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A “graça” de viver na Graça
Carla Celestini

Em geral, é fácil e rápido chegar à Graça, um dos bairros históricos de Lisboa. Mas todos demoram sempre muito tempo por estas bandas, e não é para menos: tem um ambiente bastante peculiar, as pessoas são simpáticas e as vistas que proporciona sobre a capital são de cortar a respiração. Mas há também um lado menos bom que até já motivou petições por parte de cidadãos com os efeitos do turismo e do imobiliário. Ainda assim, ao idealista/news a presidente da Junta de Freguesia de São Vicente e alguns comerciantes defendem com toda a sua garra este bairro. 

Há literalmente uma nova vida neste bairro típico da capital. A praça ganhou novos contornos; há mais passeios; as obras do novo funicular no miradouro da Graça vão ser retomadas após a descoberta de achados históricos, nomeadamente da muralha fernandina; o Convento da Graça reabriu após uma reabilitação profunda orçada em 420 mil euros e através da qual foram recuperadas a Sala do Capítulo, a Portaria e o Claustro; foi renovada a Rua Natália Correia; o tráfego está a ser reordenado; são lançadas bolsas de esplanadas; abrem novas lojas… 

Negócios a surgir à boleia do turismo e imobiliário

Cláudia Loureiro, em 2011, decidiu arrendar uma das suas casas na Graça em Alojamento Local (AL), "aquilo correu tão bem", como afirma, que hoje tem cinco casas disponíveis neste sistema. Mas o contato com os turistas fê-la perceber que em Lisboa existia uma "lacuna na parte logística de apoio aos turistas que pernoitam em AL que, ao contrário da receção de um hotel, não tinham, por exemplo, um espaço para deixarem as malas ou sala de espera". Foi neste contexto que abriu a sua primeira loja Camones – Lounge & Lugagge em Santa Apolónia.  

O sucesso ditou que abrisse uma segunda loja na Rua Josefa Maria, na Graça, isto porque Cláudia Loureiro diz ter uma "grande afinidade com este bairro", onde vive há 34 anos, pelo que a escolha por esta freguesia "foi algo natural".  

É com muita humildade que explica que "na Graça este conceito não resultou tão bem", mas depressa deu uma nova orientação ao negócio. Isto porque, como o "espaço é ótimo", começou a ter o "pedido de várias pessoas para alugar o espaço para festas de aniversário e despedidas de solteiro", na mesma altura, ao final do dia, "as pessoas começaram a querer ficar por ali para beber um copo". E foi assim que nasceu o Camones – Cine Bar. 

A “graça” de viver na Graça
Carla Celestino

Aquele que foi outrora "um espaço fechado, quer enquanto associação que ali existiu, quer enquanto casino clandestino", é agora um espaço cultural e de lazer de "portas abertas a todas as pessoas" e onde não falta a exibição dos artistas de rua, muita e boa música, sessões de cinema e espetáculos 'stand up comedy'.  

Cláudia Loureiro deixa o convite: "Vale a pena vir a esta grande sala de estar, onde as pessoas se sentem em casa e onde podem sentar-se no chão, comer um snack, apreciar uma bebida, trazer o seu animal de estimação...Todos os dias há sempre surpresas garantidas e muito boas". 

Nova vida faz mexer o bairro

Outro testemunho da vitalidade comercial da Graça é dado pelo Chef João Cardoso que lidera o restaurante Ti’Ascenção, localizado na rua do Sol à Graça. Com cozinha portuguesa e de autor, abriu em Junho de 2017. Este Chef já passou por Angola e Holanda e quando regressou a Portugal escolheu abrir um restaurante no bairro da Graça. Porquê? Porque, como diz, "a oferta de restrauração é ainda limitada, toda muito semelhante e ainda por explorar pelo que foi uma oportunidade de negócio para começar algo diferente". 

Explica ainda que "está localizado numa zona de passagem, pelo que acaba por viver muito dos turistas dado a proximidade com o Alojamento Local". No entanto, porque sentiu que "houve uma quebra no turismo na Graça em relação ao ano passado" e por "estamos em Portugal", encontra-se a "trabalhar os pratos e, sobretudo, a hora do almoço para chamar os portugueses". O que o idealista/news provou, recomenda-se! 

João Cardoso diz que a Graça "é um bairro histórico, com muita identidade e que tem ainda muito potencial", por isso mesmo avança que "no princípio do próximo ano vamos mudar para um sítio maior mas, claro, sempre na Graça". 

O povo é quem mais ordena 

Na Graça há também petições para tudo e este deve ser o bairro mais ativo, sobretudo online. A mais recente apela para um “Miradouro do Monte sem Tuk Tuks e outros Veículos Afetos à Atividade de Animação Turística”. Aliás, esta é uma das preocupações partilhadas pela autarca de São Vicente, Natalina Tavares de Moura, que também considera que “há tuk tuks a mais na freguesia, não só em número como em ruído, ainda que já haja alguns que são elétricos”. 

E por falar em elétrico não se pode deixar de focar o típico nº28 que por estes dias anda a “arrebentar pelas costuras” com turistas e que deixa de mau humor quem fica apeado por não conseguir entrar nem se deslocar neste meio de transporte. 

A propósito de mobilidade refira-se ainda que a Carris encontra-se a apostar, desde há um ano, no que chamou “Rede de Bairros”. Ao todo são 21 novas carreiras que foram criadas para as pequenas deslocações dentro do bairro, ou seja, os autocarros vão passar entre os mercados, centros de saúde, farmácias, escolas, entre outros pontos, e São Vicente é uma das freguesias contempladas. Mau grado, o idealista/news contatou a Carris e a resposta que obteve foi que não está a funcionar na freguesia de São Vicente e nem sabem se vai funcionar.  

Natalina Tavares de Moura acrescenta ainda o aumento da oferta de estacionamento, quer da EMEL “onde se paga a taxa mais baixa de Lisboa”, quer os parques gratuitos da responsabilidade da edilidade, quer os “mistos” que permitem que “os moradores tenham estacionamento mas que também haja lugar para que o comércio, que aqui é intenso, sobreviva”. Aliás, esta é uma das queixas quer de moradores, quer de visitantes. 

Mas há algo grave a que ninguém fica alheio: os passeios estreitos. Nas curvas contra curvas da Rua da Graça, nos passeios, quando duas ou mais pessoas se cruzam alguém tem de ir para a estrada para poder passar (o pior exemplo é à porta do Pingo Doce). Com isso, são frequentes os atropelamentos. 

Nem tudo são, pois, rosas neste bairro. 

Freguesia sustentável com hortas, jardins e arte urbana

Outra das queixas dos habitantes prende-se com as ervas a crescer por entre o empedrado dos passeios. Mas a autarca rapidamente justifica esta crítica com o fator sustentabilidade: “Não utilizamos pesticidas prejudiciais à saúde das pessoas e animais e como utilizamos uma máquina para as cortar é natural que a natureza encontre rapidamente o seu caminho para crescer”. 

Aliás, refira-se que São Vicente é uma das quatro freguesias de Lisboa que recebeu a distinção de “Bandeira Verde” no concurso organizado pela Associação Bandeira Azul da Europa e do qual faz parte a Agência Portuguesa do Ambiente. 

Além das pequenas hortas, dos jardins e dos arvoredos, aqui impera também a arte urbana. No muro de sustentação do Jardim Botto Machado passou a existir, desde o ano passado, um mural da autoria do artista luso-francês André Saraiva onde alia a ancestralidade dos azulejos Viúva Lamego com os grafittis. Já Isa Silva foi a autora do mural das paredes exteriores da Escola Básica Natália Correia onde não falta a alusão aos contos infantis como o Capuchinho Vermelho, Cinderela, Branca de Neve, A Bela Adormecida, Alice no País das Maravilhas, A Menina do Mar e O Principezinho. 

A “graça” de viver na Graça
Carla Celestino

O dinamismo passa ainda pelo desporto e pela música, onde a agenda é bastante dinamizada quer por iniciativa pública, quer privada. 

Face a todos estes pós e contras, Natalina Tavares de Moura afirma categoricamente: “O bairro da Graça é uma equação com muitas variáveis mas com um resultado muito positivo”. 

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