As condições da doação e a presença de cláusulas restritivas podem impactar o processo. Explicamos com fundamento jurídico.
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Fieldfisher Portugal (Colaborador do idealista news)

A doação de bens imóveis é uma prática comum e bastante útil para transferir a propriedade de um imóvel durante a vida de uma pessoa. No entanto, muitos se perguntam se é possível vender uma casa que foi doada, especialmente quando o doador ainda está vivo. 

A resposta para essa dúvida depende de alguns fatores legais importantes, como as condições da doação e a presença de cláusulas restritivas. 

Neste artigo preparado para o idealista/news, Mariana Rocha Moreira, Advogada Associada do Departamento de Direito Imobiliário da André Miranda Associados, explora as diferentes situações que podem ocorrer quando uma casa é doada, abordando as permissões e restrições para a venda de um imóvel doado.

1. A doação de imóveis

Nos termos do artigo 940.º do Código Civil, a doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberdade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.

A doação tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito, a obrigação de entregar a coisa e a assunção da obrigação, quando for esse o objeto do contrato.

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Para que a doação seja válida, é obrigatória a celebração de escritura pública num cartório notarial e o registo da transmissão na conservatória do registo predial. Só com o cumprimento destas formalidades se garante a validade e o reconhecimento da doação perante terceiros.

2. Venda de uma casa doada durante a vida do doador

Uma vez que a doação transfere a propriedade do imóvel para o donatário, ele, em princípio, tem liberdade para dispor do bem, inclusive vendê-lo. Contudo, podem existir restrições à sua disponibilidade, como cláusulas que impeçam a venda imediata do imóvel.

  • Cláusulas restritivas na doação

A doação pode ser acompanhada de certas condições, como a reserva de usufruto ou a reserva do direito de dispor de coisa determinada, que proíbe o donatário de vender o imóvel durante um período específico ou sob certas circunstâncias. Essa restrição deve ser expressamente estipulada no contrato de doação (artigos 958.º e 959º do Código Civil).

O direito de usufruto permite ao doador manter o direito de usar e beneficiar do imóvel, embora a propriedade do imóvel passe para o donatário. O usufruto pode ser vitalício ou de duração determinada. Enquanto o usufruto estiver vigente, o donatário não poderá vender o imóvel sem o consentimento do doador, uma vez que o direito de usufruto prevalece sobre a venda.

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Nos termos do artigo 1439.º do Código Civil considera-se usufruto o direito de gozar temporariamente e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância. Quando é conferido sobre bens imóveis, o usufrutuário tem o direito de usar o imóvel e de perceber os frutos dele (como rendas ou lucros provenientes do imóvel), mas não pode dispor do imóvel sem a autorização do proprietário (o donatário).

Alem desta restrição, o doador pode reservar para si o direito de dispor, por morte ou por ato entre vivos, de alguma ou de algumas das coisas compreendidas na doação, ou mesmo o direito a certa quantia dos bens doados. Significa isto que, o doador pode colocar cláusulas garantindo no contrato de doação que ele continua a ter algum controle, uso ou direito sobre os bens que está a doar, seja sobre parte dos bens ou sobre valores relacionados a eles, enquanto estiver vivo ou até mesmo para depois da sua morte.

3. O doador pode reverter a doação?

O Código Civil prevê que, em determinadas circunstâncias, o doador pode pedir a revogação da doação, sendo que a reversão se dá no caso de o doador sobreviver ao donatário, ou a este e a todos os seus descendentes. Além desse facto, as doações são revogáveis por ingratidão do donatário (artigo 970.º do Código Civil). A doação pode ser revogada por ingratidão quando o donatário se torne incapaz, por indignidade, de suceder ao doador, ou quando se verifique alguma das ocorrências que justificam a deserdação, como ofensas graves à integridade física ou moral do doador.

Os efeitos da revogação da doação retrotraem-se à data da proposição da ação, o que significa que se considera que a doação deixou de produzir efeitos desde o momento em que foi judicialmente requerida a sua revogação.

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Contudo, importa ter em conta a proteção conferida aos terceiros de boa-fé, consagrada no artigo 291.º do Código Civil. Caso o imóvel doado tenha sido, entretanto, transmitido a um terceiro, e não conste qualquer registo ou menção na certidão predial sobre a existência de condicionantes à doação (como cláusulas de reversão ou ações judiciais pendentes), esse terceiro comprador não poderá ser prejudicado pela eventual revogação da doação. O ordenamento jurídico português protege a confiança legítima dos adquirentes que agem de boa-fé e com base nas informações constantes do registo predial, assegurando a segurança e estabilidade das relações jurídicas e das transações imobiliárias.

4. Implicações fiscais da venda de um imóvel dado

No âmbito das implicações fiscais, o donatário que proceda à venda de um imóvel recebido por doação poderá ser sujeito ao pagamento de imposto sobre as mais-valias, salvo se reunir as condições legais para beneficiar de isenção. A tributação das mais-valias na venda de imóveis adquiridos por doação está prevista no artigo 10.º do Código do IRS, que define as regras aplicáveis ao apuramento do ganho sujeito a imposto.

Neste contexto, as mais-valias correspondem à diferença entre o valor de realização (valor de venda) e o valor de aquisição. No caso de bens imóveis adquiridos por doação, considera-se como valor de aquisição aquele que foi declarado na escritura de doação e que serviu de base ao cálculo do Imposto do Selo.

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Importa referir que o regime fiscal contempla a possibilidade de isenção de tributação sobre as mais-valias, nomeadamente quando o imóvel vendido foi afeto à habitação própria e permanente do donatário (e do seu agregado familiar), desde que o valor da venda seja reinvestido na aquisição de outra habitação própria e permanente, nos termos definidos pela lei. Além disso, poderá igualmente beneficiar de isenção caso o imóvel seja vendido após um período mínimo de três anos desde a doação, cumprindo os requisitos exigidos no Código do IRS.

5. Doações e heranças

A lei portuguesa dispõe um mecanismo legal utilizado para garantir a igualdade na partilha da herança quando o falecido fez doações em vida a seus descendentes (geralmente filhos) antes de falecer. Este mecanismo chama-se colação e visa assegurar que as doações feitas ao longo da vida do falecido sejam consideradas no cálculo da partilha da herança.

O objetivo da colação é evitar que um herdeiro receba uma parte desproporcional da herança em comparação aos outros, se, por exemplo, já tiver recebido uma doação significativa em vida.

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Por força do disposto no artigo 2104.º do Código Civil sempre que um descendente do falecido doador pretenda entrar na sucessão do falecido deve restituir à herança, para igualação da partilha o valor correspondente àquele preço, restituição essa que se designa por colação, na medida em que, expressa ou tacitamente o doador, nem no ato da doação, nem posteriormente dispensou a colação (artigos 2108.º, n.º 1 e 2113.º, n.º 1 do Código Civil). 

Conclusão:

  • É possível vender uma casa recebida por doação mesmo que o doador ainda esteja vivo, desde que não existam cláusulas restritivas, como usufruto ou direito de disposição, que limitem essa possibilidade. A doação transfere a propriedade para o donatário, mas o contrato pode impor condições específicas.
  • Em certos casos, a doação pode ser revogada, nomeadamente por ingratidão ou se o doador sobreviver ao donatário. No entanto, terceiros de boa-fé que adquiram o imóvel estão protegidos por lei, desde que não haja registo de restrições.
  • A nível fiscal, podem aplicar-se impostos sobre as mais-valias, embora existam situações de isenção, como no caso de reinvestimento em habitação própria e permanente. Por fim, a doação pode ter impacto na partilha de herança, através do mecanismo da colação, que visa assegurar uma divisão justa entre herdeiros.

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