No atual contexto de incerteza, o BdP assume o risco de queda da procura e preços das casas. Mas não antecipa excesso de oferta.
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Procurar casa
Foto de Alena Darmel @Pexels

A elevada incerteza das projeções económicas, a potencial perda de rendimento das famílias por via da alta inflação e aumentos adicionais das taxas de juro nos créditos habitação poderão ter efeitos no mercado residencial, reduzindo a procura de casas para comprar e, por conseguinte, os preços das habitações, conclui o Banco de Portugal (BdP) no Relatório de Estabilidade Financeira de novembro de 2022, esta quarta-feira publicado. Além disso, todos estes fatores terão impacto ainda nas finanças das famílias, em especial das mais vulneráveis, aumentando o risco de incumprimento bancário, aponta ainda o regulador liderado por Mário Centeno.

A normalização “abrupta” da política monetária por parte do Banco Central Europeu, por via da subida das taxas de juro diretoras em 200 pontos base até outubro, a par da elevada incerteza das projeções económicas, traz novos riscos para a estabilidade financeira de Portugal. E um deles é mesmo o “risco de redução dos preços no mercado imobiliário residencial”, conclui o BdP no relatório divulgado esta quarta-feira, dia 23 de novembro.

“Uma inflação elevada e persistente, um aumento abrupto das taxas de juro e um abrandamento forte da atividade económica são os principais fatores de risco para o setor bancário, via risco de crédito e risco de mercado”, diz BdP

Até junho, os preços das casas para comprar continuaram a subir, tendo crescido 13,2% no segundo trimestre em termos homólogos. O que tem alimentado a subida dos preços das casas é precisamente o desequilíbrio entre a baixa oferta para a elevada procura, a par da subida dos preços na construção. “A oferta de habitação tem-se mantido incapaz de responder à procura”, conclui o regulador português, explicando que se mantêm as dificuldades de licenciamento e as perturbações às cadeias de abastecimento dos materiais, a falta de mão de obra e o aumento dos custos dos materiais.

E as restrições na oferta de habitação vão continuar a existir no futuro, o que significa que, em caso de redução da procura, “não é de esperar um excesso de oferta de habitação que requeira um período prolongado para que seja a absorvida pelo mercado”, explicam.

Porque é que os preços das casas podem cair em Portugal?

Porque esta realidade está a mudar, sobretudo, no que toca à procura de habitação para comprar, que, por parte dos residentes, muito depende de financiamento bancário. “A incerteza corrente, a potencial perda de rendimento real das famílias e aumentos adicionais das taxas de juro poderão reduzir a procura por ativos imobiliários”, conclui o BdP, dando nota que a taxa de juro chegou aos 2,2% nas operações de crédito habitação concluidas em setembro.

E já há sinais de algum abrandamento da procura de créditos habitação para comprar casa em Portugal. O Inquérito aos Bancos sobre o Mercado de Crédito de outubro revela que, no terceiro trimestre, a procura de empréstimos para aquisição de habitação por particulares diminuiu ligeiramente. E as instituições esperam uma redução adicional na procura no quarto trimestre do ano. O BdP apontou vários fatores que contribuíram para que tal acontecesse:

  • a quebra na confiança dos consumidores;
  • as perspetivas para o mercado de habitação;
  • as taxas de juro (em menor grau).

De notar ainda que nos últimos 10 anos, o “aumento significativo” da participação de compradores não residentes marcou o mercado imobiliário residencial em Portugal, sobretudo por parte dos compradores com domicílio fiscal fora da União Europeia. No acumulado dos quatro trimestres terminados em junho, os compradores estrangeiros representaram 11,7% do valor das transações de habitação em Portugal (8,9% nos 4 trimestres terminados em junho de 2021), destaca o relatório. E são poucos os que recorrem ao crédito habitação: a concessão empréstimos da casa a cidadãos estrangeiros (residentes e não residentes) aumentou entre dezembro de 2019 e junho de 2022, de 6,4% para 7%, mas continua a ter um peso “diminuto”.

Ainda assim assume que, dado o enquadramento e as vulnerabilidades, um dos principais riscos para a estabilidade financeira do país é mesmo “a redução dos preços no mercado imobiliário residencial, que poderá também afetar o valor de carteiras de ativos, de famílias ou de entidades financeiras, seja de forma direta, seja por via das garantias em operações de crédito”, explicam. Outro risco apontado é mesmo a “deterioração da situação financeira dos particulares num contexto de taxa de poupança reduzida, em especial entre os já mais vulneráveis, e de dominância do endividamento a taxas de juro variáveis”.

Preços das casas a cair
Pexels

Crédito habitação: 11% dos contratos vão ter taxa de esforço superior a 40% em 2023

Embora a exposição do setor bancário à compra de casas com financiamento bancário seja, hoje, menor do que na crise de dívida soberana, o BdP recomenda que os bancos tenham prudência na concessão de créditos habitação, sobretudo no que toca às suas taxas de esforço.

“A desaceleração económica e a subida da inflação, conjugadas com aumentos adicionais das taxas de juro de mercado, poderão deteriorar a situação financeira dos particulares, em especial entre os mais vulneráveis e num contexto de taxa de poupança reduzida, aumentando o seu risco de incumprimento”, analisa o BdP.

E porque é que isto acontece? Em Portugal, a proporção de empréstimos habitação com taxa variável é de cerca de 90%, levando a que a subida das taxas de juro de mercado se traduza num aumento do serviço de dívida no curto prazo. Estima-se que em dezembro de 2023, 11% dos contratos de crédito à habitação passarão a ter um rácio entre a prestação e o rendimento (LSTI, loan service-to-income) superior a 40% (em junho de 2022 eram só 5%).

“Adicionalmente, a subida da inflação poderá levar a uma estagnação do rendimento disponível real dos particulares em 2022 e 2023, o que conjugado com maiores encargos com a dívida, pode condicionar o nível de consumo real”, explicam ainda.

No entanto, há fatores que mitigam este risco de incumprimento do crédito habitação em Portugal, aponta o BdP:

  • a redução do rácio de endividamento dos particulares, em particular para as famílias de menor rendimento, para um nível inferior ao da média da área do euro. E a concentração do crédito habitação em famílias de rendimentos mais elevados;
  • a melhoria do perfil de risco dos novos mutuários em consequência da Recomendação macroprudencial, a qual prevê, no cálculo da taxa de esforço de empréstimos com taxa variável ou mista e prazo superior a 10 anos, uma subida do indexante de 3 p.p.;
  • a redução da maturidade máxima dos contratos de crédito habitação para mutuários com idade superior a 30 anos, levando a uma restrição mais ativa do rendimento sobre a capacidade de endividamento;
  • a situação de escassez de mão-de-obra no mercado de trabalho, que tenderá a limitar o aumento do desemprego caso se observe um abrandamento mais acentuado da atividade económica;
  •  a acumulação de depósitos durante o período pandémico, em parte explicada pelas moratórias de crédito durante a pandemia;
  •  a adoção de medidas governamentais de apoio às famílias como o novo diploma que desenhou novas regras para renegociar o crédito habitação.
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