
Num ano desafiante como 2023, os bancos cumpriram a sua parte e seguiram à risca as recomendações do Banco de Portugal (BdP) quanto à concessão de novos créditos habitação, reduzindo assim os potenciais riscos de incumprimento e exposição ao imobiliário residencial. Mas num contexto de elevadas taxas de juro e preços das casas houve quem ficasse de fora. As famílias com baixos rendimentos e poucas poupanças viram-se quase impedidas de comprar casa com recurso a crédito habitação, cumprindo as regras macroprudenciais. Isto porque com baixos salários torna-se difícil no atual cenário ter taxas de esforço inferiores a 50% e de dar mais de 10% de entrada para a compra de uma habitação.
Em 2023, “as instituições de crédito continuaram a cumprir as orientações definidas na recomendação macroprudencial” definidas para a concessão de novos créditos habitação e para outros fins, concluiu o BdP no relatório sobre o acompanhamento da recomendação macroprudencial de março de 2024:
- Taxas de esforço inferiores a 50% foi registada em “cerca de 91% do montante associado a novos créditos à habitação e ao consumo”;
- Financiamento bancário igual ou inferior a 80% para cerca 68% das novas operações de crédito habitação. “A quase totalidade das novas operações registou um rácio loan-to-value (LTV) inferior ou igual a 90%”. E a percentagem média de financiamento dos novos créditos para compra de habitação própria e permanente fixou-se em 69%, caindo 10 pontos percentuais (p.p.) face ao terceiro trimestre de 2018 e 6 p.p. face a 2022;
- Maturidade média dos novos créditos habitação foi de 30,6 anos, o que “resulta do cumprimento quase generalizado por parte das instituições da convergência da maturidade média para 30 anos”.
- Perfil de risco dos novos mutuários melhorou: observou-se uma “redução da percentagem de crédito concedido a mutuários de risco elevado” (devedores com taxa de esforço superior a 60% e/ou financiamento superior a 90%) e um “aumento da percentagem concedida a mutuários de risco baixo” (devedores com taxa de esforço igual ou inferior a 50% e financiamento bancária inferior ou igual a 80%).“ Esta evolução deve-se principalmente ao aumento da percentagem de novas operações de crédito à habitação com um rácio LTV inferior ou igual a 80%, num contexto de aumento de taxas de juro e preços da habitação”, explica o BdP.

Famílias com baixos salários ficam de fora do crédito habitação
Acontece que o perfil de risco das famílias que contrataram crédito habitação em 2023 só melhorou porque quem tem menores rendimentos viu-se quase impedido de aceder a novos empréstimos: “A proporção de crédito concedido a mutuários de risco elevado (…) diminuiu de cerca de 32% no terceiro trimestre de 2018 para apenas 3% em 2023”. Isto quer dizer que houve menos famílias a pedir créditos habitação com taxas de esforço superiores a 60% e financiamentos bancários superiores a 90%.
Por outras palavras, quem tinha poucas poupanças para dar entrada para a casa e baixos salários retraiu a procura de crédito habitação em 2023, tal como noticiou o idealista/news. Vejamos como isso influencia os critérios de concessão de empréstimos habitação:
- Baixas poupanças: ao pedir financiamento bancário, as famílias têm de dar pelo menos 10% do menor valor entre o preço e a avaliação da casa. Num contexto em que as casas estão a ficar mais caras e o metro quadrado continua a valer cada vez mais para a banca, torna-se mais difícil as famílias com baixo poder de compra conseguirem amealhar dinheiro para dar a entrada da casa e cumprir este critério;
- Salários baixos: os rendimentos mensais dos mutuários entram para o cálculo da taxa de esforço, que mede a precisamente quanto é que a prestação da casa pesa nos salários. Portanto, num contexto de altos preços das casas e elevadas taxas de juros facilmente a prestação da casa “consome” boa parte do rendimento das famílias, excedendo os 50%. Além disso, no cálculo da taxa de esforço entra também entra o teste de stress que se soma à taxa de juro. Recorde-se que o teste de stress só desceu de 3% para 1,5% em outubro de 2023, tendo baixo impacto no balanço do final do ano, embora se preveja que ajude a melhorar o acesso ao crédito habitação por parte das famílias com menores rendimentos.
Assim, as limitações da taxa de esforço (até 50%) e o financiamento (até 90%) recomendadas pelo regulador português acabam por proteger os bancos de situações de incumprimento. Mas, ao mesmo tempo, acabam por obrigar as famílias com baixos rendimentos a ter altas poupanças ou até a comprar casas mais baratas. Caso contrário, ficam impedidas de aceder a créditos habitação num contexto de altos juros e preços das casas. Isto explica o facto de a proporção de empréstimos habitação concedidos aos mutuários de maior risco ter caído para 3% em 2023.
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