Estudo da Cáritas revela que o salário mínimo não é suficiente para travar a pobreza no trabalho. Quem são os mais vulneráveis?
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Pobreza no trabalho
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Não basta trabalhar para deixar de ser pobre em Portugal. O salário mínimo em Portugal “não é adequado” aos custos de vida no país, que estão a subir a um ritmo bem superior face aos rendimentos das famílias, como é o caso dos preços das casas e dos custos de energia. Este cenário coloca Portugal no grupo dos sete países europeus com mais 10% de trabalhadores em risco de pobreza. E são os migrantes, os refugiados, as pessoas ciganas e os jovens os mais vulneráveis no mercado de trabalho português, segundo conclui um estudo da Cáritas.

Os “salários mínimos adequados são essenciais para ajudar garantir condições dignas de trabalho e de vida, prevenir a pobreza no trabalho e reduzir a precariedade emprego”, começa por dizer a Cáritas no seu relatório publicado esta segunda-feira, dia 21 de fevereiro de 2022.

E, de acordo com a Cáritas Portugal, “o nível do salário mínimo não é adequado, levando ao alto nível de pobreza no trabalho, pois os custos de vida a aumentaram mais rápido do que os salários”. Entre os exemplos dados está o preço das casas que “aumentou substancialmente em todo o país, mas principalmente nas áreas urbanas”, dizem. E outro exemplo é o “alto custo de energia”, que leva muitas famílias a ficar em situação de pobreza energética, já que o salário mínimo não consegue cobrir as suas necessidades.

Salário mínimo em Portugal
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Salários mínimos e a pobreza no trabalho pela Europa

Dos países que têm salários mínimos fixados, Portugal aparece em 10.º lugar com 775,83 euros mensais (considerando apenas 12 meses). Mas há seis países que apresentam salários mínimos acima de 1.500 euros (Luxemburgo, Irlanda, Holanda, Bélgica, Alemanha e França). Abaixo de 500 euros mensais está a Hungria, Roménia e a Bulgária, mostra o seu estudo para a Europa.

Mas “estar empregado nem sempre significa ganhar dinheiro suficiente para desfrutar de uma vida decente”, diz a Cáritas no seu relatório sobre a Europa. Muitos trabalhadores com baixos salários enfrentam a situação de pobreza. E porque é que isto acontece? “Entre as razões que explicam este declínio estão as mudanças estruturais nos mercados de trabalho, como a digitalização e o aumento de formas de trabalho fora do padrão”, explicam, concluindo que foram estas mudanças que “conduziram a uma polarização dos salários, com um aumento tanto dos salários baixos como das profissões bem remuneradas". Mas trouxe uma consequência: “A pobreza no trabalho aumentou na última década na maioria dos Estados-membros da União Europeia (UE)”.

A verdade é que há diferenças significativas por toda a Europa. Há seis países onde pobreza no trabalho afeta menos de 5% dos trabalhadores: Finlândia (2,9%), República Checa (3,5%), Eslováquia (4,4%), Irlanda (4,4%), Eslovénia (4,5%) e Bélgica (4,8%). Mas também há sete onde afeta mais de 10%: Romênia (15,4%), Espanha (12,8%), Luxemburgo (12%), Itália (11,8%), Portugal (10,7%), Estônia (10,3%) e Grécia (10,1%).

Custos de vida mais caros
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Quem são as pessoas mais vulneráveis em Portugal?

“As pessoas migrantes ou em contexto de migração, os jovens e as pessoas de comunidades ciganas estão entre os grupos mais vulneráveis no mercado de trabalho português”, considera a instituição no seu relatório anual da Cáritas Europa sobre pobreza (CARES!).

  • Migrantes e refugiados

No que diz respeito aos imigrantes, refugiados ou requerentes de asilo, a Cáritas Europa considera que “a situação é difícil”. “Os trabalhadores migrantes estão concentrados em grupos profissionais menos qualificados e mais precários, estão mais expostos à instabilidade na relação laboral, recebem salários mais baixos e têm uma maior incidência de acidentes de trabalho. A maioria dos migrantes desempenha funções abaixo do nível das suas qualificações”, lê-se no documento.

No entanto, “para os refugiados e requerentes de asilo a situação é ainda pior”, somando-se as dificuldades linguísticas e o “longo” tempo de espera até terem os documentos legais, o que faz com muitos procurem emprego ainda indocumentados, além da “resistência do mercado local ao emprego de refugiados”.

Preço das casas a subir
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  • Ciganos

“Os ciganos são outro grupo severamente marginalizado em Portugal. Os ciganos enfrentam discriminação na procura de emprego. A maioria dos empregadores recusa-se a contratar pessoas ciganas e por vezes conseguem arranjar emprego, mas são despedidos quando o empregador descobre a sua etnia cigana”, descreve a Cáritas Europa, acrescentando que a discriminação vai desde o processo de recrutamento às disparidades salariais ou condições de trabalho.

  • Jovens

A par destes grupos, a Cáritas Europa coloca os jovens como outro dos grupos mais vulneráveis, salientando que entre 2011 e 2015, devido à crise económica, emigraram mais de 77 mil jovens, com idades entre os 15 e os 24 anos, e que já naquela altura foram afetados no acesso ao emprego e, consecutivamente, à habitação ou na intenção de constituir família.

Estado do mercado de trabalho português
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O que se pode mudar?

“Considerando os desafios que estes grupos marginalizados enfrentam no mercado de trabalho em Portugal, pode argumentar-se que este mercado de trabalho é insuficientemente inclusivo, apesar de algumas mudanças positivas nos últimos anos”, considera a instituição, defendendo que há margem para melhorias.

Defende, por isso, que sejam criadas condições para uma economia que apoie os trabalhadores mais vulneráveis, que aumentem as políticas de criação de emprego e o apoio social e que as autoridades portuguesas fomentem a inovação, a requalificação e formação profissionais e implemente medidas de apoio aos mais jovens. “Além disso, as autoridades precisam de fazer um esforço para aumentar o salário mínimo para assegurar que as pessoas sejam capazes de cobrir os seus custos diários”, refere a Cáritas Europa.

Uma segunda recomendação vai no sentido de que seja dada mais atenção aos trabalhadores da área dos cuidados, que “são, na sua maioria, não qualificados, têm salários baixos e trabalham por turnos” e precisam de mais do que um emprego para fazer face às despesas e aos custos de vida, apesar de ter sido um grupo reconhecido como essencial durante a pandemia.

“As autoridades nacionais necessitam de renovar as qualificações profissionais, formação e competências dos trabalhadores da assistência social, e assegurar condições de trabalho mais justas com acesso a benefícios sociais”, diz a instituição.

*Com Lusa

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