O novo simplex urbanístico permite a compra e venda de casas sem a apresentação obrigatória de, como se diz na gíria, licença de utilização ou habitabilidade. Esta é, de resto, uma das medidas que tem suscitado maior debate, pelos desafios (e até alguns perigos) que coloca. Mas como se aplica a normativa no caso dos contratos de arrendamento? É possível arrendar uma casa sem esta licença, se ela já existir? O que diz o simplex do urbanismo sobre este caso, abstraindo que o simplex vai eliminar tais licenças a partir de março de 2024? Explicamos tudo neste artigo, com fundamento jurídico.
“A lei continua a obrigar que os contratos de arrendamento sejam feitos em edifícios “legais”, isto é, que tenham sido construídos em respeito dos regulamentos e planos urbanísticos municipais (de que tenha resultado uma licença) ou cuja ocupação seja anterior a 1951, por força do Decreto-Lei n.º 38 382 de 7 de agosto de 1951, que aprovou o Regulamento Geral das Edificações Urbanas (e, neste caso, isentos de licença) e que estejam destinados a este fim (habitação)”, começam por explicar Joana Pinto Monteiro e Manuel Alexandre Henriques, da Sérvulo & Associados, neste artigo preparado para o idealista/news.
Além de detalharem como se aplicam as novas regras quando se arrenda uma casa, os especialistas jurídicos apresentam as principais mudanças que o simplex traz ao nível da compra e venda de imóveis, nomeadamente sobre os riscos para o comprador e possível aumento de litígios.
Arrendar casa: é preciso licença de habitabilidade?
O novo simplex urbanístico não alterou as regras do arrendamento urbano. É requisito de celebração de um contrato de arrendamento o local ter aptidão para o fim do contrato, atestada pelas entidades competentes, sendo necessário indicar a existência da licença de utilização (art.º 1070.º do Código Civil e Decreto-Lei n.º 160/2006, de 8 de agosto, conforme última redação em vigor) ou que o imóvel/fração é anterior a 1951.
Estes artigos não foram alterados pelo simplex, pelo que um arrendamento sem licença é ilegal.
O arrendatário/inquilino que celebre um contrato de arrendamento sem licença de utilização, por motivo imputável ao senhorio, pode resolver o contrato pois a licença (ainda é) na lei portuguesa uma formalidade essencial deste tipo de contratos. O arrendatário, sentindo-se lesado (por exemplo, num contrato de arrendamento que o obrigava a fazer obras de conservação) pode também vir a reclamar, na justiça, do senhorio, uma indemnização pelos danos sofridos.
É correto dizer, portanto que a licença de habitabilidade não é dispensada nos contratos de arrendamento, apenas se aplicando às transações de imóveis. Um contrato de arrendamento sem licença é considerado ilegal, pois a licença de habitabilidade é uma “formalidade essencial”.
Compra e venda de imóveis: que mudanças trouxe o simplex?
Uma das alterações mais relevantes do simplex urbanístico (Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro) foi, em matéria de compra e venda de imóveis, ter-se abandonado a obrigação de o vendedor apresentar “prova” de que o imóvel tem licença de utilização, na escritura ou compra com documento particular autenticado.
Continuo a ter de respeitar o PDM? Já não preciso de licença de utilização?
Esta alteração veio dizer aos consumidores que as transações – e só estas - podem agora ignorar se os edifícios cumprem ou não os Planos Municipais aplicáveis. A eventual regularização, e risco associado, é transferida dos vendedores para os compradores.
E sobre isto não há quaisquer dúvidas: a lei passou a dizer que o “o conservador, ajudante ou escriturário, o notário, o advogado ou o solicitador” deixam de poder exigir a licença do edifício ou fração. Saliente-se que até 31/12/2023, a apresentação da licença na compra e venda de imóveis podia ser uma ilusão para o comprador.
O comprador do edifício ou fração autónoma, antes da entrada em vigor do simplex urbanístico, poderia ser sempre surpreendido, em momento posterior à escritura pública de compra e venda, pela desconformidade da autorização de utilização com a construção existente que lhe tinha sido apresentada.
Assim, do ponto de vista urbanístico nada muda: se uma obra for ilegal, a lei continua a responsabilizar os empreiteiros, os diretores da obra e os responsáveis pela fiscalização da obra. Sobre o (novo) proprietário do imóvel não recaem quaisquer responsabilidades caso não tenha tido conhecimento das obras, trabalhos, edificações, usos e utilizações em violação das normas legais e regulamentares aplicáveis, mormente e genericamente, os planos diretores municipais.
Riscos para o comprador
Assim, o comprador menos informado pode ver-se numa situação “dramática” de sobre o edifício recém-adquirido recair, por parte das Câmaras Municipais, o decretamento de um embargo, trabalhos de correção ou alteração, demolição, reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras ilegais ou mesmo a cessação da utilização de edifícios ou suas frações autónomas – cf. artigo 102º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro.
Se o antigo enquadramento já obrigava a muita atenção sobre a “legalidade” dos edifícios adquiridos, o novo enquadramento é mais exigente. Aconselha-se a que o comprador antes de adquirir qualquer imóvel consulte o processo junto da respetiva Câmara Municipal e, podendo, faça uma auditoria técnica com empresa da especialidade. O objetivo destas auditorias será, pela positiva, concluir que não existem desconformidades (relevantes) que ponham em risco a sua utilização.
Haverá um aumento dos litígios?
É de crer um aumento da conflitualidade pós-venda ou, no polo oposto, maiores dificuldades em obter crédito bancário nas situações onde não esteja garantido que o que está construído foi exatamente aquilo que foi aprovado pela Câmara Municipal. Os bancos preferirão, em teoria, financiar imóveis sem riscos e totalmente legalizados, sendo expectável que continuem a solicitar as mesmas evidências sobre a legalidade das construções.
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