Nas redes sociais, ter a casa organizada como numa revista virou moda. Afinal, por que é que cuidar dos espaços é tão importante?
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arrumar a casa
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Quase depois de uma década, a guru da arrumação, Marie Kondo, veio reconhecer que, para muitos, um espaço perfeitamente organizado não é realista, tendo desenvolvido até um novo método, voltado “para dentro”, e mais orientado para as emoções. Mas a verdade é que a “febre” de ter tudo organizado e decorado como numa revista é uma realidade, e chegou às redes sociais, onde se multiplicam fórmulas, “checklists” e truques para ter uma casa perfeitamente arrumada. Escondem efeitos positivos, mas também negativos, e que podem impactar diferentes esferas da vida: do bem-estar físico e emocional, às relações interpessoais e rotinas diárias. E quando é que estes traços comportamentais devem ser motivo de preocupação? Catarina Lucas, psicóloga especialista em desenvolvimento pessoal, explora o tema numa entrevista ao idealista/news.

Prateleiras milimetricamente organizadas. Frascos etiquetados. Calças, camisas e casacos ordenados por cores. Meias e tshirts dobrados de forma eficiente. Panelas e frigideiras no sítio certo, e uma despensa digna de filme. É provável que já nos tenhamos deparado em algum momento com imagens, vídeos e tutoriais no Instagram, Facebook ou Tik Tok a ensinar "como se faz". A verdade é que arrumar, limpar e organizar pode trazer uma grande sensação de "paz" e bem-estar geral, tal como explica Catarina Lucas. Há quem encontre na realização das tarefas domésticas, aliás, uma forma de terapia. Pode ajudar a "organizar ideias e, ao ser uma atividade mecânica,  não implica esforço cognitivo, o que permite algum grau de distração ou abstração dos problemas quotidianos", diz a psicóloga.

Além disso, refere, também é possível que possamos usar a ocupação "como forma fuga de situações difíceis ou pensamentos geradores de sofrimento". As emoções estão, por isso, no centro de tudo: "procuramos sentir com a organização do espaço ideal aquilo que desejamos também sentir na nossa vida: paz, serenidade, tranquilidade, organização e controlo", explica Catarina Lucas nesta entrevista que agora reproduzimos na íntegra.

 

arrumar a casa
Catarina Lucas, psicóloga

Por que é que algumas pessoas têm necessidade de “ter tudo em ordem”?  

Ter as coisas em ordem transmite a algumas pessoas uma sensação de tranquilidade que lhes permite organizarem-se e usar isso como ponto de partida para tarefas mais complexas. Por outro lado, para algumas pessoas, isso dá-lhes uma sensação de controlo sobre as suas vidas e ajuda a eliminar sentimentos e pensamentos geradores de ansiedade.

Quando é que a organização excessiva deve tornar-se uma preocupação? 

A arrumação excessiva torna-se uma preocupação quando interfere com o dia a dia da pessoa, quando causa sofrimento, quando impede a realização de atividades de lazer ou, até mesmo, de socializar. Quando esta tarefa se torna uma prioridade na vida de uma pessoa, então poderá ser altura de procurar ajuda.

A arrumação excessiva torna-se uma preocupação quando interfere com o dia a dia da pessoa, quando causa sofrimento, quando impede a realização de atividades de lazer ou, até mesmo, de socializar.

Viver obcecado com a arrumação pode tornar-se um problema? Em que medida?

Na sequência da questão anterior, tudo o que é uma obsessão torna-se um problema. A não realização de determinadas tarefas tende a gerar ansiedade e pensamentos intrusivos que apenas são atenuados quando a pessoa consegue pôr as coisas em ordem. Este comportamento é gerador de grande sofrimento e interfere com o dia a dia da pessoa e até mesmo com as rotinas, atividade profissional, entre outros.

frascos organizados
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A pandemia, por exemplo, teve um impacto negativo especificamente em pessoas com TOC (transtorno obsessivo-compulsivo) que são obcecadas com limpeza, uma vez que agravou os seus sintomas...  

A pandemia e os medos de infeção agravaram os sintomas em pessoas com diagnóstico ou sintomatologia associada à POC. De alguma forma, o comportamento obsessivo generalizado com a desinfeção trouxe uma sensação de legitimidade e normalidade a estas pessoas, que viram os seus receios validados e os comportamentos de controlo reforçados.

Ainda assim, a psicologia por detrás da limpeza diz que, de facto, arrumar e limpar a casa pode deixar-nos mais tranquilos e felizes. Por que é que isso acontece?   

Isto acontece em pessoas que não têm qualquer tipo de patologia ou sintoma associado. Em pessoas que gerem as limpezas e arrumação de forma saudável, tal ritual pode ter até um efeito que algumas pessoas descrevem como terapêutico. Ajuda a organizar ideias e, ao ser uma atividade mecânica,  não implica esforço cognitivo, o que permite algum grau de distração ou abstração dos problemas quotidianos. Para algumas pessoas, ter um espaço limpo e organizado é tranquilizador e apaziguador.

Em pessoas que gerem as limpezas e arrumação de forma saudável, tal ritual pode ter até um efeito que algumas pessoas descrevem como terapêutico.

É uma tentativa de estender esse objetivo de alegria e satisfação para as diferentes esferas das nossas vidas?   

É uma tarefa onde temos controlo, onde podemos executar e ter resultados imediatos. Dá-nos a sensação de dever cumprido, de tranquilidade e de que somos eficazes. Esses sentimentos tendem a trazer-nos emoções mais positivas ou uma sensação de bem-estar que muitas vezes ansiamos.

organizar prateleiras
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Procuramos no “espaço ideal” a “vida ideal”?   

Procuramos sentir com a organização do espaço ideal aquilo que desejamos também sentir na nossa vida: paz, serenidade, tranquilidade, organização e controlo.

Muitas vezes, gastamos mais tempo em tarefas do que em nós próprios. Porquê?   

As prioridades de cada um diferem e não há uma resposta linear a este ponto. O investimento em nós próprios está associado a fatores como autoestima e autoimagem. Todavia, a necessidade de viver num ambiente organizado é prioritária para muitas pessoas. É importante equilibrarmos a nossa balança para que não haja um descurar de áreas importantes, seja o nosso autocuidado ou o cuidado do espaço onde vivemos.

É importante equilibrarmos a nossa balança para que não haja um descurar de áreas importantes, seja o nosso autocuidado ou o cuidado do espaço onde vivemos.

Procuramos manter-nos “ocupados” para ignorar o que realmente nos incomoda?  

Em alguns casos podemos usar a ocupação como forma de abstração ou até mesmo de fuga de situações difíceis ou pensamentos geradores de sofrimento. Quando estas tarefas cumprem uma função de evitamento a outros assuntos, é importante parar e refletir sobre isto, pois há situações e emoções que devem ser enfrentadas. Contudo, em alguns casos pode ser uma estratégia comportamental terapêutica.

casa arrumada
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Por que é tão difícil gerir as emoções? 

Porque muitas vezes elas nos fazem sofrer, porque é doloroso, porque nos confrontam e geram mal-estar. Aprender a identificar e gerir emoções é um dos grandes desafios do nosso desenvolvimento enquanto pessoas.

Aprender a identificar e gerir emoções é um dos grandes desafios do nosso desenvolvimento enquanto pessoas.

O que é que se pode fazer para promover um maior bem-estar emocional (dentro e fora de casa)?   

Há várias formas possíveis, dependendo das caraterísticas de cada um: praticar o autocuidado; fazer atividades de lazer; estar com pessoas que gostamos; exercício e alimentação equilibrada; autoconhecimento; perdão e autocompaixão.

Somos seres de hábitos e rotinas, mas os imprevistos podem ser benéficos. Em que medida?   

Os imprevistos por vezes trazem alguma adrenalina, obrigam a quebrar rotinas e a sair da zona de conforto, promovendo novas experiências e oportunidades de crescimento.

cozinha arrumada
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Que mudanças de hábitos podemos tentar pôr em prática para ser mais felizes no dia a dia?  

Perdoar algo que nos magoou é uma boa parte da mudança, usufruir de coisas simples e pequenas, praticar a gratidão, ser menos crítico connosco e com os outros, ter tolerância e empatia e sorrir para a vida mais vezes, mesmo quando às vezes não haja motivo para o fazer.

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