Guerra na Ucrânia está a acelerar a inflação, que já estava em alta. Isto poderá travar o crescimento económico na zona euro.
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Estagflação o que é
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As consequências da guerra na Ucrânia já se começaram a fazer sentir nos bolsos dos portugueses, nomeadamente, com a crise energética a fazer subir os preços dos combustíveis para níveis recorde. E isto é só o início. O grande desafio da Europa passa agora por tomar medidas para limitar a inflação que já estava em alta na zona euro sem, com isso, travar o crescimento económico. Neste cenário de incerteza, já estão soar os alarmes para o “risco de estagflação” da economia europeia. Mas o que é que isto quer dizer e quais os efeitos para a vida das empresas e das famílias?

Neste artigo, explicamos o que significa este conceito económico que começa a andar nas bocas do mundo e que poderá marcar o rumo social e financeiro de Portugal, e outros países nos próximos tempos. É de tal importância, que os bancos centrais já andam a pensar como atuar neste contexto e tem vindo a ser tema de discussão entre economistas e governantes.

O que é a estagflação?

Em termos gerais, e de uma forma simples, o risco de estagflação trata-se da combinação de inflação com um cenário de estagnação económica, ou seja, em que não há crescimento económico (ou que este está próximo de 0%).

Os cenários de estagflação têm três componentes nos dicionários de economia, segundo explicou o governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, na semana passada:

  • Crescimento nulo ou mesmo negativo;
  • Inflação elevada e em aceleração;
  • Mercado de trabalho com desemprego elevado.

Como a guerra na Ucrânia influencia a economia
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Poderá estar Portugal e os países da UE em risco de estagflação?

No que diz respeito ao espaço europeu, Carsten Brzeski, economista do ING, admite que o risco de "estagflação", uma combinação de inflação e estagnação económica, "aumentou claramente". Até porque a guerra da Ucrânia já levou a uma subida do preço das matérias-primas, que pode ainda acelerar.

Já o governador do Banco de Portugal (BdP) não prevê que um mercado de trabalho com desemprego elevado “se venha a concretizar” na Europa. “Portanto, puristas das definições podem ficar confortados de que os três pilares da definição de estagflação, na minha visão podem não ser cumpridos. Mas a verdade é que enfrentamos momentos de desafio com crescimento muito baixo e inflação elevada”, acrescentou Centeno numa conferência organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian. 

Recorde-se que, em entrevista à Bloomberg, a 28 de fevereiro, o ex-ministro das Finanças de Portugal admitiu que um “cenário próximo da estagflação não está fora das possibilidades que podemos enfrentar”, devido ao conflito na Ucrânia.

O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, que esta segunda-feira, dia 14 de março reúne o Conselho de Estado, defendeu na mesma ocasião que a prioridade agora é "abreviar a guerra" na Ucrânia e “evitar precipitações em decisões monetárias neste ano de 2022, que, somadas aos sinais já existentes, agravariam o risco de alguma estagnação".

“Do ponto de vista económico, se o conflito perdurar, como é cada vez mais provável que aconteça, haverá o risco da estagflação na Europa. Trata-se de um cenário que se encontra ainda distante, mas que não deve ser descartado“, alertou o economista Ricardo Arroja citado pelo ECO.

O Banco Central Europeu (BCE) deixou durante os últimos seis meses que as expectativas de inflação subissem e agora, perante o forte impacto da guerra nos preços da energia, vai ter de fazer um “exercício de equilíbrio muitíssimo difícil” para evitar a escalada dos preços sem provocar uma recessão, avisa por outro lado o economista Ricardo Reis, em entrevista ao Público.

Definição de estagflação
Foto de Anna Nekrashevich en Pexels

Como é que a crise está a ser sentida na carteira dos portugueses?

Uma das componentes do cenário de estagflação já tem vindo a ser sentida desde o início do ano, com a subida da inflação na zona euro para os valores mais altos desde a existência da moeda única (5,8% em fevereiro). E, agora, teme-se que com o impacto da guerra na Ucrânia e as sanções económicas à Rússia se verifique uma escalada ainda maior nos preços, a par de um abrandamento da economia.

A presidente do BCE, Christine Lagarde, reconheceu que a guerra "terá um impacto importante na atividade económica e na inflação, pelo aumento dos preços da energia e das matérias-primas e também pela perturbação do comércio internacional e da confiança".

Vindos de um contexto económico afetado pela pandemia, que continua, a verdade é que os efeitos da crise já se estão a sentir nos bolsos dos portugueses e europeus, sobretudo, no que diz respeito aos preços dos combustíveis. Dadas as sanções económicas impostas à Rússia – país que tem uma importante produção de petróleo a nível mundial -, os preços da gasolina e do gasóleo subiram em níveis recorde nas últimas duas semanas, estando já em valores próximos ou superiores a 2 euros por litro.

E não ficamos por aqui. Como a Ucrânia é um importante exportador de cereais para Portugal e para a Europa, já se sente nos supermercados a venda limitada de alguns produtos, como é o caso do óleo alimentar. Isto acontece para evitar ruturas de stock, num momento em que a procura destes bens aumentou. O diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição admite que o racionamento nos supermercados possa ser alargado a outros produtos e admite a subida de vários produtos na ordem dos 10-15%, disse citado pela Antena 1.

O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou no passado dia 5 de março que uma escalada do conflito na Ucrânia terá consequências económicas "devastadoras" a nível mundial. Para além do conflito em si, as sanções contra a Rússia "terão também um impacto substancial na economia global e nos mercados financeiros, com efeitos colaterais para outros países", advertiu também o organismo internacional.

Mesmo que as previsões permaneçam sujeitas a uma "incerteza extraordinária", "as consequências económicas já são muito graves", observa a instituição.

O que é a estagflação
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O que decidiu o BCE para já?

O Banco Central Europeu (BCE) tem agora como principal missão limitar o aumento de preços, que atingiu um novo máximo de 5,8% na zona euro, em fevereiro de 2021, face aos 5,1% do mês anterior e aos 0,9% registados em fevereiro de 2021.

A invasão russa da Ucrânia veio baralhar as contar e complicar a tarefa do BCE, que terá de ajustar a sua resposta monetária para enfrentar a inflação elevada, mas corre o risco de uma desaceleração do crescimento na zona euro. Recorde-se que em fevereiro não fechou a porta a um cenário de subida das taxas de juro para travar a inflação. Mas com o conflito entre a Rússia e a Ucrânia, tudo mudou.

Na passada quinta-feira, dia 10 de março de 2022, o BCE baixou a sua previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da zona euro em 2022 e subiu acentuadamente a de inflação devido ao impacto da guerra na Ucrânia. E, depois da reunião de política monetária, o banco central decidiu acelerar retirada das medidas de estímulos económicos lançadas durante a pandemia. Como? Reduzindo compra de ativos e mantendo os juros – pelo menos para já. Isto porque o BCE admite que uma subida das taxas de juro acontecerá “algum tempo depois” do fim das compras líquidas de ativos.

Estas decisões mostram que, por um lado, o BCE está empenhado em contrariar a inflação, ao mesmo tempo que tem cautela para evitar um choque na atividade e crescimento económico. Ou seja, age cauteloso para evitar a todo o custo um cenário de estagflação.

Como travar a inflação na UE
Christine Lagarde, presidente do BCE wikimedia_commons

Em que momentos na história se viveu um cenário de estagflação?

A mais recente aconteceu na década de 70 e resultou precisamente do choque petrolífero. A subida brusca dos preços dos combustíveis fez disparar a inflação e estagnou o crescimento económico. E também se refletiu em todos setores, tendo aumentado o desemprego e a miséria social.

E controlar a estagflação não foi tarefa fácil. Os bancos centrais só conseguiram travar a inflação por via de enormes subidas das taxas de juro, o que lançou as economias para a recessão, refere o Público. Foi preciso uma década para a economia mundial se reerguer e é, de resto, este cenário que os líderes europeus têm agora o desafio de evitar.

*Com Lusa

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