
De repente, a palavra deflação passou a estar nas bocas do mundo, estando no topo das principais preocupações das máximas autoridades internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE). Aliás, o BCE deverá aprovar hoje um plano de combate à deflação. Mas porquê, de repente, este "sururu" à volta disto, quando o problema falado sempre foi a inflação? Quais são afinal os riscos de deflação na União Europeia, em geral, e na Zona Euro, em particular?
O BCE, segundo escreve o Expresso, foi criado em junho de 1998 seguindo o modelo do Bundesbank alemão, um banco central completamente independente para evitar que o governo lhe pedisse para imprimir moeda, escapando desta forma a eventuais fenómenos de hiperinflação como os vividos nos anos 1920 na Alemanha. Assim, para o BCE é a inflação (ou seja, o aumento geral dos preços dos bens e serviços) e não a deflação (processo de redução generalizada e prolongada do índice de preços no consumidor) que constitui o problema, sendo alegoricamente representada por um 'monstro'.
É um facto que, de acordo com o mesmo jornal, na crise financeira mais recente algumas economias europeias registaram quebras nos preços ao consumidor. Por exemplo, na Irlanda e em Portugal os preços ao consumidor caíram mais de 3% e 0.5%, respetivamente, no ano de 2009. No entanto, tais quebras foram temporárias. Em abril de 2014 a inflação voltou a registar valores negativos em Portugal e na Grécia e em mais cinco países da UE (Bulgária, Croácia, Chipre, Hungria e Eslováquia), genericamente países de pequena dimensão que apresentam problemas estruturais consideráveis. Na UE e na Área do euro, para o mesmo período, a inflação desacelerou mas manteve-se em valores positivos.
Pode-se assim concluir, de acordo com o artigo publicado no semanário português, que a situação atual da UE está muito mais próxima de um ajustamento de preços (deflação 'benigna') do que uma deflação crónica/ 'maligna'. Esta última envolve uma redução de preços prolongada que tende a criar um círculo vicioso nas economias na medida em que estimula os agentes económicos a adiar decisões - as famílias adiam o consumo, os empresários o investimento, conduzindo a economia ao que se chama depressão (i.e., período de tempo longo, caraterizado por elevado desemprego de fatores, baixos níveis de produção e de investimento, número elevado de falências de empresas e baixos níveis de confiança dos agentes económicos).
Crise de 2008: valeu tudo para os bancos centrais
No sentido de contornar as quebras de preços e de procura agregada e a instabilidade financeira registadas no âmago da crise financeira de 2008, o BCE, na área do Euro, o Fed, nos EUA, e o Banco de Inglaterra (BoE), no Reino Unido, implementaram de forma ativa políticas monetárias convencionais (diminuição das taxas de juros diretoras) e não convencionais. As políticas não convencionais são políticas atípicas, de natureza excecional e temporárias, que são introduzidas quando as políticas convencionais de diminuição nas taxas de juro diretoras não são suficientes para que o mecanismo de transmissão da política monetária funcione.
Entre estas políticas constam o famoso 'Quantitative easing' (QE), usado pelo Fed (compra de obrigações de dívida pública norte-americana por parte da autoridade monetária, de forma a aumentar a liquidez do sistema financeiro) e o 'Funding Lending Scheme' (FLS), introduzido em julho de 2012 pelo BoE (financiamento aos bancos comerciais por um período prolongado ligado ao seu desempenho ao nível da concessão de crédito às empresas e famílias). No caso do BCE, as políticas não convencionais mais usadas têm sido a cedência de liquidez (aos bancos comerciais), com colocação total a taxa fixa, cedência de liquidez com um prazo mais alargado (i.e., superior a 3 meses) e o alargamento da lista de ativos elegíveis como garantia para os empréstimos.
Não obstante a sua atuação, publica ainda o Expresso, o BCE tem estado 'de baixo de fogo', sendo acusado pelos mais críticos (entre eles o nobel da economia Paul Krugman) de pouca proatividade e muito conservadorismo no combate à suposta 'espiral deflacionária'.
Parece certo que hoje na reunião mensal de junho do BCE, o seu presidente, Mario Draghi, anuncie mais um corte na taxa diretora (dos atuais 0,25% para 0,15% ou 0,10%) que proporcione uma subida contida da inflação para valores mais próximos do target da política monetária (2%). No entanto, as atuais restrições ao crédito que as empresas, sobretudo PME, enfrentam justificam, segundo alguns (e.g., Marting van Vliet do ING Bank), que o BCE avance com medidas não convencionais do tipo 'Funding Lending Scheme'. Medidas do tipo 'Quantitative easing' parecem fora de questão, não apenas porque colocam em causa a credibilidade do BCE enquanto instituição independente do poder político e geram imprevisíveis alterações na (expetativa de) inflação, mas sobretudo pelo risco moral ('moral hazard') que encerram: os governos 'beneficiados' com a compra dos respetivos títulos poderão sentir-se com margem de manobra para relaxar nos seus esforços de consolidação orçamental.
Embora o BCE tenha um importante papel na estabilização dos preços e garante de um crescimento sustentável num contexto de mercados financeiros estáveis e robustos, é importante relembrar que a política monetária (convencional ou não convencional) não substitui as necessárias e urgentes políticas económicas (e.g., políticas sobre envelhecimento e estado-providência, políticas setoriais, I&D e Inovação) e reformas estruturais (e.g., mercado de trabalho, concorrência, justiça) que cada estado membro, em particular os mais frágeis (onde se inclui Portugal), terão que realizar. O 'papão' de uma presumível deflação não pode nem deve distrair os governos deste desígnio.
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