Benefícios fiscais do RNH têm atraído emigrantes e estrangeiros para o país. Mas regime vai acabar com OE2024. O que vai mudar?
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Estrangeiros a comprar casa em Portugal
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Há cada vez mais estrangeiros e emigrantes portugueses pelo mundo que resolvem comprar casa em Portugal – e, muitas vezes, por preços mais elevados. E o peso dos empréstimos habitação contratados por não residentes em Portugal tem vindo a ser cada vez mais expressivo, tendo voltado a aumentar face ao total no terceiro trimestre de 2023, num momento em que os juros estão altos e se espera que assim continuem, apesar do Banco Central Europeu (BCE) ter decidido fazer uma pausa na subida das taxas de juros diretoras na passada quinta-feira.

Estas famílias que residem lá fora são atraídas pela qualidade de vida, segurança e bons serviços de saúde e educação que Portugal oferece. Mas não só: também procuram vantagens fiscais que encontram, por exemplo, no regime de residentes não habituais, a que agora o Governo quer pôr um fim, já a partir de 2024, depois de ter acabado também com os vistos gold no âmbito do Mais Habitação. Como ficará o crédito habitação por não residentes depois do fim do estatuto dos RNH, contemplado na proposta do Orçamento do Estado para 2024 (OE2024)? Explicamos.

Olhando para o universo de créditos habitação formalizados entre julho e setembro de 2023, salta à vista que os empréstimos contratados por não residentes ganharam força: representaram 28,5% do total no verão de 2023 contra 23,4% no trimestre anterior, mostra o mais recente relatório do idealista/créditohabitação.

Os agregados que avançaram com a compra de casa em Portugal têm elevado poder de compra (auferindo um rendimento médio de 6.788 euros), tendo, por isso, maior margem financeira para lidar com as condições mais restritivas da banca na hora de conceder um empréstimo para comprar casa, bem como com as elevadas taxas de juro que se refletem na prestação, e que deverão permanecer em alta muito embora o BCE tenha decidido fazer agora uma pausa na restrição da sua política monetária que tem como objetivo baixar a inflação na zona euro para 2%. Christine Lagarde deixou claro que é "prematuro" pensar em cortes nos juros, porque há vários riscos que podem ter impacto na economia europeia e mudar as perspetivas futuras da inflação na Zona Euro, nomeadamente a guerra na Ucrânia, o conflito armado entre o Hamas e Israel e ainda a crise climática.

E como se caracterizam estes créditos habitação contratados no terceiro trimestre de 2023? Os estrangeiros e emigrantes optaram por comprar casas pelo custo médio de 259.568 euros (+46% face ao segundo trimestre), pedindo para o efeito um crédito habitação de 161.097 euros, em média (+33%). A maioria opta por financiamentos entre 70% e 80% e por taxa mista (62% do total), em detrimento da taxa variável (24%) e da taxa fixa (14%). A escolha das taxas mistas - que têm período fixo, seguido a variável - está a ganhar peso não só entre os não residentes, como também entre os portugueses, porque dão estabilidade às prestações da casa nos primeiros anos e porque "hoje existem ofertas a taxa mista que estão abaixo dos 4% que é o nível atual da Euribor", tal como apontou Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal.

Isto quer dizer que os cidadãos não residentes em Portugal têm altos rendimentos e estão a avançar com a compra de casas mais caras, pedindo também um maior financiamento bancário no verão de 2023 face ao trimestre anterior. E há vários motivos que levam estas famílias em investir numa casa no nosso país, como o bom clima, segurança, qualidade de vida e os bons serviços de educação e de saúde. Depois, há também os benefícios fiscais que atraem estrangeiros e portugueses emigrados noutros países, como é o caso do regime de residentes não habituais (RNH),  com a redução do IRS durante 10 anos, e do Programa Regressar, até agora elegível para emigrantes com residência fiscal prévia em Portugal. Mas tudo pode mudar já em 2024.

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Fim dos RNH vai influenciar a compra de casa e pedidos de crédito habitação?

Apesar de estes benefícios fiscais atraírem novas famílias, talentos e investidores vindos do estrangeiro para Portugal, dinamizando a economia e o emprego, a proposta do Orçamento de Estado para 2024 (OE2024) prevê alterar ambos os programas da seguinte forma:

  • Programa Regressar: passará requerer residência fiscal em Portugal até 2026 e deixa de ser necessário comprovar residência prévia (abrindo o programa também a estrangeiros, além de emigrantes portugueses). Além disso, a exclusão de tributação de 50% passa a ter um limite de 125.000 euros e é exigido que os beneficiários não tenham residência fiscal em Portugal nos últimos 5 anos;
  • Regime dos RNH: o OE2024 prevê mesmo terminar com este regime que prevê uma redução no IRS durante 10 anos a partir de 2024, salvaguardando que quem já adquiriu o estatuto de RNH vai continuar a beneficiar do mesmo. O Governo também está a ponderar criar um período de transição para permitir que os pedidos que cheguem à Autoridade Tributária (AT) depois de 31 de dezembro de 2023, por atraso do SEF, ainda sejam avaliados. Em jeito de substituir o RNH, o Governo criou outro incentivo, com os mesmos moldes, mas mais "restrito", já que é apenas direcionado a profissionais que exerçam funções nas áreas da investigação científica e desenvolvimento empresarial.

Os especialistas de mercado ouvidos pelo idealista/news não tem dúvidas que o regime de RNH tem tido um crescente interesse por parte de famílias, empresários, reformados e investidores nos últimos anos. E chegam de vários países como Reino Unido, Espanha, França, Itália, EUA, Brasil, China ou da Suécia.

Além disso, reconhecem que há famílias que vêm do estrangeiro motivadas pelo RNH e resolvem mesmo comprar casa em Portugal – e a preços bem mais elevados. Um estudo da NHR Global Association em 2022 verificou que cada RNH gastou, em média, cerca de um milhão de euros na compra de propriedades no país, destacou Roman Carel,sócio fundador da Athena Advisers. Assim, o fim do RNH a ter impacto será na venda de casas mais caras (e até de luxo) e nos respetivos créditos habitação. Neste sentido, "os promotores de luxo portugueses vão sentir mais dificuldade a vender os seus imóveis”, alertou César Brito, responsável pela De Brito Properties.

Fim do RNH em Portugal
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Já no que toca ao universo total de vendas de casas a nível nacional, a maioria dos profissionais auscultados admite que a percentagem de RNH que adquire casa no nosso país continua a ser “residual”, não tendo por isso impacto na inflação dos preço das casas, nem no acesso à habitação - como alega o primeiro ministro António Costa, que elencou precisamente este motivo para acabar com o regime, além da "injustiça fiscal".

Assim sendo, esta visão dos especialistas sugere que o fim do RNH – e a sua substituição por outro regime mais “restrito” – terá baixo impacto na venda de casas a nível nacional e, por conseguinte, nos créditos habitação concedidos a estrangeiros e a emigrantes que vêm para Portugal incentivados por este regime fiscal. Já no mercado residencial de luxo, o impacto será superior.

Mas analisando as alterações propostas para o Programa Regressar – nomeadamente, o facto de deixar de ser exigida uma prévia residência fiscal –, os fiscalistas consideram que este incentivo passará a estar também acessível aos estrangeiros, além dos portugueses que tenham interesse em voltar ao país. Por isso mesmo, referem ainda que se estas mudanças previstas no OE2024 andarem para a frente, o Programa Regressar pode transformar-se numa alternativa ao regime RNH, tal como noticiou o idealista/news. Se assim for, o impacto do fim do RNH na venda de casas e nos créditos habitação concedidos a não residentes deverá ser ainda menor.

Contudo, importa não esquecer que todas estas potenciais mudanças que tocam os benefícios fiscais para quem vem do estrangeiro - onde se incluem os vistos gold que também terminaram com o Mais Habitação - , criam preocupações e geram um clima de instabilidade, o que pode afetar a atratividade de Portugal lá fora, seja como destino para viver, trabalhar ou investir, sem resolver o problema de acesso à habitação no país, alertaram ainda os mesmos especialistas.

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