No design de interiores, o luxo deixou de ser sinónimo de ostentação e ganhou novos significados, refletindo mudanças sociais e a procura por conforto e funcionalidade. Elementos como luz natural, espaço bem distribuído e soluções sustentáveis estão cada vez mais presentes, respondendo às necessidades e sensibilidades contemporâneas. Para cada pessoa, o luxo define-se de forma única, seja através da tradição, da memória ou da simplicidade de ambientes que privilegiam a autenticidade. Em entrevista ao idealista/news, Mariana Martins, responsável pelo design de interiores na RE Capital, que trabalha projetos imobiliários no segmento premium, reflete sobre a evolução deste conceito e desafios de equilibrar as expectativas tradicionais com materiais e soluções inovadoras.
A designer considera que é preciso desmistificar o conceito de luxo no mundo imobiliário que, na verdade, está a transformar-se – ou que durante muito tempo esteve ligado a um preconceito. Na era da funcionalidade e sustentabilidade, o luxo está cada vez mais relacionado com um propósito, uma identidade, acompanhando as mudanças do mundo moderno. Para Mariana Martins, é preciso desconstruir a ideia de que os materiais como a pedra natural ou madeira maciça são fundamentais, por exemplo, já que as alternativas conscientes também podem ser elegantes e sofisticadas.
Além disso, na era dos ambientes massificados e repetidos, a designer da RE Capital defende ser fundamental voltar às origens, dar espaço à memória e emoção, e não tem dúvidas que o futuro dos ambientes evoluirá nesse sentido.
O que significa luxo no mundo do design de interiores?
Começaria por dizer que não há definição, porque acho que isso é super subjetivo. Acho que há temas onde todos nos vamos encontrar naquilo que é a nossa definição de luxo. Por exemplo, o espaço é uma coisa importante. Ou seja, termos espaço para habitar de uma forma eficiente, que se coadune com a nossa maneira de viver. O conceito de luxo tem vindo a mudar imenso. Se antigamente pensávamos que o luxo era ter de estar vestidos com marcas da cabeça aos pés, hoje em dia é muito mais do que isso. E o design de interiores também acompanha essa mudança, e as mudanças no mundo.
Mas eu acho que luxo é uma coisa que tem vindo a mudar imenso. Se antigamente pensávamos que o luxo era ter de estar vestidos com marcas da cabeça aos pés, hoje em dia é muito mais outras coisas.
Por exemplo, o Covid há uns anos... Se calhar não seria tão importante como é hoje ter um espaço exterior para estar, um espaço para trabalhar... São dois fatores de luxo que são muito mais óbvios agora, depois da experiência que todos tivemos no Covid. Portanto, eu não acho que haja uma definição de luxo, muito sinceramente. Acho que é diferente para todos os contextos sociais, uma vez que há tanta coisa que nos faz priorizar coisas diferentes. Somos todos diferentes.
Mas como é que sente também que este segmento foi evoluindo ao longo dos anos? E que desafios é que a Mariana foi encontrando também ao longo deste tempo?
Quando temos um empreendimento para fazer, tentamos proporcionar o máximo das melhores condições que podemos ter. Vou agora usar o exemplo de um projeto que lançámos mais recentemente, que é o Bellevue. É um projeto em que todos os apartamentos têm vista de mar, localizado numa zona residencial, mas muito perto do centro, portanto, onde as pessoas podem fazer a sua vida a pé. Todos os espaços foram pensados, as circulações, a forma como a pessoa vai viver. Foi tudo considerado. Diria que se fossemos falar de luxo, se calhar a penthouse é a que mais se pode aproximar daquilo que é o nosso preconceito em relação ao luxo, que eu acho que é um preconceito. Uma vez que não há muitas assim.
É um empreendimento que, pelas suas características, chega a uma série de pessoas em tudo aquilo que nós podemos individualmente pensar que o luxo é. Esse é o verdadeiro desafio. Além disso, o desafio interno que nós temos é: os nossos projetos não têm uma cara. É muito mais fácil trabalhar para cada um de nós. Ou seja, se alguém me disser como é que eu vivo a casa, como é que eu habito, o que é que eu gosto, o que é que eu não gosto, o exercício de resposta é muito mais fácil porque é muito mais contido. Aqui, é muito mais alargado. Portanto, acho que o desafio é um bocadinho esse. É ser, é trabalhar para um cliente invisível. E eu não sinto que tenha grandes desafios, porque eu acho que o exercício é relativamente fácil. Se calhar temos imensa sorte porque trabalhamos com arquitetos que sempre receberam os nossos inputs como sendo uma mais valia e uma sempre foi uma coisa muito partilhada. Eu não sinto que haja assim grandes desafios no exercício daquilo que é o nosso trabalho.
O luxo é, portanto, relativo. Para mim pode ser ter luz natural, para outra pessoa ter uma varanda. Daí a importância de desmistificar esse conceito?
É uma coisa que vai acontecer naturalmente. O luxo, até emocionalmente falando, eu acho que vai haver uma altura nas nossas vidas em que nós vamos voltar um bocadinho às nossas tradições, porque este mundo moderno também é sempre muito igual. Há uma repetição. Nós somos bombardeados com imagens e é tudo muito repetido, muito idêntico. E eu acho que o futuro também é voltarmos um bocadinho às nossas origens e apelar à memória e à emoção.
Nós somos bombardeados com imagens e é tudo muito repetido, muito idêntico.
Num mundo em constante mudança, com tanta repetição e informação, a tantos níveis, como é que se mantém a criatividade sempre ativa? Onde procura inspiração para os projetos?
A inspiração vem como resposta a um contexto e o lugar é sempre uma fonte de inspiração. A resposta a um empreendimento que está localizado em Cascais, em frente ao mar, é diferente de um contexto como Marvila, por exemplo. Eu acho o lugar dá logo imensas diretrizes de como agir. E depois há muito trabalho de pesquisa de imagens, de qual é que é o ambiente que nós achamos que mais se adequa. Os layouts também são uma fonte de inspiração, quase que falam connosco.
Percebemos, por exemplo, que estávamos a idealizar que o espaço devia ser desenvolvido para uma determinada zona e de repente aquilo não tem nada a ver. Ou seja, é muito mais uma resposta do que uma inspiração ou um rasgo inspiracional, é uma resposta. E os instrumentos são basicamente estes: a localização, o lugar, todo o seu contexto, que todos os contextos têm coisas para dizer. E a planta propriamente dita. Eu acho que é fundamental.
Disse que temos que voltar à nossa memória e à tradição. Talvez hoje em dia procuremos ambientes muito repetidos, muito massificados ou muito de revista, ou todos iguais. Falta identidade?
Está-se a perder um bocadinho a identidade. Nós tentamos sempre dar identidade a qualquer projeto com que estejamos a trabalhar. Mas essa identidade também não pode ser imposta à pressão. Ou seja, nós, comercialmente falando, não podemos apostar numa identidade muito rígida ou muito ligada àquilo que somos, neste caso, porque temos que deixar espaço para todas as outras pessoas poderem ter voz nas casas onde vão viver.
Acho que isso tanto se associa ao design de interiores, à arquitetura, a muitas outras disciplinas. Porque, de facto, sinto que as pessoas estão cansadas da repetição. Às tantas quase já nem é absorvida pelo cérebro. Visualmente falando, são sempre os mesmos estímulos e considero que as coisas acabam por perder a identidade, mesmo quando vamos a sítios que de facto ainda não tiveram intervenção nenhuma e parece que o Pinterest ainda não chegou lá...Há assim um certo saudosismo. E acho que naturalmente isso irá acontecer.
Acho que as pessoas estão cansadas da repetição. Às tantas quase já nem é absorvida pelo cérebro.
Entre os vários projetos em que tem estado envolvida, gostaria de destacar algum? Sobre este empreendimento, em particular, o que é que ele traz de diferente?
O nosso projeto Bellevue é constituído por dois blocos. Cada um tem sete apartamentos, é uma escala pequenina. Tem uma localização completamente premium. Está perto do centro de Cascais, mas está elevado relativamente à baía e àquela zona mais perto do mar, portanto, tem vistas de mar, super desafogado, está uma 'walking distance' do centro. Falando da parte que mais se relaciona com a minha área de atuação, acho que aquilo que tentámos fazer foi um espaço silencioso, muito clean em termos de soluções, além de que o edifício tem muita luz. Quisemos trazer isto também para dentro de casa. Tem espaços exteriores incríveis, todos eles têm varandas com boas dimensões.
Tem também uma zona comum a que todos têm acesso. Foi um exercício relativamente simples, no sentido em que nós quisemos que fosse simples. Por oposição, por exemplo, aqui ao Marvila, que já é um contexto completamente diferente, muito rico artisticamente do que se passa aqui à volta. Pode-se beber muito daquilo que a comunidade faz – e faz um excelente trabalho.
Acho que todos os nossos empreendimentos e todos os projetos nos quais estamos envolvidos há sempre esse cuidado de trazer para dentro dos empreendimentos tudo o que é o contexto da sua envolvente e trabalhar isso da melhor maneira possível e sempre, sempre, tendo como objetivo proporcionar espaços confortáveis e que respondam às necessidades de grande parte das pessoas.
Como vê o futuro do design de interiores de luxo? Qual o papel da sustentabilidade?
Todas as mudanças, ou grande parte das mudanças eu acho que vão estar sempre muito relacionadas com a sustentabilidade. É uma preocupação para toda a gente que é minimamente consciente e acho que vai haver uma mudança. O que eu sinto é que ainda há um certo preconceito. Por exemplo, quando as pessoas pensam em luxo, pensam tem que ser pedra natural, tem que ser madeira maciça. Estes dois materiais vêm sempre no topo da lista. Em termos de sustentabilidade, nós vamos ter que perceber que isso não é viável.
Portanto, aquela resistência que a maior parte dos clientes tem ao uso de cerâmicos, ao uso de pavimentos multicamadas, por exemplo... As pessoas têm que perceber que a extração da pedra é um recurso limitado, a madeira a mesma coisa. Portanto, eu acho que o desafio será na aceitação das pessoas para começar a entender que esses materiais vêm de uma consequência do planeta estar a esgotar-se. Mas agora eu ainda não sinto que há essa aceitação. Eu acho que quando as pessoas pensam em luxo, pensam muito nestes dois materiais que vêm sempre no topo da lista.
Todas as mudanças, ou grande parte das mudanças eu acho que vão estar sempre muito relacionadas com a sustentabilidade
Por que é que acha que vêm sempre no topo da lista? Por causa do cliente final que vai viver no apartamento ou o promotor imobiliário que está a construir o empreendimento e considera, por exemplo, que chegará mais facilmente a um determinado público?
Eu acho que a questão da preocupação da sustentabilidade por parte dos clientes é notória. Há um tipo de cliente mais internacional que tem essa preocupação e essa consciência, há outros que nem tanto. Há outros que ainda não se descolaram dessa vontade de ter a pedra natural com não sei quantos centímetros, da madeira maciça. E eu acho que isto é uma coisa que é muito histórica. Realmente, quando nós olhamos para aqueles edifícios mais antigos, estes são os materiais que nos traduzem uma certa confiança.
De facto, nesses edifícios muito antigos, o uso destes materiais demonstra que a longevidade está mais do que garantida. Também há este detalhe mais sóbrio da questão. Mas o desafio será do nosso lado, da parte do design de interiores, mostrar que se podem fazer coisas igualmente elegantes e com um resultado final satisfatório. E que não limite ainda mais aquilo que são os nossos recursos.
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