
Joana Vasconcelos, uma das artistas contemporâneas mais influentes a nível internacional, faz história ao tornar-se a primeira mulher a ser Convidada de Honra da Brafa, uma das feiras de arte mais prestigiadas da Europa. A edição deste ano, que celebra o seu 70º aniversário, contou com a presença marcante da portuguesa, cuja obra desafia convenções e promove um diálogo entre o passado e o presente, entre o artesanal e o tecnológico. A artista nacional, que quer continuar a perseguir a arte onde quer que ela a leve, destaca a importância das feiras como plataformas de intercâmbio cultural, sobretudo em tempos desafiadores, e vê nesta participação uma oportunidade para questionar a presença feminina na história da arte.
Uma das questões colocadas a Joana Vasconcelos, na conferência de imprensa que antecedeu a abertura da Brafa (Brussels Art Fair) - está a decorrer até ao próximo dia 2 de fevereiro -, foi se achava que as mulheres tinham representação suficiente no mundo da arte. E não estamos a referir-nos ao facto de que rostos e corpos femininos podem ser vistos em esculturas ou pinturas, mas que galerias e feiras de arte tenham representação feminina suficiente entre as suas obras. Vasconcelos, cujo trabalho se caracteriza por uma vertente irónica e humorística que aborda, entre outras questões, o estatuto da mulher, não hesitou em responder que não.
A sua presença nesta feira é mais uma prova de otimismo de que as mulheres já não estão a ficar para trás neste setor: ela é a primeira mulher a ser convidada de honra desde que este encontro viu a luz do dia há 70 edições. “Sempre me perguntei por que tantas mulheres talentosas antes de mim não tiveram as mesmas oportunidades”, disse.
O reconhecimento internacional de Joana Vasconcelos foi cimentado em 2005, quando participou na primeira Bienal de Veneza com curadoria de mulheres, onde apresentou 'La Novia', um candelabro de formato clássico cujos pingentes de cristal foram substituídos por cerca de 14.000 tampões higiénicos. Desde então, é a artista mais jovem e a primeira mulher a expor no Château de Versailles em 2012, a primeira artista portuguesa a ter uma exposição individual no Museu Guggenheim de Bilbau em 2018. Em 2023, teve a oportunidade de estar presente nas prestigiadas Galerias Uffizi e no Palazzo Pitti de Florença, ao lado de figuras icónicas como Leonardo da Vinci, Michelangelo e Caravaggio. Em fevereiro deste ano, chegará a Madrid com a exposição Flamboyant no Palácio de Liria.
O idealista/news esteve à conversa com a artista portuguesa de remome, sobre o seu percurso e visão da arte.

O que significa para a Joana participar em feiras como a Brafa?
Como artista, feiras como a Brafa têm uma enorme importância, principalmente em tempos difíceis. Servem de plataformas para o diálogo, o intercâmbio cultural e a compreensão mútua, qualidades essenciais na sociedade atual. Ser nomeada Convidada de Honra da Brafa é um grande privilégio, especialmente porque a feira comemora o seu 70º aniversário, um marco que destaca o seu significado histórico e influência global.
Sempre me perguntei por que tantas mulheres talentosas antes de mim não tiveram as mesmas oportunidades
Como primeira artista feminina a ocupar esta posição de prestígio, tenho a honra de contribuir para um evento que incorpora a convergência de tradição e inovação. Ao longo da minha carreira, muitas vezes fui a primeira mulher a alcançar tais reconhecimentos, desde as minhas instalações em Bilbau e Versalhes até este título na Brafa. Em vez de simplesmente comemorar essas conquistas, sempre me perguntei por que tantas mulheres talentosas antes de mim não tiveram as mesmas oportunidades. Não é por acaso que materiais como pedra e metal ainda são considerados "nobres", pois o mundo da arte ainda é predominantemente dominado por homens. É importante para mim usar a plataforma que criei para destacar essas questões através meu trabalho e contribuir para essa conversa vital.
O que apresenta na Brafa?
Duas valquírias monumentais, Valquíria Seondeok e Valquíria Léonie. As Valquírias são esculturas de uma série inspirada nas poderosas figuras femininas da mitologia nórdica que se ergueram sobre os campos de batalha para ressuscitar os guerreiros mais corajosos e trazê-los para Valhalla. Essas obras incorporam o espírito de força e resiliência, qualidades que acredito ressoarem profundamente com o momento contemporâneo.
Que projetos tem para 2025?
Depois da Brafa vou expor alguns trabalhos no La Patinoire Royale, que abre no dia 1 de fevereiro. Viajarei para Madrid em fevereiro, onde inaugurarei Flamboyant, uma exposição individual inaugural no Palácio de Liria. Lá mostrarei algumas das minhas obras mais emblemáticas, incluindo Marylin, Valkyrie Thyra e Flaming Heart. Este ano promete ser emocionante e ocupado, e eu não poderia estar mais feliz. Acima de tudo, quero continuar fazer o que tenho feito até agora, perseguindo a minha arte onde quer que ela me leve.
Acima de tudo, quero continuar fazer o que tenho feito até agora, perseguindo a minha arte onde quer que ela me leve.
Poderia referir alguns dos artistas portugueses que mais gosta?
Quando se trata de artistas portugueses não posso deixar de mencionar sempre a Paula Rego. O seu trabalho tem sido uma influência significativa e admiro a sua capacidade de lidar com questões complexas, muitas vezes perturbadoras, com imagens tão poderosas. A sua capacidade de misturar histórias pessoais e coletivas na sua prática é algo que aprecio profundamente.

E artistas espanhóis?
Vou expor no Palácio Liria em Madrid em fevereiro e um dos aspetos mais estimulantes foi interagir diretamente com as obras de Diego Velázquez e Francisco Goya, cujas obras-primas são parte integrante da coleção do palácio. As minhas instalações dialogarão com as suas obras, explorando como a arte contemporânea pode reinterpretar as suas contribuições e enriquecer a nossa compreensão das narrativas históricas.
Há uma galeria portuguesa presente na Brafa, que expõe principalmente prataria portuguesa. Para si também é importante recuperar elementos tradicionais como parte do património? Com quais elementos mais gosta de trabalhar?
A minha identidade como artista portuguesa está profundamente enraizada no meu trabalho, moldando tanto a sua forma como o seu significado. Embora tenha nascido em França durante o exílio dos meus pais, cresci em Portugal, imersa no rico património artístico e cultural do país. Esta formação influenciou profundamente a minha visão criativa, pois fiquei cativada pela riqueza do artesanato português e das tradições que se tornaram parte integrante da minha prática.
A ligação entre as artes e os ofícios em Portugal (azulejos, cerâmica, têxteis, bordados, joalharia e carpintaria dourada) são a base da minha linguagem artística.
A ligação entre as artes e os ofícios em Portugal (azulejos, cerâmica, têxteis, bordados, joalharia e carpintaria dourada) são a base da minha linguagem artística. Esses elementos, com o seu artesanato intrincado, cores vibrantes e interação de luz, refletem as sensibilidades barrocas que inspiram grande parte do meu trabalho. Eles não representam apenas um legado cultural, mas também um testemunho do conhecimento, criatividade e espírito das pessoas que transmitiram essas tradições de geração em geração.
Em Brafa podemos ver outras das suas obras, um caracol de crochê...
O crochê, por exemplo, tem um significado profundo na minha prática, pois representa a fusão de tradição e inovação, herança e transformação. Está enraizada no artesanato tradicional de Portugal, como têxteis, bordados e cerâmica, e incorpora a riqueza cultural e o legado artesanal que moldaram a minha identidade criativa. O crochê ressoa profundamente porque é um ofício historicamente ligado à vida doméstica e muitas vezes ignorado no reino da alta arte.
Quando incorporo esse ofício ao meu trabalho, não apenas faço referência à tradição, mas descontextualizo-a e reinterpreto-a ativamente para o presente.
Ao elevá-lo, desafio as noções tradicionais de artesanato e arte, recuperando o seu poder e relevância no discurso contemporâneo. A natureza intrincada e trabalhosa do crochê carrega consigo a história, o conhecimento e o espírito de gerações que preservaram e transmitiram essas técnicas. Quando incorporo esse ofício ao meu trabalho, não apenas faço referência à tradição, mas descontextualizo-a e reinterpreto-a ativamente para o presente.

Ao mesmo tempo, integro tecnologia (como iluminação e movimento) nas minhas esculturas de crochê, criando um diálogo entre o passado e o futuro. Essa síntese permite-me destacar a relevância duradoura do artesanato tradicional enquanto expande os seus limites, demonstrando como podem evoluir e adaptar-se a um contexto contemporâneo. O crochê torna-se não apenas um ofício, mas uma ferramenta poderosa para contar histórias, preservar a cultura e inovar artisticamente, preenchendo a lacuna entre histórias pessoais e conexões universais. A arte é uma ferramenta poderosa para conversas, e a minha motivação está em criar um trabalho que ressoe com as pessoas tanto ao nível intelectual, quanto emocional. Trata-se de conectar o pessoal ao universal e usar a criatividade para lançar luz sobre as complexidades de nossa humanidade partilhada.
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