A Câmara de Lisboa vai arrancar ainda este ano com 11 das obras de uma “megaoperação de reabilitação” dos bairros municipais.
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bairros municipais
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Trinta anos depois da erradicação de barracas através do Programa Especial de Realojamento (PER), a Câmara de Lisboa reconhece que persistem “situações informais” de habitação, provando que hoje o “grande desafio” é erradicar a pobreza na cidade.

“A arquitetura são os vasos e as pessoas são as flores. Não há vasos sem flores, nem há flores sem vasos, portanto nós podemos fazer os vasos, mas, se não tratamos das flores, a coisa não vai funcionar […]. Temos de ter muito trabalho comunitário para conseguir erradicar a pobreza, verdadeiramente. Não basta erradicar as barracas, temos de erradicar a pobreza, e é esse o nosso objetivo”, afirmou a vereadora da Habitação e do Desenvolvimento Local, Filipa Roseta, que tem também um percurso profissional como arquiteta.

Em entrevista à agência Lusa, a autarca disse que o município está a trabalhar na Carta do Desenvolvimento Local (CDL), com o desafio de “identificar na cidade onde é que estão as bolsas de pobreza” e perceber porque é que existem, se estão associadas à falta de acesso a serviços básicos como a educação ou até “se estão ligadas ou não a redes de criminalidade”.

A Carta do Desenvolvimento Local vem no seguimento da Carta Municipal de Habitação, que tem identificadas 13.150 situações de habitação indigna nos bairros municipais de Lisboa, mas ainda falta apurar as carências habitacionais no parque privado, apontou a vereadora, sublinhando que o objetivo é a erradicação da pobreza, com “um trabalho comunitário muito forte”.

casas em Lisboa
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“Temos de trabalhar nos vasos e temos de trabalhar nas flores. Temos de garantir que não estamos só a dar casa às pessoas. Temos de garantir que elas têm o acesso a educação, emprego, portanto que tem todo o pacote que vai permitir a mobilidade social rápida”, defendeu.

Questionada sobre se a atual crise da habitação tem levado ao surgimento de novas barracas, Filipa Roseta revelou que “há situações informais”, com pessoas a viverem sem condições dignas, inclusive nos bairros municipais, mas “nada se assemelha a um bairro com 1.000 barracas”, o que existia antes do PER. No combate ao surgimento de barracas, o município está atento para que essas situações, a existirem, sejam identificadas rapidamente, para “não permitir que cresçam”.

Um dos casos de habitação indigna é na Quinta do Ferro, no centro da cidade, em que a câmara já está a intervir. A vereadora foi visitar este bairro municipal logo após a tomada de posse do executivo municipal, no final de 2021, e deparou-se com “uma situação inacreditável”, que "não acreditava" que pudessem existir aos tempos de hoje, mas assegurou que “é pontual”.

Lisboa acabou com “mar de favelas” e construiu 36 bairros num “esforço épico” 

Lançado há 30 anos, o Programa Especial de Realojamento transformou a cidade de Lisboa, acabou com “um mar de favelas” e construíram-se 36 bairros municipais, existindo bons e maus exemplos, após um “esforço épico” para erradicar as barracas.

“Tenho muita dificuldade em que se manche, de alguma maneira, aquilo que foi o esforço épico deste programa para acabar com as barracas na cidade de Lisboa”, afirmou a atual vereadora da Habitação na Câmara Municipal, admitindo que nem todos os bairros construídos com o PER são um bom exemplo, sobretudo ao nível da integração.

Lisboa
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Integrado na malha urbana de Telheiras, o conjunto habitacional de realojamento construído no Alto da Faia “é um bom exemplo” da execução do PER e, por isso, foi o local escolhido pela vereadora Filipa Roseta para falar sobre os 30 anos deste programa público de habitação, em entrevista à agência Lusa.

“Porquê este bairro? Porque este está muito integrado na malha urbana e, portanto, é para mostrar que os nossos bairros não são todos guetos. Infelizmente, as pessoas têm um bocado a imagem que os bairros sociais são guetos e que os conseguem identificar na cidade, e muitas vezes não, portanto este edifício está completamente integrado na cidade e, se passarem por cá, ninguém diz ‘aqui é um edifício municipal, ali é um edifício privado’”, apontou.

Com a missão de erradicar as barracas e realojar as famílias nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, o PER foi lançado em 1993, com o Governo liderado por Aníbal Cavaco Silva, através do decreto-lei 163/93, de 7 de maio. O programa envolveu 28 municípios, onde foram identificadas 48.416 famílias a viver em construções precárias.

Capital arranca este ano com 11 obras nos bairros municipais 

A Câmara de Lisboa vai arrancar ainda este ano com 11 das obras de uma “megaoperação de reabilitação” dos bairros municipais, “muitos” dos quais não foram intervencionados desde a sua origem.

Em entrevista à Lusa, no bairro do Alto da Faia, na zona de Telheiras, a vereadora Filipa Roseta, recordou que a Estratégia Local de Habitação de Lisboa (ELH) aprovada em 2019 não incluía a reabilitação dos bairros municipais, na maioria erguidos com o Programa Especial de Realojamento (PER), que há 30 anos se propôs erradicar as barracas da cidade e da sua zona metropolitana. Segundo dados oficiais, mais de 8.500 famílias foram, nessa altura, realojadas em bairros municipais.

habitação em Lisboa
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“Os edifícios não têm reabilitação, muitos, há 40, 30 anos, desde que foram feitos”, constata a vereadora eleita pelo PSD, realçando que, por lei, devia ter havido uma operação de manutenção de oito em oito anos. “Este ano vão arrancar 11 obras, porque já estavam no nosso orçamento”, adianta Filipa Roseta, acrescentando que serão gastos 23 milhões de euros.

Estas primeiras intervenções de reabilitação vão decorrer em bairros de sete freguesias – 2 de Maio, Açucenas, Alfinetes, Boavista, Bom Pastor, Condado, Flamenga, Nascimento Costa, Padre Cruz, Rego e Telheiras Sul –, sete dos quais incluídos no PER, refere a autarquia, acrescentando que as obras abrangem 109 prédios e mais de 2.700 habitações.

Segundo a Câmara, os concursos já foram lançados e as primeiras obras arrancarão ainda em maio, nos bairros Padre Cruz e Alfinetes. As restantes obras começarão entre junho e setembro.

A “carência” de reabilitação ultrapassa os 100 milhões de euros, para cerca de 8.000 habitações que precisam de ser “rapidamente intervencionadas” com “pequenas obras”, especifica, acrescentando que o universo de fogos que necessitam de algum tipo de requalificação ronda os 13 mil.

Por isso, a autarquia pediu para incluir os bairros municipais na ELH – com o acordo de todos os partidos, nota Roseta –, o que permitirá “ir buscar também ao PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] algum apoio para este esforço de reabilitação”.

Lisboa tem “casas e pessoas a viverem em habitação indigna” em bairros municipais e resolver isso deve poder contar com apoio dos fundos europeus, até porque o orçamento da câmara não dá para tudo.

*Com Lusa

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