira histórias, vive de manhãs luminosas, de música e de brindes. Na sua página de Instagram, a radialista leva-nos numa viagem a este seu “mundo”, partilhando detalhes decorativos e vários objetos que a apaixonam, mas também muitas frases inspiradoras do “Caderno de Encargos Sentimentais”, um livro que reúne algumas das reflexões e pensamentos soltos que foi escrevendo ao longo dos anos no Facebook. Acredita que a casa é uma fonte de inspiração todos os dias e devemos valorizá-la cuidando dela, “fazer dela mais um de nós”, arriscando e deixando o caráter utilitário para depois. Maiores ou mais pequenas, a radialista tem a certeza que a essência não se mede por metros quadrados.
Há quanto tempo vive nesta casa, porque a escolheu e como a descreveria?
Há 11 anos. Quando a vi percebi que tinha de ser minha. Houve poucas certezas assim. Esta materializou-se. É luminosa, ampla e deixou que eu a habitasse. Coubemos no mesmo molde. Vejo-a como um prolongamento meu.
O que é que não pode faltar na sua casa?
Flores. Beleza nos detalhes. Vinho.

A pandemia tornou a casa no centro da vida. Pequenas ou grandes, são formas de expressão. Que importância tem o universo “casa” na sua vida?
Foi reforçado com a pandemia. Passei a trabalhar aqui (em casa) fiz dela ainda mais minha, cuidei dela mais ainda. As casas retribuem-nos tudo.
Faço rádio neste cenário luminoso.
Como viveu estes tempos de confinamento? Como foi teletrabalhar e relacionar-se consigo mesma, com os seus conviventes e o mundo exterior?
Sentindo-me grata pela possibilidade de aqui estar. De cozinhar para os meus. De trabalhar e escrever com a luz a entrar. E nos dias mais turvos procurei fintar a tristeza que vinha de fora precisamente com detalhes que fazem toda a diferença: o que escolhemos comer, ver, beber. Brindar.
Sentiu necessidade de mudar ou acrescentar algo em casa neste período? Há algo que ainda queira fazer?
Fiz obras recentes. Há sempre um detalhe que ainda não está perfeito e é isso que me faz ter uma vontade permanente de mudar. Deslocar objetos, peças. Dar outra forma às coisas. A nossa capacidade de espanto nunca acaba.
Percebemos, pelas imagens que vai partilhando nas redes sociais, que é uma apaixonada pela decoração, mas sobretudo pelos detalhes. É mesmo assim? E porquê?
Porque no detalhe se esconde a beleza menos óbvia que ajuda o todo a ser mais forte. Gosto das pessoas que prezam o detalhe: revela muito delas.

Partilha também muitas frases inspiradoras do Caderno de Encargos Sentimentais. Como surgiu a ideia de lançar este projeto?
Um dia o Rui Vilar Gomes (um amigo) disse-me: “Se editasses aquilo que vais escrevendo no Facebook, eu comprava”. Ora o Rui tem muito bom gosto e achei que se ele o dizia então teria de avançar. E o processo foi rápido. Falei com as minhas amigas da Lavandaria (Atelier de Design) e pusemos a edição de autor em marcha. Fizemos três que esgotaram rapidamente. E depois surgiu a Bertrand interessada em fazer chegar o Caderno a mais gente e cá estamos com mais de 5 mil livros vendidos.
As frases já passaram do papel para quadros. Com quais escreveria as paredes de sua casa?
As serigrafias também feitas pela Lavandaria surgiram como pequenos mantras que as pessoas partilhavam e depressa se espalharam, esgotaram. "Não junto dinheiro mas coleciono memórias das noites em que fui infinitamente feliz a dançar"; "Se não chegas ao coração dos outros, como queres chegar a algum lado?"; "As manhãs luminosas são como as pessoas boas: valem por um ano inteiro". Tudo isto são contemplações ou reflexões que passaram ao papel e de repente estão também na casa dos outros. Uma ideia feliz de que a mensagem, as mensagens foram espalhadas.
Cá em casa moram todas espalhadas pela casa. Acho que a mais importante é a do coração. No fundo se não consegues tocar os outros de que te serve tudo o resto?

Diz-se que vivemos numa espécie de indústria do 'fast fashion' feita de casas de “catálogo”, despersonalizadas. Concorda? O que faz uma casa ter alma?
Como em tudo o que fazemos com amor (o que fazemos de coração) é entregar tudo de nosso. Não ter medo do risco. Ousar. Penso que as pessoas têm uma espécie de preguiça e seguem modelos que não as obrigam muito a pensar. A questão não é económica muitas vezes: é falta de apreço pelo que se tem. Lembro-me sempre da história de alguém que se desfez das peças (de design antigas) do avô que as colecionou décadas para depois ir comprar móveis de uma cadeia internacional.
“As casas têm de contar o que somos”? De que forma?
Deviam revelar a nossa essência. Gosto que se entre aqui em casa e se possa dizer: “És tu”.

Tem algum estilo/tipo favorito? Quadros? Móveis? Cerâmicas... Onde compra? Novo ou vintage?
Compro muito vintage. Sou muito fascinada por peças do passado como a Secla, as louças de Alcobaça, Aleluia, Bordallo. E claro que gosto muito da elegância dos nórdicos. Esses descobriram a elegância há muito tempo.
Há algum espaço/objeto da casa que sejam os “preferidos”?
Há uma 'cadeira verde barbearia' de madeira onde se devem ter cortado muitos cabelos. Gosto da colecção de jarras. Gosto da sala onde entra a luz que me dá força.

“Manhãs luminosas, pessoas boas, flores bonitas”. Faz-se o pleno assim?
Faltam só os brindes: à saúde, ao amor e à beleza!
Guardou muitas “caixas de lata (douradas) com flores que traziam chocolates ou bolachas” e que depois eram utilizadas para outras coisas? Reutilizar é palavra de ordem para si?
Não guardei mas elas foram o princípio do meu fascínio por coisas mais antigas. Reutilizo sim. E muitas das peças que me fascinavam em criança estão aqui em casa. Viajaram da infância para esta outra vida.
As casas são como os cheiros, ajudam a construir memórias? Como sente que podem os espaços influenciar as nossas vivências?
Repare, hoje em dia até a rádio faço de casa. Já me sentia em casa a fazer rádio mas agora estar aqui é fonte também de inspiração. E não parecendo todos os dias podem ser diferentes mesmo em tempo de pandemia.

Ouve muita música em casa? Qual foi a banda sonora neste período de pandemia? O livro? O filme e a série?
Ouço todos os dias. Agora mesmo estou a ouvir. Faço playlists para os amigos e que depois replico na cozinha, na sala, na casa de banho, no quarto. A minha última playlist (no Spotify) chamada “Uma ternura confusa” é a que mais tenho ouvido. Acho que traduz um sentimento bom qualquer.
Séries: tantas! Gostei da 4ª temporada do The Crown (não vi as outras por embirração, confesso). Ainda agora vi um filme belíssimo chamado “O Ninho” (uma sugestão do Pedro Mexia). Voltei aos poemas do livro “Misteriosamente feliz” de Joan Margarit que morreu recentemente.
Por que é que as flores secas são fotografias guardadas para sempre?
Nelas está cristalizado um momento. Vários. Tenho-as aqui e vejo muito para além do que a jarra permite.

“Há muitas vezes paz quando se fecha a porta de casa”. De que forma podemos (e devemos) valorizar a nossa casa?
Cuidando dela. Fazer dela mais um de nós. Não a reduzir ao caracter utilitário. Mesmo uma casa pequenina pode estar cheia de detalhes. De encanto. E revelar-nos a tal essência (que não se mede em metros quadrados).
A pandemia fez despertar a necessidade e a vontade de muitos mudarem de casa. Sente o mesmo? Qual seria a sua casa ideal?
Esta é a minha casa ideal. Talvez um dia ter uma cabana no campo. Por agora sou misteriosamente feliz aqui.

Para poder comentar deves entrar na tua conta