
Ao longos dos últimos anos, Portugal tem vindo a destacar-se em matéria de legislação e políticas públicas LGBTI, mas parece ter “estagnado” neste domínio. Segundo Ana Aresta, presidente da ILGA Portugal, o país não tem neste momento uma estratégia para a igualdade e direitos humanos das pessoas LGBTI. “Isto é grave. Demonstra que os governos estão adormecidos e o próprio Parlamento está adormecido em matéria de conquista de direitos humanos”, frisa a responsável da maior e mais antiga associação que luta pela igualdade e contra a discriminação da comunidade LGBTI em Portugal.
Portugal desceu cinco lugares no índice europeu que classifica e analisa a situação jurídica e política das pessoas LGBTI+ devido à falta de plano de ação contra a discriminação. No Rainbow Map 2022, aparece em 9º lugar na lista dos 49 países avaliados.
“O país acaba por descer no ranking porque os planos governamentais em matéria de igualdade LGBTI não estão ainda publicados”, explica Ana Aresta, acrescentando que, num contexto em que os movimentos políticos extremados aumentam, “o facto de não haver políticas públicas claras para a igualdade das pessoas LGBTI colocam-nos ainda mais em risco”, provocando uma “fratura ainda maior e um distanciamento grande face àquilo que é o cerne desta questão, que é a construção da democracia e a garantia de espaços seguros para todas as pessoas”.

“Pandemia empurrou muitas pessoas LGBTI para contextos de insegurança”
A comunidade LGBTI+ foi uma das mais impactadas pela pandemia, responsável por agravar as situações de discriminação e violência. “Retirou-nos espaço público, espaço de visibilidade e de reivindicação e empurrou muitas pessoas LGBTI para contextos de insegurança, nomeadamente muitas e muitos jovens que tiveram de regressar, sair das suas residências universitárias nos confinamentos, por exemplo, e regressar para contextos familiares inseguros e violentos”, sublinha Ana Aresta. Num contexto de regresso à normalidade, em que muitas pessoas podem recuperar os seus espaços de individualidade, o idealista/news foi analisar quanto custa viver nos bairros mais inclusivos LGBTI+.
E o que é que se pode fazer para corrigir este tipo de situações? Para a presidente da ILGA Portugal, falta criar uma lei quadro antidiscriminação que “congregue todas as questões associadas às definições de minorias, questões de raça, questões de género, questões LGBTI e que, de facto, proteja as pessoas”. Mas não só. Falta assegurar, indica, mais questões de parentalidade, “nomeadamente alargar a gestação de substituição também para casais de homens”.
Para Ana Aresta, há muito trabalho a fazer: “Estamos a falar de listas de espera para as cirurgias associadas aos processos de afirmação das pessoas trans. Estamos a falar de pessoas trans que estão incapacitadas de aceder a determinadas consultas porque os códigos médicos não correspondem à sua identidade legal no registo civil (...) Pessoas trans que acabam muitas vezes acabam por hipotecar as suas vidas financeiras para recorrerem ao privado e acelerarem os seus processos de afirmação de identidade”.

Além disso, diz, falta estabelecer um plano abrangente de formação de profissionais de serviços públicos que garantam que “o atendimento às pessoas LGBTI não é discriminatório e é feito da melhor forma”. “Esta aposta não existe de forma estrutural, não existe nos programas de Orçamento do Estado e, portanto, falta aqui um investimento efetivo na pragmatização da igualdade para lá da lei”, salienta.
Direitos laborais LGBTI: uma área onde é preciso atuar
A discriminação laboral baseada na identidade de género é outro problema estrutural. Neste âmbito, e além dos governos, também as empresas podem ajudar a melhorar este contexto. Como? “Apostando na formação dos quadros de chefia e dos funcionários, estabelecendo planos internos de promoção das políticas de diversidade e de igualdade, e compromissos para com as pessoas de que os espaços onde elas trabalham são seguros”, sublinha a presidente da ILGA.
Segundo Ana Aresta, falta que as estruturas deem espaço às pessoas LGBTI para que elas possam partilhar as suas vivências e identidades. Muitas vezes, diz, os contextos laborais são contextos onde há discursos de ódio, onde há insulto e, portanto, “não são permitidas às pessoas LGBTI serem como são no seu contexto de trabalho”.
A título individual, e para se poderem defender e fazer valer os seus direitos, a responsável recomenda que se comece por denunciar a discriminação e “evitar que os contextos continuem a ser de silêncio e de medo”. “Os mecanismos legais estão criados e é preciso que denunciemos as situações, e não só as próprias pessoas LGBTI, como também colegas que testemunhem eventuais atos discriminatórios”, frisa.

Arraial Lisboa Pride 2022: um evento político e também de reivindicação
“Estamos muito felizes por regressar ao Terreiro do Paço depois de dois anos de cancelamentos. Os tais dois anos em que sentimos que houve uma grande perda de espaço público, de reivindicação das nossas vivências. Portanto, o Arraial Lisboa Pride é o maior evento LGBTI comunitário do país e é também um evento político, um evento de reivindicação”, refere a presidente da ILGA.
Além de um momento de festa com muita música, diversão, cultura, ativismo e arte, Ana Aresta lembra que o arraial é visto, muitas vezes, como um espaço seguro também para quem chega pela primeira vez a um contexto de afirmação enquanto pessoa LGBTI.
O Arraial Lisboa Pride – patrocinado pelo idealista – acontece este sábado, dia 25 de junho, a partir das 16h00, e tem entrada livre.

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