A garantia pública do crédito habitação para os jovens já está em vigor. Mas este novo apoio do Estado, que possibilita financiamento bancário a 100%, só deverá estar operacional no final do ano. Neste compasso de espera, o Banco de Portugal (BdP) tem reforçado a ideia que é preciso “cautela” na adesão à garantia pública, sublinhando que aumenta o risco de incumprimento dos jovens, o que poderá significar uma subida das taxas de juro. E, por isso mesmo, deixa várias recomendações aos bancos na concessão de empréstimos com a garantia pessoal do Estado.
Os jovens até aos 35 anos que não conseguiram poupar para dar uma entrada no crédito habitação de 10% ou 15% vão poder aceder à garantia pública, que possibilita financiamentos bancários a 100%. Assim, esta medida vem contornar a regra macroprudencial do BdP que determina que o empréstimo da casa concedido não pode ir além do valor mais baixo entre o preço da casa e o da avaliação bancária. Mas todas as outras regras são para manter, como é o caso da taxa de esforço limitada a 50% do rendimento e os prazos de pagamento do crédito consoante as idades dos mutuários.
Assim, “a garantia permite à instituição emprestar um montante superior face ao que poderia disponibilizar, para a mesma avaliação do imóvel”, caso fosse aplicado um limite de financiamento máximo de 90%. “Desta forma, o montante em dívida será maior e, os juros a pagar em cada prestação serão também superiores”, explica o BdP num conjunto de perguntas e resposta sobre a nova medida do Governo da AD.
O regulador português deixa um exemplo para clarificar como a garantia pública jovem aumenta não só a prestação da casa, como também os juros pagos no final do contrato, tento por base a compra de uma casa de 100 mil euros, com prazo de 40 anos, com uma taxa de juro fixa de 4,85%:
- Financiamento a 90%: a prestação da casa para um crédito de 90 mil euros será de 425,13 euros mensais e o montante global de juros de 114.064 euros;
- Financiamento a 100% com garantia pública: a prestação da casa sobe para 472,37 euros (mais 47,24 euros por mês). E, no final do contrato, o jovem terá pagado um montante de 126.738 euros (mais 12.674 euros de juros do que pagaria na situação anterior).
É neste contexto que o BdP, liderado por Mário Centeno, avisa que “atendendo a que o montante do empréstimo aumenta, o risco de incumprimento do devedor também aumenta”. E alerta que a garantia pública do crédito habitação não significa que o Estado paga a dívida total. “Em caso de incumprimento do contrato de crédito, o Estado paga à instituição, em substituição do devedor, um montante até 15% do capital inicialmente contratado, de acordo com o valor da garantia prestada”, explica. Mas “o devedor permanecerá sempre responsável pelo pagamento à instituição de crédito do valor não coberto pela garantia e perante o Estado pelo valor coberto e pago por este à instituição”, ficando também comprometido o seu acesso futuro a financiamento bancário.
Aliás, como o risco de incumprimento aumenta para quem aderir à garantia pública, o BdP admite mesmo que os bancos possam emprestar créditos habitação com juros mais elevados, para se protegerem. “Numa situação em que se mantém constante o rendimento do mutuário e os fatores que influenciam as taxas de juro no mercado, o aumento do montante em dívida gera maior risco de incumprimento, o que tenderá a fazer aumentar a taxa de juro do empréstimo”, alerta ainda o BdP.
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Adesão à garantia pública só no final do ano – e BdP deixa recomendações aos bancos
A garantia pública que o Estado prestará para jovens acederem ao crédito habitação só deverá estar operacional no final do ano, porque os bancos ainda têm de aderir ao regime e têm depois dois meses para o pôr em prática. A boa notícia é que este apoio público estará disponível para os contratos assinados até 31 de dezembro de 2026.
Para que os bancos façam uma adequada operacionalização da garantia pública e para assegurar que não a ameaça a estabilidade da banca nem a solvabilidade dos jovens, o BdP colocou em consulta pública, até 29 de novembro, o projeto de aviso que tem como objetivo “estabelecer os requisitos que as instituições de crédito aderentes ao protocolo com a Direção-Geral do Tesouro e Finanças devem observar na divulgação de informação sobre o regime da garantia pessoal do Estado”.
O documento diz que os bancos que adiram à garantia pública devem adotar, “com a máxima celeridade, as diligências necessárias para dar cumprimento” aos deveres de prestação de informação aos clientes. Para o regulador e supervisor bancário, a informação aos clientes é "necessária para uma adequada implementação do regime da garantia pessoal do Estado, que não ponha em causa a solvabilidade dos clientes, nem comprometa a estabilidade financeira".
A garantia pública para crédito habitação para a primeira casa de jovens entre os 18 e os 35 anos permitirá ao Estado garantir, enquanto fiador, até 15% do valor da transação, estando abrangidas compras até 450 mil euros e jovens que não obtenham rendimentos superiores ao do oitavo escalão do IRS (81.199 euros de rendimento coletável anual). De notar ainda que garantia pessoal do Estado vigora durante 10 anos a contar da celebração do contrato de crédito.
Desde que esta medida foi apresentada pelo Governo, o BdP alertou publicamente, várias vezes, que os bancos não podem aliviar o cumprimento das regras de concessão deste crédito mesmo com a garantia pública. Mário Centeno explicou que o BdP é sempre favorável a medidas que ajudem a população mais jovem a aceder a habitação, mas é preciso “cautela”. Por um lado, disse, para garantir a estabilidade do setor financeiro e, por outro lado, para garantir que os clientes têm capacidade de pagar a dívida.
*Com Lusa
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