Comentários: 0
Troika: Quais os motivos para o Governo dispensar o último cheque?

Artigo escrito por João Raposo, partner da Reorganiza, para o idealista News Portugal, no âmbito da rubrica "Trocado por Míudios"

E se te dissermos que a decisão do Governo de dispensar o último cheque da troika pode ser explicada da mesma forma que a escolha que fazes quando decides tomar um café numa determinada pastelaria em vez de outras?

Afinal, na base de toda a economia está o conceito de expetativa e, por isso, temos de ter noção que todas as decisões que tomamos, enquanto agentes económicos, estão a transmitir um sinal.

Desta forma, se opto por tomar café na pastelaria X em vez da Y, mesmo com preços idênticos, estou a comunicar ao mercado a minha reação face à oferta de ambos. Isto torna importante interpretar o que significa o gesto do Governo ao dispensar o último cheque da Troika. Qual o verdadeiro impacto desta decisão?

No último artigo que escrevi, falei-vos do impacto das medidas extraordinárias anunciadas pelo Banco Central Europeu (BCE) de baixar as taxas de juro de referência para valores nunca vistos. Sabendo que esta medida tem impactos de diversa ordem, há um que penso ter ficado bem explícito: o dinheiro fica mais barato, pelo que há maior incentivo ao financiamento nos mercados.

Ora, é precisamente nesta lógica que o governo português ponderou e decidiu dispensar a última tranche prevista pela Troika, no âmbito do programa de ajustamento. O famoso cheque, no valor de 2,6 mil milhões euros, fica por depositar nas nossas contas porque a ministra considerou mais vantajoso financiar-se nos mercados internacionais do que com a Troika, pois o custo do dinheiro no primeiro cenário é agora mais baixo.

Se por um lado o facto de não receber o cheque significa que Portugal vai encontrar financiamento mais barato (pelo menos os últimos dados de emissão da dívida pública têm provado que Portugal está bem cotado), por outro, pode transmitir aos mercados a impossibilidade do Governo cumprir com o que se tinha proposto desde o início do programa de resgaste. Pois, a dispensa do cheque iliba o governo de apresentar medidas alternativas às que foram chumbadas pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente, os cortes salariais acima dos 675 euros, a alteração ao cálculo das pensões de sobrevivência e a aplicação de taxas sobre o subsídio de doença e de desemprego.

A vantagem de receber o cheque é que o mesmo daria um sinal de credibilidade às contas nacionais. Isto é, para que o cheque entrasse nos cofres do país era necessário garantir que as medidas definidas pela Troika iriam ter bom cumprimento, pois os critérios para a Troika passar o cheque são critérios apertados.

Uma vez que tal não aconteceu, o governo, que continua a ter de apresentar medidas alternativas às que foram chumbadas pelos juízes do Palácio Ratton, tem agora o desafio de implementar as medidas sozinho e esperar que as mesmas sejam bem aceites pelos investidores internacionais.

Ver comentários (0) / Comentar

Para poder comentar deves entrar na tua conta