A magia de explorar locais consumidos pelo tempo. A história de Daniel Pereira, um jovem estudante de 17 anos amante de ‘Urbex’.
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Lugares abandonados
Créditos: Daniel Pereira

Lugares mágicos, insólitos, mas também inquietantes. Por que é que os locais abandonados suscitam tanto interesse? Desde profissionais a curiosos, a “moda” de fotografar casas, castelos, palácios, igrejas, fábricas ou escolas do antigamente veio para ficar. Chama-se ‘Urbex’ (exploração urbana, em português) e tem conquistado muitos adeptos – e as redes sociais, claro. Daniel Pereira, natural de Lisboa, é um exemplo. Este jovem estudante de 17 anos dedica-se nos tempos livres a captar imagens de lugares intemporais espalhados pelo país, muitas vezes escondidos ou de difícil acesso - cativando cada vez mais seguidores. Explicou em entrevista ao idealista/news o que é que tanto o apaixona neste mundo.

A premissa do ‘Urbex’ é simples: explorar lugares perdidos no tempo, mas deixando-os intactos, tal qual como foram encontrados. Até porque o sucesso desta moda tem um preço, e para evitar o vandalismo dos espaços, é preciso, na maior parte das vezes, manter as localizações em segredo. Há exploradores urbanos interessados na vertente histórica, no antigo e abandonado, e para outros a motivação está, também, no risco, e na natureza do proibido Em qualquer caso, a fotografia permite atravessar fronteiras para registar estes espaços consumidos pelo tempo, mantendo-os intactos à passagem do futuro.

Casas abandonadas
Créditos: Daniel Pereira

Daniel Pereira nasceu, cresceu e vive em Lisboa e está no 12.º ano, na área de Ciências e Tecnologias. É um amante de fotografia e basta visitar o seu perfil no instagram para perceber porquê. Onde muitas pessoas veem um edifício abandonado, Daniel vislumbra a “beleza do decadente” e já visitou mais de 300 locais. Conta que esta ideia “surgiu de um dia para o outro” e tudo começou em 2012, quando, numa viagem a Coimbra, se proporcionou a visita uma quinta abandonada com uma enorme casa brasonada. Depois, e nos passeios regulares por Sintra com o pai, também passou a prestar cada vez mais atenção a algumas ruínas e a tirar fotografias.

O fascínio foi crescendo, e em 2017, após uma exploração no Palácio da Comenda (Setúbal), começou a levar este hobby mais a sério, criando páginas dedicadas ao tema nas redes sociais, além de um canal no YouTube. Diz adorar os “detalhes arquitetónicos deveras incríveis” destes locais; o “famoso ‘decay’”, isto é, quando existe um avançado estado de degradação dos edifícios, muitas vezes já com a natureza a entrar pelas portas e janelas; mas também as memórias deixadas para trás, até porque “há locais que são autênticas cápsulas do tempo”.

Mas, afinal, como é processo de descoberta de lugares abandonados? E o que é que se pretende transmitir com as fotografias? É arriscado visitar estes espaços? Daniel Pereira responde a estas e outras questões numa entrevista escrita ao idealista/news que agora reproduzímos na íntegra.

Explorar locais abandonados
Créditos: Daniel Pereira

A fotografia surgiu quando na tua vida? Como um hobbie?

Foi por volta dos onze anos, quando tive o primeiro telemóvel com câmera, que comecei a tirar algumas fotos, apenas por piada. Ao longo do tempo fui vendo que a fotografia era algo de que gostava e, por isso, comecei a fazê-lo com maior frequência, tentando sempre ir melhorando, o que me levou, mais tarde, a adquirir uma DSLR. Apesar de gostar de fotografar em geral, foi sobretudo o ''Urbex'' que me aproximou da fotografia.

Como e quando é que começou o projeto abandoned_explorer?

Esta ideia de explorar locais abandonados não surgiu de um dia para o outro. Arrancou como uma brincadeira e foi evoluindo até se tornar num hobby levado mais a sério. Tudo começou em 2012, quando, numa viagem a Coimbra, se proporcionou a visita uma quinta abandonada com uma enorme casa brasonada que calhava em caminho, na qual entrámos, apenas pela curiosidade de ver como era. Anos mais tarde, durante passeios de bicicleta regulares por Sintra com o meu pai, cruzávamo-nos com algumas ruínas que me despertavam curiosidade, pelo que começámos a entrar nelas e tirar algumas fotografias.

Urbex
Créditos: Daniel Pereira

Foi nessa altura que, ao pesquisar pela quinta que visitara em 2012, descobri que existiam vários grupos e páginas na Internet de partilha de fotos e vídeos destes locais. Comecei então a publicar algumas das fotos que ia tirando e foi quando, ao descobrir a grande quantidade de fantásticos lugares abandonados existentes neste mundo do ''Urbex'', alguns deles autênticas cápsulas do tempo, do que, até ao momento, não tinha noção, fiquei ainda mais fascinado pelo tema. Foi em 2017 que, após uma exploração no Palácio da Comenda, comecei a levar este hobby mais a sério, levando-me a criar as minhas páginas dedicadas ao tema nas redes sociais bem como a publicar o primeiro vídeo no meu canal no YouTube.

Podes explicar o conceito de ‘Urbex’?

O ‘Urbex’ (abreviatura de Urban Exploring ou, em português, Exploração Urbana) consiste em explorar locais que se encontram ao abandono e registá-los em fotografia ou vídeo, tentando sempre mantê-los o mais intocados possível, ou seja, deixá-los tal como quando os encontrámos.

Como é que descobres estes locais? Deve envolver um grande processo de pesquisa...

A busca destes locais não é de todo um processo simples e rápido. Muitas vezes é preciso ''correr'' o Google Maps durante longos períodos de tempo numa certa zona à procura de telhados velhos ou terrenos com vegetação que aparenta não ser cuidada há muito tempo, para fazer uma lista de locais a ''checkar'' pessoalmente, mais tarde numa deslocação  até aos mesmos.

A busca destes locais não é de todo um processo simples e rápido. Muitas vezes é preciso ''correr'' o Google Maps durante longos períodos de tempo

Já tem acontecido no caminho até a um sítio cruzar-me com outros abandonados igualmente interessantes, pelo que procurar no terreno também não é uma má ideia. Outras vezes, faz-se a partilha de localizações de forma privada, entre amigos que partilham da mesma paixão.

O que é que te atrai nos lugares abandonados?

O que me atrai neste tipo de locais é sobretudo a beleza do decadente, já que é também possível encontrá-la em sítios completamente arruinados, à partida sem qualquer interesse para quem os olha superficialmente. Adoro três coisas nestes lugares: a arquitetura, há locais com detalhes arquitetónicos deveras incríveis; o famoso ''decay'', quando existe um avançado estado de degradação dos edifícios, muitas vezes já com a natureza a entrar pelas portas e janelas; as memórias deixadas para trás, há locais que são autênticas cápsulas do tempo, onde foram deixados literalmente todos os pertences no interior, remetendo para o tempo em que foram habitados.

Lugares em ruínas
Créditos: Daniel Pereira


O que pretendes transmitir com as fotografias destes locais?

Para mim, desde a exploração dos locais à captura de fotos e vídeos, isto é a minha paixão. Faço-o por gosto. Depois, ao publicar este conteúdo, procuro sobretudo três coisas: dar a conhecer o meu trabalho sobre estes locais, desconhecidos na sua maioria pelo público em geral; preservar de certa forma uma memória dos mesmos, já que há locais realmente fabulosos mas que não duram para sempre, seja por serem vandalizados, demolidos, incendiados ou qualquer outro motivo, pelo que um dia irão desaparecer ou pelo menos deixar de ser como os conhecemos; mostrar que é também possível encontrar beleza no decadente.

Não só fotografas, como fazes vídeos. Todo o conteúdo é feito por ti?

Todo o conteúdo que publico, tanto fotos como vídeos, desde a captura à edição, é produzido única e exclusivamente por mim.

Ir a estes locais pode ser arriscado? Deve haver espaços muito degradados...

Por vezes é preciso correr riscos para ter uma boa foto e no ‘urbex’ esses riscos não são poucos. Diria que os dois principais são o facto de o chão que se pisa ou mesmo a própria estrutura dos locais nem sempre estar nas melhores condições (por vezes dão-se acidentes e já não seria a primeira vez que alguém se metia pelo chão a dentro) e estar-se em propriedades alheias, onde à partida não é permitido estar e onde nunca sabemos quem vamos encontrar.

Consegues dizer-nos a quantos edifícios abandonados já tiraste fotos?

Não os tenho a todos contabilizados, até porque há sítios às vezes tão pequenos ou com pouco interesse do ponto de vista fotográfico que acabo por nem guardar a localização, mas, dos que contei, já visitei quase 300.

Há algum edifício que se tenha destacado ao longo deste tempo?

Acho que todos os locais me marcam, cada um à sua maneira, seja pela exploração em si, pelas peripécias que ocorrem, ou mesmo pelo próprio ambiente, tanto que, quando me perguntam qual é o meu sítio preferido, fico sem resposta. Adoro as três coisas que mais me fascinam, mencionadas anteriormente, e sem dúvida que é fantástico encontrá-las a todas conjugadas num mesmo local, mas, entre os vários em que isto se verifica, ou não, é difícil gostar-se mais de um do que de outro, já que cada local é único.

Fotografia urbana
Créditos: Daniel Pereira


Há algum um episódio curioso que já se tenha passado?

Episódios curiosos há vários. Cada exploração é uma aventura única, mas, lembrando algumas dessas situações, já aconteceu desde estar a explorar uma quinta abandonada e de repente ouvir os passos de alguém a entrar no andar de baixo da casa e ter de sair sem chegar a ver quem era para evitar chatices, ou estar a sair de uma casa completamente em ruínas no meio do campo e cruzar-me com um pastor e o seu rebanho, mas que compreendeu o facto de estarmos ali apenas com o intuito de fotografar, a capturar atividade paranormal.

Aconteceram ainda dois episódios com touros: o primeiro, numa antiga estação de rádio do tempo da guerra fria, um dos exploradores que estava comigo tinha uma mochila vermelha às costas e, quando já estávamos de saída, os touros que andavam à solta na propriedade (só reparámos minutos antes) decidiram vir atrás de nós, pelo que tivemos de sair a correr. E o segundo deu-se numa antiga quinta no norte do país. Num dia de ‘urbex’ tínhamos deixado aquela quinta para o final do dia e, dadas as suas dimensões, quando saímos já era de noite. Descobrimos, apenas depois de estarmos lá dentro, que havia touros à solta na propriedade, pelo que tivemos de atravessar todo um campo de milho, às escuras, enquanto fugiamos dos animais.

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