Assertiva, determinada e apaixonada pelo que faz. É engenheira geóloga, tem 44 anos, e é também a única mulher a liderar uma fábrica BMI (especialistas em telhados e coberturas) na Península Ibérica. Acredita na igualdade de oportunidades, para mulheres e homens, e fazer carreira na produção foi o que sempre ambicionou. Começou como chefe de pedreira há mais de uma década, na mesma empresa, e é hoje responsável pela unidade industrial de peças cerâmicas na localidade de São Francisco, em Pêro Moniz. O idealista/news visitou as instalações desta fábrica, e neste Dia Internacional da Mulher, 8 de março, conta a história de Céu Gonçalves, Plant Manager na BMI Portugal.
Esta mulher chegou à BMI (na altura Lusoceram) no início de 2007. Conta que no primeiro processo de seleção não ficou com o lugar por ser mulher, mas passado alguns meses tudo mudou, e Céu Gonçalves voltou a ser contactada para tornar-se responsável pela pedreira. Num mundo de homens, e inicialmente entre alguns olhares desconfiados, desafiou as probabilidades e as apostas de quem achava que “não ia aguentar-se muito tempo”. Afinal resistiu e, passados quase 15 anos, passou a chefiar esta unidade industrial, responsável pela produção de acessórios cerâmicos para telhados portugueses e espanhóis, acompanhando as várias gamas da marca.
Depois de um ano de transição, começou as funções a 100% na fábrica em janeiro deste ano. Dentro das instalações, onde guiou o idealista/news numa visita ao espaço por ocasião do Dia Internacional da Mulher, revela estar numa fase desafiante, que exige mais tempo a aprender os detalhes da organização e funcionamento das coisas. De sorriso no rosto e os olhos a brilhar, diz acreditar que, dentro de poucos meses, será mais fácil conciliar tudo e regressar aos seus hobbies – uma vez que os tem e tenciona mantê-los.
Sobre o contexto de trabalho e social das mulheres tem uma visão muito pragmática: acredita na igualdade de oportunidades e considera que as empresas têm uma responsabilidade acrescida neste tema. No que diz respeito à conciliação familiar, por exemplo, defende que é preciso ter a noção que se for uma mulher “poderá ter necessidade de ter um suporte adicional, especialmente na fase inicial da vida da criança”, mas que, nos dias de hoje “também um homem precisa do mesmo tempo para acompanhar o filho ou filha que tenha,” e por isso “as coisas devem ser tratadas pelas empresas com naturalidade”.
Para atingir a paridade, acredita, não é possível só contratando mulheres. É preciso “contratar as pessoas adequadas para as funções que temos” e fomentar que uma pessoa entra num posto efetivamente por “aptidão e independentemente de ser mulher ou ser homem”. Esta unidade é a prova de que a indústria (também) é delas, e há lugar para a força de trabalho feminina.

Há quanto tempo trabalha na BMI e como descreve o seu percurso dentro da empresa?
Eu comecei a trabalhar na BMI a 28 de agosto de 2007, e é daquelas datas que eu me lembro perfeitamente, porque foi uma escolha para mim trabalhar aqui. Já me fizeram a pergunta se foi a carreira que me escolheu a mim ou se fui eu que escolhi a carreira: claramente fui eu que escolhi a carreira.
Eu concorri para vir trabalhar na BMI (na altura Lusoceram) no início de 2007. Fiz a primeira seleção sensivelmente no início desse ano, quando surgiu a oportunidade que vi no jornal e candidatei-me. No primeiro processo de seleção só ficámos três candidatos, mas eu não fui selecionada pela razão de ser uma mulher, na altura. Passado alguns meses, seis/sete meses sensivelmente, recebi um contacto, que foi uma surpresa para mim. Um contacto da diretora de Recursos Humanos e que gostaria de me chamar para fazer as últimas provas, porque afinal a vaga estava disponível e se eu ainda estava disposta a aceitar o desafio. E eu aceitei, estava mais que disposta. Comecei a trabalhar como responsável da pedreira nesse ano, em 2007, e tive essa função dentro da empresa durante 14 anos, até que surgiu entretanto a oportunidade de agarrar outras funções, que no dia de hoje estou a exercer, a chamada Plant Manager.
Fiz a primeira primeira seleção sensivelmente no início desse ano, quando surgiu a oportunidade que vi no jornal e candidatei-me. No primeiro processo seleção só ficámos três candidatos, mas eu não fui selecionada pela razão de ser uma mulher, na altura.
O que faz uma Plant Manager?
Basicamente, a Plant Manager é responsável pela gestão de todas as funções dentro da fábrica, da produção em si, de toda a unidade industrial.
Como é que surgiu a oportunidade de tornar-se Plant Manager e liderar esta unidade?
A oportunidade surgiu sem eu me aperceber. Pelo que eu sei, a oportunidade surgiu há dois anos. Foi conversado entre o gerente desta fábrica e o gerente coordenador industrial do Outeiro da Cabeça, que estavam a analisar a possibilidade de pessoas para a sucessão em termos de funções nas duas fábricas. Certa vez, no final de uma reunião, fui chamada à parte e foi-me perguntado se gostaria de enfrentar o desafio de ser gerente desta fábrica. Eu respondi prontamente que sim. Para mim era um objetivo de vida, aliás é uma coisa que eu digo desde que entrei nesta casa, que queria seguir uma carreira na produção, começando pela pedreira, e um dia almejava vir para uma das fábricas, claro. E de repente foi uma oportunidade que se abriu e mais uma hipótese de concretizar um objetivo na vida.
Para mim era um objetivo de vida, aliás é uma coisa que eu digo desde que entrei nesta casa, que queria seguir uma carreira na produção, começando pela pedreira, e um dia almejava vir para uma das fábricas
Há quanto tempo está a desempenhar funções enquanto Plant Manager?
Inicialmente eu tive um ano de transição, ou seja, primeiro tive de assegurar alguém que ficasse com minha própria função, como diretor de produção da parte da pedreira. Isto iniciou-se há cerca de um ano e nessa altura tive responsabilidades mistas entre lá e aqui. Aqui, numa função de subgerente de fábrica, também para aprender com o gerente que estava na altura, que era uma pessoa extremamente experiente, e por isso cruzámo-nos ainda durante um ano, primeiro em part time, e a partir de setembro em full time. Funções a 100% e sozinha comecei a desempenhar no dia 24 de janeiro deste ano, porque foi o dia em que um antigo gerente se reformou, por escolha dele, por isso foi um processo super pacífico e o qual agradeço muito.
Quais são os principais desafios de gerir equipas?
Eu acho que há uma dualidade. Por um lado, é uma coisa relativamente fácil. Por outro lado, é desafiante, porque todos nós temos melhores e piores dias, e todos nós temos dificuldades e a minha função neste caso é também a de tentar ajudar as pessoas a mostrarem o seu melhor. Por isso é desafiante.

E como é ser mulher e fazer carreira num setor que inevitavelmente dominado por homens?
Eu acho que muitas vezes, nós próprias mulheres, somos as primeiras a meter esse obstáculo, que achamos que não é para nós. Ser mulher ao início é um bocadinho estranho, porque acham não muito usual uma pessoa ambicionar este tipo de funções. Nós próprias entre mulheres, atenção. E os homens acho que pelo menos até a data sempre se adaptaram bem a mim. O primeiro mês foi muito estranho, a partir daí tornou-se a nossa rotina.
Eu acho que muitas vezes, nós próprias mulheres, somos as primeiras a meter esse obstáculo, que achamos que não é para nós
Como gere o tema da conciliação familiar?
Apesar de eu não ter filhos, é desafiante. E nesta fase ainda mais desafiante, porque a função na fase de adaptação, que é a fase que eu considero que estou, exige mais tempo, exige que se dedique mais tempo a aprender os detalhes da organização e funcionamento das coisas. Mas eu tenho esperanças que a curto prazo, daqui a poucos meses, seja muito mais fácil de conciliar até porque eu tenho hobbies e tenciono mantê-los.
O que é que cada empresa/organização pode fazer para melhorar o contexto de trabalho e social das mulheres?
Eu acho que as empresas aqui têm uma responsabilidade muito acrescida porque temos de trocar culturas e mentalidades, porque existe uma pré conceção de que a mulher – apesar de nos dias de hoje já estarmos de certa forma a combater isso e ainda está um bocadinho intrínseco à nossa condição – por ter filhos não pode ter a ambição de ter uma carreira profissional. Eu acho que nesse aspeto as empresas têm um papel fundamental e têm de fomentar exatamente o oposto, ou seja, quando é na contratação, não é uma questão de um homem ou mulher, é dar igualdade de oportunidades.
As empresas têm um papel fundamental e têm de fomentar exatamente o oposto, ou seja, quando é na contratação, não é uma questão de um homem ou mulher, é dar igualdade de oportunidades.
Ter a noção que se for uma mulher poderá ter necessidade de ter um suporte adicional, especialmente na fase inicial da vida da criança, mas nos dias de hoje também um homem precisa do mesmo tempo para acompanhar o filho ou filha que tenha, por isso, eu acho que as coisas devem ser tratadas pela empresa com naturalidade. Inclusive, por exemplo, as licenças de paternidade serem fomentadas ao mesmo nível que as licenças de maternidade. No caso da BMI, eu creio que está a ser feito um grande esforço para atingir essa paridade, ou seja, não no esforço do vamos só contratar mulheres, claro que não, vamos contratar as pessoas adequadas para as funções que temos. Agora, é preciso fomentar que seja efetivamente por aptidão e independentemente de ser mulher ou ser homem.
Nos dias de hoje também um homem precisa do mesmo tempo para acompanhar o filho ou filha que tenha, por isso, eu acho que as coisas devem ser tratadas pela empresa com naturalidade.
Na empresa, não só ao nível da BMI Ibéria, mas a BMI Ibéria quis fazer parte também dessa iniciativa, temos o equivalente a um Facebook, um tipo de rede profissional onde fomentamos atividades. Temos um grupo que é o Inspiring Diversity, que é dedicado exclusivamente à zona da Ibéria em que temos sessões de formação e esclarecimento, e mesmo contacto com os outros colegas, até comumente tratarmos este tema e arranjarmos uma forma para seguir uma direção realmente justa em termos de paridade profissional entre homens e mulheres. Este movimento existe não só na Ibéria, como já disse, ele existe em termos do grupo inteiro da BMI, ou seja, isto é replicado no grupo inteiro, no mundo inteiro. Por aqui temos uma situação que acho que já revela uma troca de mentalidade.
Na empresa também temos uma coisa que eu acho muito engraçada, que é cada vez que homens ou mulheres sejam pais dentro da empresa, existe uma atribuição de um prémio, um valor monetário associado como que a fomentar também que seja dado e fomentado que as pessoas tenham o seu tempo de maternidade e paternidade também. Eu acho que por aí vamos em bom caminho para tornar a realidade do ajuste das mulheres/homens ao ambiente de trabalho de uma forma mais mais coerente.
Quantas mulheres trabalham nesta unidade fabril?
Nesta unidade fabril somos cerca de 40 pessoas, 10 são mulheres, e duas exercem cargos chefias na qual eu me incluo, e as restantes estão no processo. São basicamente operárias com papéis distintos, mas trabalham diretamente nas linhas de produção.
Como é um dia a dia na fábrica?
O dia a dia aqui na fábrica começa às seis e meia da manhã. Nós não operamos 24 sobre 24 horas, ao contrário do Outeiro da Cabeça. Funcionamos em regime de semiturno, até às 22h00. Eu chego mais ou menos à volta das 9h00 da manhã, a fábrica já está a funcionar em pleno. O nosso objetivo é a produção de acessórios cerâmicos para os nossos telhados, para as nossas marcas, e não só. Não só as portuguesas, mas também as espanholas. Ou seja, esta fábrica, a sua função, é produzir acessórios para telhados portugueses e espanhóis para acompanhar as várias gamas. Ou seja, as fábricas que nós servimos é o Outeiro da Cabeça, Almansa e Toledo.
Nesta unidade fabril somos cerca de 40 pessoas, 10 são mulheres, e duas exercem cargos chefias na qual eu me incluo, e as restantes estão no processo.
A BMI tem vários tipos de produtos, nomeadamente coberturas sustentáveis. Num momento em que se debate tanto a sustentabilidade, de que forma a aposta neste tipo de soluções pode melhorar o desempenho energético dos próprios edifícios?
A BMI nesse aspeto acho que tem vindo a marcar pontos. Nós começamos por aquelas soluções mais básicas de telhados, como as estruturas tradicionais antigas, com vigas de cimento e de madeiras, e neste momento nós temos soluções de isolamento justamente para evitar perdas energéticas, para maximizar os sistemas das casas, que têm tido uma evolução brutal. Por isso acho que a BMI tem feito grande parte do seu papel e duvido que fique por aqui. Temos um recém criado departamento de sustentabilidade, cujo objetivo é continuar e reforçar esse percurso.
Que balanço da atividade? A pandemia teve imapcto na produção?
A pandemia teve um impacto muito significativo. Inicialmente, toda a gente estava assustada, naturalmente, e achámos que iríamos fechar. Isso nunca aconteceu e nem sequer houve um abrandamento. Foi exatamente o oposto que aconteceu. Ou seja, tínhamos parcialmente pessoas em casa, as fábricas tiveram sempre a trabalhar em pleno, ainda tiveram acréscimos de volume de produção. Por isso, apesar de ter sido uma altura inicialmente um bocado assustadora, pelo incerto do que se ia passar, acho que o que aconteceu é que tivemos sempre bastante ocupados.
Esta questão dos custos da energia, da inflação...sente que estão a afetar a atividade?
Muitíssimo. No último trimestre de 2021, o impacto especialmente energético, os outros também foram importantes, claro, mas para nós o mais importante foi o energético, o gás, e tem sido avassalador. Foi um acréscimo de custos de produção terrível.
E ao nível de mão de obra, têm dificuldades?
Sim, em termos de mão de obra, por vezes não é fácil contratar para estas funções. Se calhar também pode haver um bocado o estigma associado a processos industriais, e também associado a ser uma tarefa para homens, mas sim, por vezes não é fácil a contratação. Neste momento temos a nossa plantilha estabilizada.
Em termos de mão de obra, por vezes não é fácil contratar para estas funções. Se calhar também pode haver um bocado o estigma associado a processos industriais.
Quais são as suas expectativas para o futuro?
Em termos de empresa, a minha perspetiva seria nesta fase aprender mais - porque sei perfeitamente que ainda estou num processo de aprendizagem sobre o processo industrial - e ver onde é que eu posso maximizar a produção, melhorar a qualidade, e melhorar também a qualidade e as condições de vida das pessoas dentro da fábrica, porque a empresa também tem uma preocupação muito grande de segurança, eu também sou técnica de segurança, ou seja, é ver também onde é que eu posso nestas três áreas ajudar a empresa e concretizar um sonho.
Para poder comentar deves entrar na tua conta