A casa para os pais tornou-se o cartão de visita do jovem arquiteto. Um projeto honesto, sensível e atento à materialidade.
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João Completo recebeu-nos em casa dos seus pais em Palmela: discreta, acolhedora e cheia de pormenores fascinantes. Este projeto funcionou como obra inaugural e laboratório prático. João conseguiu que fosse uma imagem da essência do seu trabalho: uma arquitetura material, sensível à experiência do utilizador e rigorosa na construção. Aqui, foi não só arquiteto, mas também gestor da obra, encarando de frente os desafios da construção e as limitações orçamentais. Para o arquiteto, esses constrangimentos não foram obstáculos, mas sim premissas que ajudaram a definir uma linguagem própria: uma arquitetura que nasce da escassez, mas que nunca abdica da autenticidade e da qualidade.

Estudou arquitetura na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa e, em regime de intercâmbio, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Em 2016, integrou a equipa dos SAMI-Arquitectos, onde permaneceu até 2022. Em 2024, deu início ao seu percurso a solo com a fundação do estúdio Cimbre.

Tem sido um caminho que responde ao seu fascínio pelo processo criativo, pela capacidade de imaginar algo que ainda não existe e transformá-lo numa presença concreta, com impacto real na vida das pessoas. Seja na música ou num edifício.

Cimbre João Completo
Casa Arrábida Cimbre

Quando decidiu seguir arquitetura, havia já alguma ligação familiar à área?

Na verdade, não. Não havia nenhum arquiteto, nem direto nem indireto, na minha família. O único contexto que poderia apontar como influência foi o meio cultural em que cresci, através de amigos dos meus pais ligados às artes, sobretudo à música. O que me levou à arquitetura foi mesmo o entusiasmo pelo processo criativo – essa ideia de imaginar algo que ainda não existe e depois materializá-lo. Sempre me fascinou. E é isso que continua a motivar-me hoje: essa possibilidade de criar algo tangível que possa ter um impacto positivo na vida das pessoas.

Qual foi o seu percurso até abrir o próprio atelier?

Estudei na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa e participei num intercâmbio com a Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, no Brasil. Depois disso, comecei a trabalhar nos Sámi Arquitetos, um pequeno escritório com cinco pessoas, onde estive durante cinco anos. Foi uma experiência decisiva para aquilo que sou como arquiteto. Mais recentemente, decidi iniciar a minha aventura a solo. O meu atelier tem apenas alguns meses de existência, e esta casa onde estamos é, de certa forma, o meu cartão de visita. Foi o primeiro projeto em nome próprio, e está agora acompanhada de outros, sobretudo ligados à reabilitação de edifícios no centro histórico de Palmela.

Esta casa foi projetada para os seus pais. Que influência teve esse facto no resultado final?

Teve uma influência enorme. Conhecer tão bem os "clientes" permite um grau de personalização raro. Consegui pensar o espaço à medida das suas necessidades. Por exemplo, uma das premissas principais foi a separação clara entre os espaços íntimos: o quarto principal está num extremo da casa e os outros dois quartos noutro, garantindo independência. A sala funciona como ponto de encontro. A definição do espaço partiu essencialmente das dinâmicas da família, antes mesmo das intenções formais ou estéticas.

Pormenor João Completo
Cimbre

Quais têm sido os principais desafios de gerir um atelier próprio, sobretudo numa fase tão inicial?

Um dos maiores desafios foi a experiência de assumir a gestão direta da obra, além da conceção do projeto. Fui também o empreiteiro desta casa, o que me permitiu ter um conhecimento muito mais profundo da construção. Isso revelou um problema com que muitos se deparam: a escassez de mão de obra qualificada. Esta realidade afeta diretamente a execução das ideias dos arquitetos. Torna-se, por isso, necessário adaptar os projetos a essa realidade – o que pode ser uma dificuldade, mas também uma oportunidade para pensar de forma diferente.

A questão orçamental é um entrave ou uma oportunidade no seu processo criativo?

Diria que é ambas. Os custos da construção subiram tanto que, por vezes, certas soluções deixam de ser viáveis. No caso desta casa, a gestão direta da obra foi o único modo de viabilizá-la com os padrões de qualidade que desejava. Mas essa limitação obriga-nos a ser mais criativos. Muitos arquitetos mais jovens estão a desenvolver uma linguagem própria precisamente porque incorporam essas restrições – de orçamento e de execução – como premissas do projeto. Já não se trata apenas de adaptar depois; é preciso projetar desde o início com isso em mente.

Consegue identificar elementos nesta casa que revelem a sua linguagem enquanto arquiteto?

Sim, embora esta casa tenha especificidades que talvez não se repitam noutros projetos, há aqui uma intenção clara: a materialidade como protagonista. Quis que o espaço fosse tátil, com materiais autênticos, com uma certa crueza que o tornasse real. O betão, a madeira, o zinco – tudo foi escolhido para dar uma presença forte à matéria. Isso é algo que me é muito caro e que gostava de explorar noutros projetos, mesmo sabendo que nem sempre será possível ou economicamente viável. A materialidade não pode ser decorativa; tem de estar ao serviço da vivência do espaço.

Casa Arrábida João Completo
Casa Arrábida Cimbre

A sustentabilidade também está presente neste projeto. De que forma?

Sim, absolutamente. Aqui, a durabilidade foi um princípio: materiais com pouca manutenção, como o betão ou o zinco, janelas com revestimento de alumínio… tudo pensado para resistir ao tempo. Além disso, o aproveitamento da orientação solar foi fundamental. A casa está virada a sul, o que permite aquecimento natural no inverno, e a cobertura projetada cria sombra no verão. Isso reduz drasticamente a necessidade de climatização. É uma abordagem discreta à sustentabilidade, mas eficaz.

No futuro, que projetos gostava mesmo de vir a realizar?

Neste momento estou envolvido em projetos de reabilitação no centro histórico de Palmela, que me interessam muito, apesar de serem bastante diferentes desta casa. São desafios distintos, com exigências específicas e uma relação muito particular com o património. No futuro, gostava de continuar a trabalhar em habitação unifamiliar, mas também de explorar edifícios públicos. A diversidade de programas permite-nos crescer como arquitetos. Gostava de continuar a experimentar e a procurar novas linguagens, sempre com foco na vivência e na honestidade da arquitetura.

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