Atelier Fragmentos defende que é preciso resolver o problema de as pessoas estarem a abandonar as cidades por falta de habitação.
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Pedro Gois (Colaborador do idealista news) ,
Joana Malaquias (Colaborador do idealista news)

Uma montra virada para a rua, no centro de Lisboa, obriga-nos a espreitar para ter a certeza de que chegámos. Imponência e descrição podem existir no mesmo espaço. Miguel Martins Santos recebeu-nos no atelier Fragmentos, um coletivo que partilha com mais três arquitetos, Duarte Pinto-Coelho, Marcus Cerdeira, e Pedro Silva Lopes. 

Há 30 anos eram três colegas de faculdade que se reuniam à noite na garagem dos avós de um amigo. Uma “espécie de banda” que deu origem a um atelier onde trabalham cerca de 55 pessoas, tal como explica em entrevista ao idealista/news para a rubrica “Em casa do arquiteto”.

Miguel Martins Santos refere, muitas vezes, a amizade como consequência dos projetos que obrigam à partilha da intimidade e dos desafios, sejam aqueles com que trabalham com ele, sejam os clientes. Por isso quiseram criar um atelier, o Fragmentos, que fosse uma sala de estar para “receber amigos”. E tem sido essa confiança que lhes tem permitido crescer.

O que vos conquistou neste espaço? O que é que vos levou a fazer este investimento?

Para terem noção, tínhamos iniciado as obras no início de 2020, e três meses depois, confinamento e vai tudo para casa. Ainda estavam as obras a meio, e na altura mandámos parar as obras durante 15 dias para tentar perceber se isto era realmente complexo ou não. Viemos para o centro de Lisboa porque queríamos dimensão para quem nos procura e também por ser um sítio facilmente acessível para os nossos colaboradores.

No início estávamos no terceiro andar, depois o Fragmentos foi tendo um crescimento orgânico, que nos surpreendeu um pouco, mas a verdade é que, de repente, o espaço estava muito curto. O espaço cá em baixo era um supermercado que, curiosamente, também deixou de existir.

Nós olhamos para este espaço, tinha esta parte da frente, e acho sempre interessante quando se pode passar na rua e ver um espaço vivo no interior e era também uma forma de comunicar.

Depois tem a parte boa que é a luz deste atelier, tem janelas quase em todos os alçados. E o facto de ser um open space, porque falamos muito uns com os outros durante o dia de trabalho para trocarmos opiniões.

Em casa do arquiteto
Atelier Fragmentos

Fale-nos um pouco mais sobre o projeto deste atelier.

Foi interessante. Não quisemos ser nós a desenhá-lo e fizemos um concurso interno para as pessoas se organizarem em pequenas equipas e fazerem o seu projeto. Como é que viam este espaço? Obviamente, depois tornou-se um projeto de todos, acabámos por ir buscar algumas ideias de outros projetos. Havia aqui a necessidade de a entrada ser quase uma sala de estar, porque há uma relação muito próxima do arquiteto com o promotor, com o dono de obra, principalmente quando ele vai fazer a sua casa ou o seu escritório.

Normalmente, ficam nossos amigos porque é uma relação de intimidade, eu tenho que saber quase tudo da forma de viver dele, da forma de estar daquela pessoa, para conseguir desenhar aquilo que vá ao encontro daquilo que ele que ele é.

Depois, do ponto zero até eu estar a viver na casa são três anos, com tudo a correr bem, porque o percurso tem tantas nuances, desde a parte administrativa até a parte da obra que não conhecemos nenhuma obra que tenha acabado na data que foi marcada no início.

Trabalham muito com projetos de casa unifamiliares. É aquilo que mais gosta?

Todos têm programas e pontos de partida diferentes e são desafios diferentes. Nós continuamos a fazer muitas casas porque esta relação intrínseca e muito próxima com a pessoa é que nos dá também uma liberdade e que nos acrescenta um objeto arquitetónico.

Por exemplo, a antiga serração tem um portãozinho muito discreto e depois havia aquele espaço maravilhoso. Ali interessa perceber o que é que já lá está, que vale realmente a pena manter, porque mantém memória antiga. E acrescenta memória futura? O que é que é supérfluo? Porque se fossemos só reabilitar aquilo que existe, não fazíamos nada novo. Esse foi um desafio realmente muito interessante, que é tornar uma serração de madeiras num espaço habitável para uma casa, uma casa de sonho, daquelas casas que me apetecia era ficar com ela.

Em casa do arquiteto
Atelier Fragmentos

Falava do crescimento do atelier nos últimos anos.

Quando decidimos conscientemente que o atelier ia crescer, o atelier também tem que ir ao encontro de todas as pessoas que trabalham connosco, alguns há muitos anos, para também eles poderem crescer dentro do atelier, terem outras responsabilidades. Obviamente que depois não são estes projetos que pagam os ordenados. Estes projetos normalmente têm uma margem de lucro financeira pequena pelo tempo que lhes dedicamos. É muito difícil um arquiteto dar a obra como concluída… Ainda bem que temos prazos para entregar (risos).

E existem outros projetos maiores e outros desafios que vêm do capital de confiança no Fragmentos. Os promotores imobiliários começam a reparar nos pequenos projetos e a dar-nos a confiança para fazer grandes projetos.

Como foi realizar um projeto como o Quake, Lisbon Earthquake Museum?

O Quake é um projeto com um programa muito específico. E tecnicamente é tão desafiante e tão complexo que, obviamente, não deu lucro ao atelier. Mas deu visibilidade e muito prazer estarmos ligados ao projeto.

Em casa do arquiteto
Atelier Fragmentos

E por falar em lucro, qual o maior desafio de gerir com atelier com 55 pessoas?

Estamos muito dependentes da angariação de trabalho, numa altura pode ser grande e outra pequena. No entanto, um trabalho demora normalmente dois anos a desenvolver e isso permite-nos alguma previsibilidade. De qualquer forma, é difícil fazer essa previsão e temos muitas noites mal dormidas.

Mas é bom crescer, é bom poder fazer mais projetos de arquitetura, ter mais pessoas, mais massa cinzenta.

O Fragmentos começa logo com três sócios que depois passam a quatro, portanto estamos muito habituados a ouvir-nos uns aos outros. Essa comunhão é muito importante. Atualmente, na nossa equipa 30% têm menos de 30 anos. Temos acordos e protocolos com universidades para trazer sempre pessoas novas, que já pensam de forma diferente, já têm outros problemas já os resolvem de outra forma, e é muito importante para nós acrescentar toda a nossa experiência, todo o nosso saber e essa parte mais reativa e mais inspiradora. O nosso percurso académico em arquitetura leva-nos muito para o conceito, leva-nos muito para abrir a cabeça, para olhar para as coisas de forma diferente.

O Miguel sempre quis ser arquiteto?

Eu desenhava cavalos quando era miúdo. Acho que o momento chave é quando faço o liceu no Pedro Nunes e torno-me amigo do Duarte Pinto Coelho, meu sócio, ainda hoje. E depois essa minha parte é conjugada com a dele. Ele é neto do Ruy Jervis d'Athouguia, que é um dos arquitetos da Gulbenkian, que continua a ser, passados estes anos todos, um dos edifícios de excelência, mais bonitos da cidade de Lisboa, e é quase consensual.

No primeiro ano de arquitetura não fazia o que ia acontecer. Depois tenho a sorte de ter o professor Manuel Tainha, excecional arquiteto português, e deixou-nos todos boquiabertos com a sua sensibilidade. “Se isto é arquitetura, eu quero muito ser arquiteto. Não tenho dúvidas nenhumas.”

Em casa do arquiteto
Atelier Fragmentos

No segundo ano havia um professor que tinha fama de ser muito duro, mas bom, o mesmo tempo, havia alunos que saíam a chorar das aulas porque ele destruía os projetos, mas foi exatamente o que precisávamos.

O Manuel Tainha trouxe-nos a magia daquilo que é a arquitetura. Estamos apaixonados, mas agora precisamos começar o namoro à séria e o arquiteto Luiz Costa foi realmente alguém que foi absolutamente essencial para me apaixonar definitivamente pela arquitetura.

A arquitetura é valorizada em Portugal?

Temos muitos e bons arquitetos. Não é normal um país com 10 milhões de habitantes ter dois Pritzker nos últimos 20 anos, Siza Vieira e Souto Moura. E eu estou absolutamente convicto que nos próximos anos teremos um outro. Eu acho que Manuel Mateus vai ser Pritzker muito em breve, com todo o mérito, tem um trabalho absolutamente fabuloso.

Eu acho que, tanto a escola do Porto como a escola de Lisboa tiveram as suas fases muito boas, mas tem outras fases mais ou menos boas, portanto, temos bons arquitetos. Hoje em dia faz-se boa arquitetura. Mas houve uma altura muito complexa, nos anos 70/80 construiu-se muito e com pouca qualidade, havia poucos arquitetos e as pessoas tinham medo dos arquitetos.

Em casa do arquiteto
Atelier Fragmentos

É essencial haver um cuidado maior com o desenho urbano. No entanto, uma questão com a recolha de esgotos e águas pluviais, para resolver as cheias em Lisboa, é uma obra que demora 3 ou 4 anos para fazer e ninguém vê. Os políticos, regra geral, têm alguma preocupação em deixar obra visível no final dos mandatos. Por outro lado, o planeamento urbano é uma coisa que demora tempo a pensar e depois demora tempo a executar.

Tem que existir alguma coragem política para poder desenhar a cidade de forma a podermos fazer, por exemplo, construção que resolva problema de as pessoas estarem a sair do centro da cidade porque não têm dinheiro.

Os lisboetas, os portugueses, estão a sair dos centros das cidades porque não têm dinheiro. Tudo cresceu de uma forma exagerada. Há aqui algo mais que eu acho que, para além deste programa habitação, que pode ser feito pelo Governo.

Em casa do arquiteto
Atelier Fragmentos

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