
Big Data, Data Analytics, Inteligência Artificial, Machine Learning... São termos que, cada vez mais, se utilizam, nomeadamente, no imobiliário e ganharam ainda mais expressividade com a pandemia da Covid-19. Mas afinal o que significam na prática e qual a sua importância para os negócios do setor? O idealista/news foi ouvir vários especialistas que fazem deles uso diário nas suas diferentes atividades, para responder a estas questões e outras - tais como os desafios que todavía há que ultrapassar na quantidade e qualidade dos dados disponíveis e na forma como são conseguidos, trabalhados e apresentados.
Antes de mais, e de forma simples, pode dizer-se que Big Data (BD) refere-se a um grande conjunto de dados armazenados e o processamento de grandes quantidades de dados estruturados ou não estruturados, seja histórico ou em tempo real, aos quais são aplicados algoritmos para analisar e identificar pistas significativas, prever resultados futuros, analisar tendências, etc.
"Não é a quantidade de dados disponíveis que é importante, mas sim o que as organizações fazem com eles, sendo que BD pode ser analisada para obter 'insights' que levam a decisões melhores e ações estratégicas de negócio", explica Inês Campaniço, head of idealista.pt/data.

Usar data para fundamentar tomadas de decisão
Enquanto 'advisors' em avaliação, para a Gesvalt a utilização de dados estatísticos tem um caráter diário na sua atividade, "uma vez que toda e qualquer análise a um ativo imobiliário tem associado um conjunto de variáveis comparativas onde o imóvel se enquadra e perante o qual temos de o enquadrar e analisar", indica António Braz, Managing Director da empresa, especificando que "os dados do setor imobiliário e dados macroeconómicos das regiões do nosso território são fundamentais, porque a tomada de decisão dos nossos clientes - maioritariamente internacionais e em 'Due Diligence' de compra e venda de ativos, como por exemplo o Quarteirão da Pastelaria Suíça na Baixa de Lisboa - é baseada na qualidade da informação que lhes aportamos".
Neste contexto, "quanto maior número de amostras comparativas fiáveis tivermos, maior é o nosso rigor e fiabilidade na análise que efetuamos". "Dados indicativos da oferta/procura, asking prices, taxas de desconto, informação macroeconómica, demografia, desemprego, etc…, são dados que utilizamos diariamente", conta o gestor especializado em avaliação de ativos, partilhando ainda que "em análises mais pormenorizadas" recorrem "a dados, por vezes pagos, de segmentos mais específicos como Retail, Turismo, Logístico ou Escritórios, por exemplo".
Também para a Altamira Asset Management, "Big Data tornou-se absolutamente essencial ao trabalho que desenvolve, com uso diário e transversal a toda a equipas" - seja na análise de ativos das carteiras em gestão, auxiliando as equipas e investidores nas tomadas de decisão, seja na realização de 'Due Diligence', "onde devido ao factor tempo sobretudo, recorremos frequentemente a Data para a realização de AVM (sigla inglesa para Modelos de Avaliação Automática)", afirma Élio Rodrigues, Advisory - Due Diligence & Valuations Coordinator deste 'servicer' ibérico.
Com cerca de 5.000 imóveis em carteira - desde REO (siga inglesa de Real Estate Owned) a colaterais referentes a créditos, e tendo em conta que, durante a gestão dos imóveis, o valor atual ou futuro dos ativos necessita ser apurado, em face de obras, regularizações, tomadas de posse ou mesmo aquando de uma proposta de aquisição - "várias equipas das mais diversas áreas da empresa necessitam dos nossos 'inputs' relativos aos imóveis", diz o responsável. E, para isso, "nos nossos modelos de avaliação ou financeiros, usamos todo tipo de data, fundamentais para um entendimento e enquadramento socio-económico do país, por parte dos nossos clientes internacionais", precisa o gestor.
Dados há muitos... mas o que fazer com eles e como?
Processar tais volumes de dados é, segundo indica Inês Campaniço, uma tarefa muito grande para um único analista ou software tradicional de processamento de dados, sendo por isso que a tecnologia de dados é utilizada para realizar o trabalho analítico das organizações. "Dessa forma, é possível obter respostas a partir de dados em massa, que de outra maneira seriam demasiado complexos para processar e analisar", justifica.
O objetivo da Ciência de Dados é, por assim dizer, melhorar a tomada de decisão baseando-se em conclusões extraídas de grandes conjuntos de dados, enquanto a análise de dados ('Data Analytics') é a ciência de examinar dados em bruto, com o objetivo de encontrar padrões e tirar conclusões sobre essa informação. Já a inteligência artificial (IA) é um ramo abrangente da ciência da computação, focado na construção de máquinas inteligentes capazes de executar tarefas que, normalmente, exigem inteligência humana. A IA é, em resumo, uma ciência interdisciplinar com múltiplas abordagens.
E o 'Machine Learning' é um campo crescente de inteligência artificial que usa algoritmos capazes de aprender. Começa com observações ou dados, como exemplos, experiência direta ou instrução, a fim de procurar padrões nos dados e tomar melhores decisões no futuro com base nos exemplos que fornecemos. O objetivo principal é permitir que os computadores aprendam, automaticamente, sem intervenção ou assistência humana e ajustem as ações de acordo. Um exemplo da utilização destes modelos e algoritmos avançados são os Modelos de Avaliação Automática (AVM).

Para que servem os dados no imobiliário?
No setor imobiliário, a inteligência artificial é usada, sobretudo, na gestão de informações, recolhendo e analisando dados sobre propriedades individuais ou portfólios inteiros de ativos. Mas há problemas, de acordo com Inês Campaniço.
“Há muitos modelos de avaliação automáticos a serem usados, neste momento, no mercado imobiliário português. Infelizmente, existe uma tendência para simplificar estes modelos, devido à falta de conhecimento do mercado e da dinâmica do setor, provocando uma partilha de dados de pouca qualidade e resultados desajustados. Estes algoritmos são complexos e têm de ser desenvolvidos com conhecimento de causa. A qualidade dos dados é absolutamente fundamental para que os resultados sejam válidos e credíveis, assim como o conhecimento e experiência para os processar e analisar", destaca.
Os algoritmos permitem automatizar processos, fazendo julgamentos informados a partir dos dados disponíveis. Por exemplo, a gestora de ativos Capital Urbano, especializada no desenvolvimento e reconversão de imóveis, está convencida de que "o principal foco do imobiliário vai deixar de ser a criação de novos produtos e vai passar a ser a prestação de serviços com base no espaço: o escritório como um serviço, a habitação como um serviço, as lojas como um serviço, etc", segundo diz o seu Chief Developer. E, para que tal possa ser bem feito, Francisco Rocha Antunes considera ser "necessário ter cada vez mais dados que permitam ajustar o serviço às necessidades dos utilizadores e Big Data tem um papel determinante na quantidade e oportunidade da informação de utilização recolhida".
Os problemas de data
Mas em todos estes processos virtuosos há, porém, limitações, a começar pelos próprios dados. Se o modelo for mal alimentado, o resultado será incorrecto, podendo isto manifestar-se de duas maneiras: falta de dados e falta de dados de qualidade.
Porquê? Muitos algoritmos de 'Machine Learning' exigem grandes quantidades de dados antes que comecem a fornecer resultados úteis. Um bom exemplo disso é o modelo automático de avaliação (AVM). "Quanto maior a arquitetura, mais dados são necessários para produzir resultados viáveis", explica a especialista em dados, Inês Campaniço, frisando que "reutilizar dados é uma má ideia, pois pode produzir resultados incorretos, mas ter mais 'data points' para introduzir no algoritmo é sempre a solução preferível e mais fiável, desde que sejam sempre dados fidedignos".
O problema é que se forem usados dados de fontes não confiáveis, ou de fontes não autorizadas, existe o risco de serem adulterados a partir da fonte, devido a mecanismos de segurança de 'copyright' de dados. “Os dados devem sempre ser obtidos de forma legal e autorizada, dando a garantia aos clientes que os dados são verídicos e podem ser verificados. Isto não acontece com ferramentas de 'metasearch' ou 'webcrawling'”, avisa a responsável.
Afinal, os dados estão em todo lado. O verdadeiro desafio é transformá-los em informação útil, estruturada e fiável. E isto é legal? Atualmente, na Europa, é uma zona cinzenta. A União Europeia continua a ajustar a Lei Europeia de Copyright (Diretiva 2001/29/CE, também conhecida como Diretiva relativa aos Direitos de Autor no Mercado Único Digital). O direito de base de dados destina-se a proteger o investimento efetuado na obtenção, verificação ou apresentação de dados existentes numa base de dados e proteger contra a extração ou reutilização dos dados.

Aceder a bases de dados é suficiente?
A interpretabilidade é um dos principais problemas do 'Machine Learning'. “Se os modelos automáticos de avaliação forem desenvolvidos com base em pressupostos incorretos, imediatamente um cliente bem informado perceberá que o modelo é fraco e pouco útil para a sua tomada de decisões", reforça Inês Campaniço, destacando que os dados são apenas o início. "De pouco serve ter acesso às bases de dados se não houver o conhecimento e experiência para processá-los, organizá-los e interpretá-los. Os modelos têm de ser desenvolvidos com base em pressupostos adequados, principalmente no setor imobiliário, que é bastante complexo e dinâmico", esclarece a gestora.
Por sua vez, o Managing Director da Gesvalt lamenta que "em plena época tecnológica onde praticamente tudo é digital, há informação imobiliária muito relevante a continuar a não estar acessível: Não há uma base de dados aberta de transações de ativos imobiliários, p.e.". António Braz defende que "isso é absolutamente fundamental para a transparência do mercado e como indicador de confiança a todos os agentes que nele atuam" e alerta que "a maioria dos dados produzidos pelo próprio setor imobiliário são produzidos diretamente pelos brokers através das suas áreas de consultoria", sendo que, na sua opinião, "por vezes essa visão carece de alguma imparcialidade".
Também Francisco Rocha Antunes, da Capital Urbano, que diz usar regularmente todas as estatísticas de mercado disponíveis, queixa-se de "ainda não terem o detalhe indispensável à monitorização do mercado", considerando que "dá ainda demasiado trabalho recolher toda a informação relevante". O consultor argumenta que "os dados de mercados existentes ainda são demasiado genéricos, quer por preocupações de consistência estatística, quer por dependerem da iniciativa dos diferentes 'players' em publicitar as suas intenções de venda ou arrendamento". Por isso, na sua perspetiva, "não é fácil ter uma visão completa de uma qualquer área concorrencial, sem pelo menos uma vez fazer uma visita detalhada a esse território".
Reconhecendo que a empresa ainda se depara, por vezes, com "a grande questão, que é a fiabilidade dos dados, no que diz respeito às fontes e ao espaço temporal", numa tónica mais positiva, Élio Rodrigues, da Altamira, afirma, porém, que "nos últimos dois anos foi possível assistir uma melhoria nos dados existentes no mercado imobiliário português, que sempre foi muito fechado, e no qual cada empresa guardava e geria internamente para si os seus dados, muitas vezes desconhecendo o valor que tais dados representavam". Para tentar ultrapassar estes problemas, a companhia de 'servicing' tem, nomeadamente, "desenvolvido parcerias com quem detém esses dados, tendo agora algumas empresa/entidades que já conseguem fornecer dados 'on time' e com uma precisão que tem feito a diferença na hora de dar confiança aos investidores e, claro, nas nossas decisões de gestão".

Criação de um cadastro público nacional e supervisores mais ativos
Já no que diz respeito aos dados públicos, para este responsável da Altamira, "são muitas vezes desfasados no tempo, e de pouco pormenor tanto na amostra como geograficamente, e aí é o mais difícil de explicar a quem vem investir no nosso país, uma vez que investem noutros cenários/países onde a informação é substancialmente muito superior". Dá como exemplo que "explicar a um investidor as diferenças na informação existente no cadastro de um imóvel em Portugal, quando comparado por Espanha, é desafiante, sendo por isso essencial combater a desconfiança que gera a falta de dados públicos fiáveis".
Nesse sentido, e para culmatar esta lacuna, estes 'players' do mercado imobiliário português - que operam a nível internacional - reclamam, em uníssono, a criação de um cadastro público nacional e transparente, a par de um reforço das competências de fiscalização e regulação por parte das entidades competentes.
"Do meu ponto de vista, e de uma vez, o Governo tem de chamar a si a responsabilidade - obrigação - que tem, de transmitir transparência e controlo ao setor imobiliário", defende o gestor da Gesval, dizendo que "felizmente, o mercado está mais maduro e muitos dos erros do passado não se verificam, mas o desconhecimento do supervisor sobre o tecido habitacional ao nível dos preços é total, pois não utiliza ferramentas de BD para fazer esse controlo e monitorização".
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