
A nova Lei da Habitação em Espanha veio encher o setor de dúvidas e pode significar, por exemplo, o desaparecimento de pequenas empresas imobiliárias. A iniciativa legislativa de Pedro Sánchez está no Senado a aguardar tramitação, de forma a entrar em vigor antes eleições regionais e municipais de 28 de maio, e traz muitas medidas de longo alcance. Vozes do setor dizem que algumas normativas são contra a profissionalização do imobiliário e que até podem vir a atrapalhar as operações de compra e venda de casas ou arrendamento. Explicamos o que está em causa e a dar muito que falar no país vizinho.
Para além do controlo das rendas nas zonas de pressão, da proteção dos inquilinos vulneráveis para evitar a sua expulsão em caso de incumprimento ou da substituição do IPC por outro índice na atualização das rendas, o regulamento inclui muitas outras novidades que estão a deixar o setor em estado de choque. Uma delas encontra-se no artigo 31, que trata das informações mínimas necessárias nas operações de compra e arrendamento de casas.
Conforme consta do Projeto de Lei aprovado pelo Plenário do Congresso dos Deputados e publicado no Diário Oficial das Cortes Gerais a 8 de maio, o artigo estabelece que o interessado em comprar ou arrendar uma casa "poderá solicitar, antes da formalização da operação e da entrega de qualquer valor em conta, a seguinte informação, em formato acessível e em suporte duradouro, sobre as condições da operação e as características da referida habitação e do edifício em questão qual está localizado”. Por exemplo, as condições económicas da operação (preço total e conceitos nela incluídos, bem como as condições de financiamento ou pagamento), as características essenciais da habitação e do edifício (como o certificado de habitabilidade, a acreditação da superfície útil e construída da habitação, o certificado de eficiência energética, os serviços à disposição do edifício ou a sua idade).
Mas também inclui um ponto controverso: entre as informações que pode solicitar está a "identificação do vendedor ou senhorio e, se for o caso, da pessoa singular ou coletiva que intervenha, no âmbito de uma atividade profissional ou empresarial, para intermediação na operação”.
Conforme explicado por associações, agentes imobiliários, sociedades de advogados e partidos de oposição ao idealista/news, este ponto da Lei da Habitação não só aumentará o trabalho burocrático e administrativo dos agentes imobiliários, como também dificultará o seu trabalho e poderá sobrecarregar os negócios de pequenas agências, causando o seu desaparecimento em alguns casos. Além disso, estão sujeitos a sanções económicas pelo não cumprimento. Um novo cenário que muitas vozes consideram excessivo, além de arriscado.
Contra a profissionalização do setor
Uma delas é a de José Ramón Zurdo, advogado especializado em arrendamentos e diretor geral da Agência Negociadora de Arrendamentos (ANA), que afirma que "a nova Lei da Habitação incorpora dois elementos importantes que, da Agência Negociadora de Arrendamentos, consideramos vão contra a profissionalização do setor, até mesmo a sua viabilidade, sobretudo para algumas imobiliárias, que se dedicam apenas à intermediação de arrendamentos, que podem desaparecer diretamente do mercado”.
Um dos elementos que Zurdo critica é a alteração do artigo 20º da Lei do Arrendamento Urbano (LAU), "onde as despesas de gestão imobiliária e as de formalização do contrato correrão por conta do senhorio, suprimindo-o quando for pessoa coletiva, e desta forma todos os proprietários privados terão de assumir esta despesa e os profissionais que se dedicam apenas à mediação imobiliária, não poderão cobrar este serviço profissional ao inquilino nem cobrar os seus honorários aos senhorios”.
E o outro ponto de discórdia é precisamente o artigo 31.º, "onde o arrendatário, antes de entregar qualquer dinheiro e deixar a operação formalizada, pode solicitar toda uma série de dados e documentação, como a identificação do senhorio, em que o arrendatário, desta forma, poderá contornar a intermediação da imobiliária e tentar o senhorio a dispensar os serviços da imobiliária. Este é um ponto muito importante, que ameaça o trabalho e o funcionamento das empresas e dos profissionais do setor, onde o espírito da Lei tem impacto direto em dificultar o trabalho profissional, para dar mais peso ao relacionamento entre os indivíduos, colocando obstáculos à profissionalização do setor”.
Arantxa Goenaga, advogada e sócia do escritório Círculo Legal Barcelona, também acredita que o facto de o comprador ou inquilino da casa saber o nome do proprietário desde o início pode ter um efeito prejudicial. “Pode ocorrer uma das situações que os agentes imobiliários mais combatem e é que efetuem a venda saltando-as e, consequentemente, perdendo os honorários dos trabalhos realizados até esse momento. Outro risco que entendo que pode ocorrer é que essas informações não sejam utilizadas corretamente”, comenta.
A advogada salienta ainda que “estes requisitos vão afetar os intermediários mais financeiros e imobiliários, que não só terão muito mais burocracia, como também terão mais problemas com os proprietários”.
A crítica a esta parte da Lei de Habitação também vem da esfera política. Segundo Juan Ignacio López-Bas Valero, deputado por Alicante do Ciudadanos e membro da Comissão de Transporte, Mobilidade e Agenda Urbana do Congresso dos Deputados, "essas referências a informações subjetivas no âmbito de uma operação imobiliária e referentes à identidade das partes em um eventual contrato são, a meu ver, um excesso”.
Mais burocracia que atrapalha as operações
Os especialistas consultados alertam que esta alteração regulamentar vai dificultar o trabalho das imobiliárias através da burocracia, o que “vai dificultar e atrasar as operações de arrendamento ou venda de casa”, segundo a ANA.
Na mesma linha, do Círculo Legal realçam que o facto de terem de entregar todos estes dados iniciais "dificulta o trabalho dos mediadores imobiliários, que muitas vezes são contratados pela imobiliária para fazer todos os trâmites e não têm intervenção."
Por seu lado, Montserrat Junyent, presidente da Federação das Associações das Empresas Imobiliárias (FADEI), qualifica o artigo 31.º da Lei da Habitação como "um excesso de zelo", pois "do ponto de vista do consumidor tem muito boas intenções, mas este não é o caso do ponto de vista das imobiliárias". Junyent lamenta que o regulamento abra a porta ao risco de que potenciais compradores e inquilinos possam contornar o intermediário e critica que “em vez de tentar simplificar a relação contratual com um documento básico, estamos a adicionar requisitos mais formais em forma de cláusulas”.
Os especialistas lembram que a titularidade de um imóvel pode ser requerida no Registo Predial, pelo que consideram que não era necessário incluir este ponto na Lei da Habitação, e insistem que, a partir da entrada em vigor do regulamento, os mediadores imobiliários devem ter o consentimento dos proprietários para transferir os seus dados a terceiros.
Dúvidas com a aplicação do artigo 31.º da Lei da Habitação
Outra leitura conflituante que os especialistas destacam dessa nova informação mínima nas operações de compra e arrendamento de casas é sua “colisão” com relação a algumas regulamentações regionais, como a normativa catalã do consumidor.
Carles Sala, diretor da Área Jurídica do COAPI de Barcelona, advogado e doutorado em Direito pela Universidade Autónoma de Barcelona (UAB), assegura que este ponto suscita dúvidas não só pelo impacto que pode ter para o intermediário, mas também para o proprietário. Na sua opinião, o artigo 31.º da Lei da Habitação “é um artigo redigido no âmbito da proteção dos consumidores e utentes, mas esta matéria está nas mãos dos CCAA”. Sala explica que os agentes imobiliários da capital catalã já consultaram a Agência Catalã do Consumidor e a Agência de Proteção de Dados a esse respeito, pois "é ilógico aplicar duas leis diferentes simultaneamente no mesmo assunto". Ele também critica o fato de o texto que o Senado vai votar não incluir quais informações específicas sobre o proprietário devem ser fornecidas pelo órgão, nem que o texto especifique que esse ponto será desenvolvido no futuro.
Além disso, Sala lamenta que este seja o único artigo do regulamento relativo ao consumo que se manteve no projeto, uma vez que vários artigos do texto inicial focavam questões como as obrigações dos promotores que recebem valores adiantados por uma casa ou moradia em desenvolvimento. Concretamente, o artigo 32.º (obrigações dos promotores que recebem montantes adiantados), o artigo 33.º (exigências de garantia), o artigo 34.º (informações contratuais), o artigo 35.º (execução da garantia), o artigo 36.º (cancelamento da garantia), o artigo 37.º ( publicidade do loteamento) e ainda o artigo 38.º (infrações e sanções).
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