
Tudo está a ser feito pelo Banco Central Europeu (BCE) para baixar a inflação que se faz sentir na Europa e que atingiu os 10,7% em outubro. Na última reunião de política monetária, o regulador voltou a subir as taxas de juro diretoras em 75 pontos – as chamadas subidas jumbo -, aumentando a taxa de refinanciamento para os 2%. Mas muitas têm sido as vozes a dizer que o caminho que a política monetária está a seguir poderá gerar uma recessão económica. Sobre este ponto, Mário Centeno, governador do Banco de Portugal (BdP) sublinha que se o BCE nada fizesse, a “alternativa seria manter taxas de inflação elevadas, o que teria um custo recessivo maior do que aquele que o aumento das taxas de juro provoca”.
O governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, defende que não combater a inflação através de aumentos das taxas de juro não é uma opção para o BCE. E sublinha ainda que “o combate à inflação não é um exclusivo dos bancos centrais”, mas também das empresas e dos Estados, que devem moderar margens de lucro e políticas orçamentais. Até porque, caso não haja cooperação de todos, “as subidas das taxas de juro terão de ser ainda maiores”, avisa o líder do BdP em entrevista ao Público.
“A taxa de inflação está aí, ela tem de ser reduzida, a política monetária tem uma grande obrigação nesse domínio e não podemos desbaratar nem a credibilidade nem a oportunidade de a política monetária agir. Se o fizéssemos, o contrafactual, a alternativa que seria manter taxas de inflação elevadas, mesmo que sejam em parte justificadas pela guerra, tem um custo recessivo maior do que aquele que o aumento das taxas de juro provoca”, explica Mário Centeno na mesma entrevista.

De onde vem a pressão inflacionista?
A inflação que se sente no espaço europeu começou pelo choque da oferta, mas também há pressões que se sentem no lado da procura. E hoje há três fatores que alimentam o ciclo inflacionista, que teima em não baixar, segundo disse Mário Ceteno:
- Recuperação da Covid-19: “O agudizar do efeito da recuperação pós-covid, com as medidas de Covid zero na China e com as dificuldades que se mantêm nalguns bens intermédios essenciais à nossa produção”;
- Guerra da Ucrânia: “A invasão da Ucrânia pela Rússia vieram tornar mais agudo um problema que de início se considerou que podia ser temporário”.
- Pressão do lado da procura “muito visível”: gerado pelo volume de poupanças que as famílias e as empresas acumularam ao longo da crise da Covid-19 e ao estado do mercado de trabalho, “que é muito bom”. Em resultado, a recuperação do turismo deu-se antes do previsto e a economia portuguesa é uma das que mais cresce na União Europeia.
Segundo um estudo publicado pelo BCE, assinado por Eduardo Gonçalves e Gerrit Koester, a oferta e a procura têm um contributo semelhante para a aceleração da inflação. Os dados mais recentes do Eurostat indicam que a inflação voltou a subir em outubro para 10,7% ( 9,9%em setembro), isto mesmo depois do regulador europeu já ter subido as taxas de juro diretoras em 200 pontos para tentar travá-la.
O líder do BdP acredita que a inflação irá atingir o seu pico máximo no quatro trimestre do ano. E será a partir desse momento que “se irá ganhar um grau de previsibilidade sobre a política monetária muito significativo. (…) Vamos poder ter mais garantias sobre o trajeto da política monetária”.
Mas Mário Centeno adverte que há também “pressões internas na área do euro contribuem para que a inflação seja reduzida”, lê-se no mesmo jornal:
- Salários: “As pressões inflacionistas via custos salariais como uma das fontes dos efeitos de segunda ordem sobre os preços”, admite;
- Margens de lucro das empresas: “O ciclo de recuperação de margens de lucro devia ser também acautelado”, diz.

Qual é a linha de subida dos juros pelo BCE?
Embora o regulador europeu já tenha subido as taxas de juro diretoras em 200 pontos base, há bancos centrais no mundo que aumentaram os juros ainda mais desde janeiro até outubro. Este é o caso dos EUA, país onde o Fed decidiu voltar a subir os juros diretores em 75 pontos base no passado dia 2 de novembro, elevando a principal taxa até aos 4%.
Ou seja, enquanto as economias mais avançadas decidiram iniciar o ciclo de subida dos juros diretores já em 2021 – como a Islândia, Noruega, Nova Zelândia e Reino Unido -, o regulador europeu só começou a subir as taxas de juro diretoras em julho deste ano. “Há muitos que criticam a atuação do BCE por tardia. Mas o BCE interpretou esses sintomas [da inflação] da maneira certa”, afirma Mário Centeno.

A verdade é que tudo indica que haverá novos aumentos das taxas de juro diretoras à espreita. Isto porque é esperado que a inflação fique “demasiado alta por muito tempo” na Europa, admite o governador do BdP. E, portanto, “necessita de ser atacada para que o BCE e a política monetária na Zona Euro não percam a credibilidade de conseguir controlar a inflação no médio prazo”.
É o que diz a própria Christine Lagarde, presidente do BCE: “O nosso mandato é a estabilidade de preços e temos de conseguir isso usando as ferramentas que temos disponíveis". "Estamos determinados a fazer o que for necessário para trazer a inflação de volta à meta dos 2%", reiterou esta semana a presidente, mesmo que haja a probabilidade de a recessão na Zona Euro aumentar.

Subida dos juros pelo BCE alvo de críticas em Portugal
A linha de política monetária que o BCE está a seguir tem sido alvo de críticas, inclusive em Portugal. Em 29 de outubro, o primeiro-ministro, António Costa insistiu na necessidade de o BCE ser prudente na linha de “normalização da política monetária” para combater a inflação, advertindo que uma recessão agravará a situação social na Europa.
E também o Presidente da República defendeu no dia 27 de outubro que o BCE deve reponderar até ao fim deste ano a "subida em galope das taxas de juro", em 75 pontos, que considerou poder ser a opção errada na atual conjuntura. "Vale a pena pensar, e pensar o mais próximo possível, se é de continuar este galope, porque pode ser a maneira não certa, não correta de resolver o problema, nem o da inflação, nem o do crescimento económico", afirmou então Marcelo Rebelo de Sousa.
Agora, Fernando Medina, ministro das Finanças vem também dizer que as subidas das taxas de juro pelo BCE têm “efeitos de segunda ordem”. ““As taxas de juro são muito eficazes a agir sobre a contenção da procura, mas a agir sobre os preços que são fixados em mercados internacionais e que a Europa importa têm uma eficácia menor, de segunda ordem. Só são eficazes na medida em que, ao diminuírem o consumo e como a Europa é muito grande, isso pode ter impacto nos preços globais”, referiu o ministro das Finanças, citado pelo Jornal de Negócios.
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