Um proprietário que entregou a sua casa a uma empresa para arrendamento de curta duração, sem contrato formal nem nada declarado às Finanças, depara-se agora com uma surpresa: o imóvel foi arrendado a um casal durante um ano, e a empresa só vai devolvê-lo em janeiro de 2026. O que é que é possível fazer para recuperar já a casa e regular a situação? Explicamos com fundamento jurídico.
“Situações como esta são mais comuns do que se imagina. Muitos proprietários, ao longo dos anos, confiaram os seus imóveis a empresas especializadas em arrendamento de curta duração, com acordos informais, sem contratos formalizados nem comunicações à Autoridade Tributária (AT)", começa por explicar Martim Guerreiro Figueira, associado principal de Imobiliário da PRA – Raposo, Sá Miranda & Associados, neste artigo preparado para o idealista/news.
Segundo o especialista, o problema surge quando, ao tentar recuperar o imóvel para vender ou usar, descobrem que o mesmo está ocupado com contratos assinados com terceiros à revelia dos próprios proprietários. Afinal, o que se pode fazer numa situação destas?
Contrato verbal ou escrito sem registo: existe valor legal?
Acordos verbais ou escritos têm valor jurídico em Portugal desde que se consiga fazer prova da sua existência. Contudo, a ausência de registo escrito e assinado dificulta a obtenção da mesma. No contexto imobiliário, essa dificuldade aumenta uma vez que não há um contrato de arrendamento registado na Autoridade Tributária (obrigatório por lei) que defina com clareza, os direitos e deveres do proprietário e da empresa em causa, nomeadamente, qual o período de vigência do acordo celebrado, qual o quantitativo de renda a pagar pela empresa como contrapartida da ocupação, se existe ou não a possibilidade de subarrendamento a terceiros, entre outros fatores.
Em matéria de arrendamento de imóveis, o artigo 1069.º do Código Civil estabelece que: “O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito, sob pena de nulidade.” Ou seja, um contrato de arrendamento urbano feito verbalmente ou por outro tipo de acordo é, à partida, nulo. Isto significa que, em Tribunal, o proprietário ou a empresa podem não conseguir fazer valer os direitos que derivam de tal acordo – precisamente por falta de forma legal.
No entanto, há uma exceção prática: se houver execução continuada do presumível contrato de arrendamento por parte da empresa, nomeadamente se esta pagou uma renda ao proprietário por um período consecutivo igual ou superior a seis meses, se existe uma ocupação efetiva e pacífica do imóvel acrescida de recibos de renda que comprovem a ocupação entregues pelo proprietário à empresa, os tribunais podem, em alguns casos, considerar que existe uma relação contratual de facto — e atribuir a este acordo escrito efeitos jurídicos.
A figura do “comodato” e outras interpretações possíveis
Em situações como esta, os tribunais podem interpretar o acordo escrito celebrado entre o proprietário e a empresa como um se de um comodato se tratasse — ou seja, uma cedência gratuita do uso do imóvel por um período de tempo regulada nos termos dos artigos 1129.º e seguintes do Código Civil.
Se houver prova de que a empresa não pagava renda fixa ao proprietário, esse pode ser o caminho legal a seguir, caso contrário, ao verificar-se que existia partilha de rendimentos entre as partes, pode ainda ser entendido como se de um contrato de prestação de serviços para alojamento local se tratasse.
Contrato de arrendamento assinado pela empresa com terceiros
Aqui reside o maior problema: a empresa, sem ser proprietária do imóvel, celebrou um contrato de arrendamento habitacional por um ano com um casal. Ou seja, celebrou um contrato de subarrendamento sem o consentimento expresso do proprietário o que pode levar a que este contrato venha a ser considerado nulo ou inválido, dependendo da prova existente.
Ainda assim, mesmo que o contrato originário entre o proprietário e a empresa esteja ferido de validade nos termos acima expostos, o contrato de arrendamento com o casal que agora vive no imóvel pode ter efeitos jurídicos válidos se for considerado que eles o assinaram de boa-fé, isto é, sem saberem que a empresa não tinha legitimidade para arrendar a casa pelo período acordado de um ano. O que significa que, mesmo com as falhas decorrentes do contrato originário, pode não ser possível a recuperação imediata da propriedade do imóvel pelo proprietário.
Recuperar o imóvel: o que pode ser feito?
- As opções mais diretas e com menor perca de tempo para o proprietário passam pela negociação direta com o casal arrendatário e estabelecer um acordo amigável para desocupação antecipada do imóvel, negociando-se uma eventual compensação a liquidar ao casal.
- Caso tal abordagem não resulte não restará alternativa ao proprietário senão interpor a competente ação judicial para reivindicação da propriedade com o objetivo de lhe ser restituída a posse do imóvel sua propriedade.
A situação é juridicamente complexa, uma vez que envolve contratos não escritos, terceiros de boa-fé e ainda questões fiscais. A melhor abordagem combina a procura de assessoria jurídica imediata e a análise de e-mails, transferências bancárias efetuadas entre as partes, etc.
Como forma de abordar e resolver o tema o mais atempadamente possível a negociação direta com os inquilinos poderá ser a melhor opção. Caso não resulte não seja possível uma solução consensual, recorrer à via judicial.
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