Comentários: 0
Benefícios fiscais, a fórmula mágica que está a fazer crescer o imobiliário
Photo by Karly Santiago on Unsplash

Reforçar as vantagens fiscais aos cidadãos estrangeiros foi a fórmula encontrada pelo Governo socialista de António Costa para atrair mais investimento para Portugal e, como tal, mais receitas. O foco recaiu sobre o setor imobiliário e os programas para este setor, que arrancaram ainda durante o período de ajuda financeira com o anterior Executivo PDS-CDS, mantém-se até aos dias de hoje.

De acordo com os últimos dados divulgados apontados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, só em 2017 foram concedidos quase 500 milhões de euros em benefícios fiscais aos residentes não habituais, rondando quase 50% do total atribuído.

A bomba de O2 

O certo é que programas como a Autorização de Residência para Atividade de Investimento – vulgarmente chamada vistos gold – e o Regime Fiscal para Residentes não Habituais (RNH) deram um impulso ao investimento estrangeiro no mercado imobiliário português e têm funcionado como um verdadeiro motor de receitas fiscais por parte do Estado.

Ao idealista/news, o presidente da APEMIP faz um balanço positivo deste tipo de programas. “O período da troika foi muito difícil para a fileira do imobiliário. Felizmente, a criação de programas como o RNH ou os vistos gold permitiram dar algum fôlego às empresas. Estes programas tiveram muita importância na colocação de Portugal na rota do investimento imobiliário estrangeiro, coisa que até então era muito residual e concentrada na região do Algarve. Sem sombra de dúvida que foram a bomba de oxigénio de que o setor precisava, depois do período de crise e estagnação que estava a atravessar”, garante Luís Lima.

No mercado é apontado um peso na ordem dos 80% deste segmento nos novos investimentos que são feitos a nível imobiliário.

E é, sobretudo, no mercado de luxo que se verifica este peso dos investidores estrangeiros. “Este segmento tem uma clientela muito específica e um alvo que são os investidores internacionais. Enquanto o mercado imobiliário português se mantiver na rota do investimento imobiliário e for percecionado como uma alternativa segura de investimento, manter-se-á a procura neste tipo de segmento”, salienta o presidente da APEMIP ao idealista/news.

Efeito multiplicador na economia

A registar uma desaceleração nos últimos meses, os vistos gold continuam, no entanto, a dar cartas. Os números falam por si: o investimento captado através dos vistos gold caiu 17,8% em abril, face a igual mês de 2018, para 52,2 milhões de euros, segundo os últimos dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

Mas apesar desta queda, Luís Lima não tem dúvidas em relação às vantagens para este mercado e também para o próprio país. “Apesar de haver cada vez menos estrangeiros a utilizar estes programas para investir (a maior parte investe sem recorrer a nenhum mecanismo), não há dúvida de que os benefícios têm um efeito multiplicador na nossa economia. Há que desmistificar a ideia de que o Estado está a perder dinheiro com estes programas porque não é verdade. Indiretamente, há diversos setores da economia a beneficiar com a vinda destes estrangeiros. Se não vierem é que não entra dinheiro nenhum. Nem pela fiscalidade, nem por via nenhuma”, salienta.

Desde que o programa entrou em vigor em Portugal, em outubro de 2012, até janeiro deste ano foram atribuídas cerca de 7 mil autorizações de residência, 4 mil das quais para cidadãos chineses, segundo o SEF. Feitas as contas, através deste programa foram injetados nos cofres do Estado Português 4,335 mil milhões de euros, sendo cerca de 3,928 mil milhões resultado da aquisição de bens imóveis, e pouco mais de 400 mil de transferências de capital.

Por tudo isto, o presidente da APEMIP não tem dúvidas: "O imobiliário e o turismo têm sido o ouro e o petróleo de Portugal." Como tal, defende que as contas são simples: terão entrado em Portugal cerca de 15 mil milhões de euros em resultado do regime para residentes não habituais e dos vistos gold.

 

Impacto orçamental limitado

As medidas são aplaudidas também pelo account manager da XTB, Tomás Cunha, ao considerar que “é completamente racional manter o atual programa de vistos gold, ainda que Eurico Dias, secretário de Estado da Internalização, tenha mostrado toda a disponibilidade relativamente a alterações legislativas que possam enaltecer a transparência do regime de autorizações de residência para investimento em Portugal”, refere ao idealista/news.

Esta opinião é partilhada por Raquel Roque, sócia da CRS Advogados ao destacar o “mérito” destes tipos de programas face ao encaixe financeiro do Estado. “No caso dos vistos gold, os cidadãos só precisam de estar em Portugal sete dias por ano, enquanto os vistos normais exigem 183 dias de permanência no nosso país. E além de lhes permitirem andar livremente pelo espaço Schengen, têm ainda a vantagem de poderem arrendar as suas casas e, aí, o Estado recebe impostos na compra do imóvel e depois no arrendamento”, salienta ao Idealista.

Já o economista IMF- Informação de Mercados Financeiros, Filipe Garcia garante que, do ponto de vista meramente orçamental, estas são medidas com impacto relativamente limitado, apesar de admitir que têm reflexos relevantes na economia, muitos deles positivos. No entanto, diz que “é um tema de cariz político porque as vantagens económicas são evidentes, mas devem ser ponderadas, por exemplo, pela diferença de tratamento face aos residentes normais”.

Recorde-se que ao contrário dos vistos gold, que exigem o investimento num imóvel num valor mínimo de 500 mil euros – o valor baixa 20% se for numa zona de baixa densidade populacional –, no caso do regime do Residente Não Habitual (RNH) está prevista a aplicação de uma taxa de IRS de 20% aos rendimentos de trabalho contemplados numa lista de profissões de elevado valor acrescentado e a isenção de IRS aos reformados com pensões pagas por um país estrangeiro. Este regime foi criado em 2009 e é semelhante aos regimes fiscais aplicados noutros países europeus.

Nem tudo são rosas nos vistos gold

Apesar do seu sucesso, estes programas têm estado debaixo de fogo. A comissão especial do Parlamento Europeu sobre os crimes financeiros e evasão fiscais aprovou, em março deste ano, um relatório no qual propõe a abolição dos vistos gold por considerar que os riscos daqueles programas são superiores aos eventuais benefícios económicos. E foi mais longe: os potenciais benefícios económicos deste tipo de regimes "não compensam os riscos graves de segurança, de branqueamento de capitais e de evasão fiscal que apresentam".

Este argumento não convence totalmente o Governo português que, na mesma altura, se mostrou disponível para fazer as alterações legislativas sugeridas pela União Europeia com vista a aumentar a transparência do programa. “Portugal tem um regime de autorizações de residência para investimento que não é um regime de nacionalidade. E queremos um sistema transparente que não aceitará proveniências de dinheiro que sejam difusas ou pouco claras e, evidentemente, não contribuiremos para a evasão fiscal", chegou a admitir Eurico Brilhante Dias.

RNH - nórdicos abrem a caixa de pandora

Criado há 10 anos, o programa dos RNH, que tem servido de impulsionador do investimento imobiliário em Portugal nos últimos anos, começa também a gerar contestação dentro (sobretudo por parte do Bloco de Esquerda) e fora de Portugal, por países que benefíciam deste regime fiscal.

Depois da Finlândia, foi a vez de a Suécia romper o acordo que altera as regras de tributação dos reformados suecos em Portugal. O protocolo assinado por Mário Centeno e pela sua homóloga sueca, Magdalena Andersson, em Bruxelas, não refere quais as medidas que vão permitir o combate à evasão fiscal ou eliminar a dupla tributação no que diz respeito a impostos sobre o rendimento.

Esta é uma alteração que a advogada Raquel Roque vê com naturalidade, lembrando que estas mudanças “não estão ser feitas à revelia da União Europeia” e que estes dois países querem evitar que os seus reformados “fujam” para Portugal para ficarem isentos do pagamento de IRS, quer no país de origem quer em Portugal.

No passado, a ministra das Finanças da Suécia teceu algumas críticas ao regime do Residente Não Habitual (RNH) em vigor em Portugal, que permite que os reformados suecos que residem no país e cumprem as condições para ser abrangidos por este regime não paguem IRS sobre as pensões. Para a governante, o que está em causa é uma situação em que “os suecos tiram as suas reformas da Suécia, muitas vezes de grande quantia, completamente livres de impostos quando vivem em Portugal”.

Contacto pelo idealista/news, o Ministério das Finanças esclareceu que “Portugal e Suécia assinaram recentemente o protocolo à convenção para evitar a dupla tributação, concluindo o processo de negociação que se tinha iniciado no ano passado”, acrescentando que “este protocolo incide sobre diversos aspetos, incluindo a revisão da cláusula relativa à competência de tributação de pensões, a qual passa a consagrar a competência concorrente do Estado fonte e do Estado de residência”. No entanto, lembra que este acordo ainda terá de ser submetido a aprovação e ratificação.

Os últimos dados oficiais disponíveis mostram que na declaração de IRS de 2017, o número de pessoas que entregou o impresso em que são reportados rendimentos de pensões pagos por um país estrangeiro (Anexo J) foi de 9.589, contando-se neste total 1.347 suecos.

Apesar de admitir que "a perceção deste programa não é a mais positiva por parte de outros países europeus cujos cidadãos têm optado por residir em Portugal, devido aos benefícios que lhes são atribuídos, Luís Lima lembra que o nosso país não é o único com um regime fiscal benéfico para não residentes".

E o presidente da APEMIP dá como exemplo o que se passa noutros países como Espanha, Itália, Malta, Irlanda, Bélgica, Luxemburgo ou a própria França, que apresentam programas similares. “Em Portugal, a opção foi por isentar os rendimentos de pensões. Já outros países optaram por isentar rendimentos de capitais, por exemplo”, acrescentando que “este tipo de alterações tem sempre impacto negativo, quanto mais não seja na perceção da segurança do investimento em Portugal. As pessoas receiam sempre alterações a meio do jogo”, refere ao idealista/news.

Ranking20122017
Reino Unido (23,7%)França (19,6%)
França (14,9%)Reino Unido (16,2%)
Alemanha (7,1%)Brasil (6,9%)
Suíça (5,1%)China (6,3%)
Angola (4,9%)Suíça (5,5%)
Bélgica (4,8%)Alemanha (5,2%)
Países Bascos (4,8%)Suécia (4,3%)
Rússia (4,5%)EUA (4,1%)
EUA (4,5%)Bélgica (4%)
10ºEspanha (3,5%)Países Baixos (2,7%)
Total78.40%74.80%

Fim da galinha dos ovos de ouro?

A grande preocupação do setor imobiliário nacional e dos políticos porutugeses assenta agora no que vai decidir fazer o presidente Emmanuel Macron quanto a este assunto. 

Os franceses têm sido de longe, em várias frentes, os grandes impulsionadores do imobiliário luso nos últimos anos. Desde a compra individual de casas até à promoção de projetos residenciais, escritórios, turismo e outros - como residências universitárias e séniores, ou lojas -, o dinheiro gaulês, fomentado por benefícios fiscais, tem sido um propulsor do imobiliário, em particular, e da economia em geral, gerando mais emprego e receitas fiscais. 

Mas os 'coletes amarelos' começaram a contestar as "borlas fiscais dadas por Portugal", levantando-se a dúvida se França vai seguir o exemplo nórdico e alterar o acordo bilateral.

Mercado precisa de oferta para estabilizar preços

Por outro lado, se este aumento da procura por parte dos investidores, tanto internacionais como nacionais, tem levado a lucros do Estado e do setor privado, há um efeito que Luís Lima considera negativo e que é preciso acautelar para não comprometer todo o sucesso: a subida de preços das casas. 

Para o responsável dos mediadores imobiliários, a explicação é simples: “Não só a oferta disponível começa a ser completamente desadequada à procura existente como também os preços praticados são absolutamente proibitivos para a classe média/média baixa”, aponta Luís Lima, acrescentando também que “mesmo para uma classe mais elevada, os preços altos começam a fazer retrair os potenciais compradores, que sentem que o mercado está demasiado quente, adiando assim o negócio, pelo que a tendência natural será a da manutenção dos preços agora praticados”.

Os últimos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) confirmam a subida dos valores dos imóveis em Portugal. A média de preços aumentou para 996 euros por metro quadrado (m2) nos primeiros quatro meses do ano – mais 1,2% face ao trimestre anterior e mais 6,9% quando comparada com igual período do ano passado. No entanto, na capital há freguesias onde o preço por metro quadrado chega a superar os quatro mil euros. É o caso de Santo António (4568 euros por metro quadrado) – que inclui a Avenida da Liberdade –, Santa Maria Maior (4297 por metro quadrado) – onde se inclui o Chiado – e Misericórdia (4126 por metro quadrado), que abrange a zona do Bairro Alto.

Também o Porto não fica atrás. Os dados do INE revelam que “pela primeira vez desde o primeiro trimestre de 2016, os valores medianos de venda das sete freguesias da cidade do Porto situaram-se acima de mil euros por metro quadrado, sendo o valor mais elevado 2289 euros por metro quadrado”. É na União das Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde que os preços são mais elevados.

Ver comentários (0) / Comentar

Para poder comentar deves entrar na tua conta

Publicidade