
O contexto económico está mais desafiante, sobretudo, para quem tem baixos rendimentos. As famílias que recebem menos de 2 mil euros mensais têm interesse em comprar casa em Portugal. Mas grande parte não chegou a avançar com o crédito habitação no terceiro trimestre de 2023, depois do processo de consulta. A maior pressão sobre o poder de compra e dificuldades de poupança devido à inflação, a subida das taxas de juro, a par do acesso dificultado ao financiamento por via do teste de stress poderá ajudar a explicar a retração das famílias com baixos salários na contratualização de empréstimos para comprar casa no nosso país, tal como sugere o mais recente relatório trimestral do idealista/créditohabitação em Portugal.
Apesar do ambiente económico instável, existe vontade de pedir crédito habitação para comprar casa em Portugal. E são as famílias com rendimentos inferiores a 2 mil euros que mais têm interesse em fazê-lo, representando 41% dos pedidos de empréstimo bancário que chegaram ao idealista/créditohabitação no verão de 2023, tal mostra o relatório agora publicado. Logo a seguir estão as famílias que recebem entre 2 mil e 4 mil euros mensais, que correspondem a 34% dos pedidos.
No entanto, o elevado interesse não se traduz no mesmo nível de operações, sobretudo no que respeita às famílias de baixos rendimentos. Os agregados que recebem menos de 2 mil euros só representaram 9% do total dos créditos habitação contratualizados entre julho e setembro de 2023. Esta é uma percentagem bem inferior à observada um ano antes (no terceiro trimestre de 2022), quando as famílias com salários mais baixos representaram 32% do total de empréstimos habitação formalizados. E também é bem menor face à verificada no trimestre anterior (quando representaram 23% do total de operações).
Observa-se, portanto, que as famílias com baixos salários têm interesse em comprar casa com recurso a financiamento bancário, mas têm vindo a recuar na hora de finalizar o contrato. Há vários fatores que podem ajudar explicar este arrefecimento da contratualização de créditos habitação por parte dos agregados com rendimentos mais baixos, como:
- Casas à venda continuam a preços elevados face aos rendimentos (embora os preços tendam a estabilizar ou até a sofrer uma ligeira descida em 2023);
- Taxas de juro nos créditos habitação estão elevadas (passaram de 1,160% em setembro de 2022 para 4,247% no mesmo mês deste ano);
- Acesso ao crédito habitação tem sido dificultado: até setembro foi aplicado o teste de stress de 3% no cálculo da taxa de esforço. Esta realidade mudou no passado dia 16 de outubro por decisão do Banco de Portugal (BdP), que passou a simulação de subida de juros de 3% para 1,5%, prevendo-se que vai ajudar, assim, a facilitar o acesso aos empréstimos;
- Poder de compra continua pressionado com a inflação (apesar da taxa estar a descer em Portugal, tendo passado de 9,3% em setembro de 2022 para 3,6% no mesmo mês deste ano);
- Dificuldade em ter poupanças necessárias para dar de entrada no crédito habitação e suportar os gastos inerentes à compra de uma casa (escritura, impostos, etc);
- Diferenças entre a avaliação da casa e o preço de venda: geralmente, os créditos habitação são concedidos pelo valor mais baixo entre a avaliação do imóvel e o preço de venda. Se a avaliação for inferior ao preço significa que as famílias terão de desembolsar mais capital próprio para dar entrada da casa e cobrir o preço final.

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Quais são as características dos novos créditos habitação concedidos?
A baixa contratualização de créditos habitação por parte das famílias com baixos salários pode ajudar a explicar o perfil dos empréstimos concedidos no terceiro trimestre de 2023, que se caracterizam desta forma:
- Rendimento médio das famílias foi de 5.657 euros mensais: um valor superior ao salário médio registado um ano antes (+11%) e face ao trimestre anterior (+17%);
- Preço médio da compra da casa situou-se nos 261.821 euros: mais 1% do que o valor de compra apurado no terceiro trimestre de 2022. Em relação ao segundo trimestre de 2023, o preço médio aumentou 26%;
- Crédito habitação médio contratualizado foi de 171.435 euros: um valor 2% inferior do que há um ano, mas superior em 22% face ao trimestre anterior.
Portanto, como houve menos famílias com rendimentos baixos (inferiores a 2 mil euros mensais) a contratar crédito habitação no verão de 2023, observa-se que quem avança com os empréstimos tem maior poder de compra e, portanto, consegue comprar casas mais caras, pedir créditos habitação de maior valor ou até amealhar mais capital para dar de entrada no empréstimo.
Até porque, olhando para as escrituras realizadas no terceiro trimestre de 2023, “destaca-se uma menor percentagem em financiamentos entre 80% e 90% (30,3%), a favor de 70-80% (33,3%)”, lê-se no relatório. Um ano antes, prevaleciam os financiamentos de maiores percentagens (32,9% do total).
O que também salta à vista é que “os créditos habitação com taxas mistas estão a ganhar terreno em relação aos com taxa variável, representando 52% do total, em comparação com 28% no terceiro trimestre de 2022”, aponta ainda o relatório. Isto acontece porque, “a estabilidade que as taxas mistas/fixas oferecem conduz a que muitos clientes procurem defender-se, dada a incerteza do mercado”, além disso “existem ofertas de taxas mistas/fixas mais baratas do que as ofertas de taxa variável no momento inicial do empréstimo habitação”, tal como explicou em entrevista Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal.
Há, também, outras mudanças observadas na contratualização de crédito habitação no terceiro trimestre de 2023. Desde logo, a aquisição da primeira habitação continua a representar a maior fatia do montante contratualizado (quase 40%), mas deixou de ser a maioria. Quem avançou com crédito para a compra de habitação principal optou por pedir mais capital emprestado (179.527 euros, em média), para um preço de compra de casa ligeiramente inferior (260.860 euros). Nestes casos a maioria das famílias (cerca de 51%) opta por financiamentos entre 80 e 90%.
Já os créditos habitação contratados por não residentes continuam a ganhar peso face ao trimestre anterior (28,5% contra 23,4%), assim como as transferências (23,8% face a 7,8%). Por outro lado, a aquisição de segunda habitação perdeu expressão (8,5% no verão de 2023 contra 11,7% no verão passado).
Ainda assim, continua a assistir-se a uma predominância da concessão de créditos habitação por montantes inferiores a 200 mil euros (76,2% do total) - muito embora tenha perdido terreno face ao trimestre anterior (era de 85,7%). Cerca de 12,3% dos contratos intermediados pelo idealista/créditohabitação estão na faixa entre 200 mil e 300 mil euros. E 6,2% dos contratos entre 300 mil e 400 mil euros. Os restantes 5% referem-se a contratos superiores a 400 mil euros.
Qual é o perfil de quem contrata crédito habitação?
Antes de contratar um crédito habitação, os bancos fazem uma avaliação do perfil dos compradores, olhando para a idade, situação profissional e rendimentos, de forma a calcular o prazo, a taxa de esforço, bem como o montante do empréstimo. Desta forma, as instituições bancárias garantem também que as famílias têm capacidade financeira para pagar as prestações da casa até ao fim do contrato. Este é o perfil das famílias que formalizaram créditos habitação por via do idealista/créditohabitação no terceiro trimestre de 2023:
- 77,8% das escrituras situam-se na faixa etária dos proponentes entre os 25 e os 45 anos (mais que há um ano, quando esta faixa etária representou 70,4%);
- Idade média dos compradores baixou de 39 anos para 38 anos em apenas 12 meses (recomendação do BdP com novos prazos consoante as idades pode ter ajudado);
- Emprego estável: cerca de 88% das famílias têm contratos de trabalho permanente e 6% são funcionários públicos.
O que também salta à vista é que quem tem rendimentos mais elevados tende a ter uma menor taxa de endividamento. Ainda assim, os rendimentos superiores a 2 mil euros e inferiores a 4 mil euros mensais “registam um endividamento relativamente mais elevado, de cerca de 31%, sendo a média global de 25%”, explicam no relatório. Observa-se ainda que nos níveis de rendimento superiores o endividamento é de 23% ou inferior.
Mas há uma exceção à regra: quem recebe baixos salários (até 2.000 euros por mês) – apesar de representar só 9% dos contratos - apresentou um endividamento médio de 25% no terceiro trimestre de 2023, menor que o registado no período homólogo (29%) e igual à média dos contratos. Estes dados do idealista/créditohabitação sugerem que as famílias com baixos salários que realmente avançaram com crédito habitação para comprar casa fazem-no com uma taxa de esforço adequada à sua capacidade financeira, de forma a garantir o pagamento do empréstimo até ao fim e evitar situações de incumprimento.
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